São duas máquinas imponentes. Uma é azul e outra branca. Cada uma delas pesa mais de 350 quilos, sem contar com a bagagem. E o ruído dos motores destas Harley-Davidson não deixa ninguém indiferente. Esta segunda-feira, Abel Cardoso e Victor Vilaça voltaram a montá-las e só regressam a casa 18 dias depois. Pelo meio, vão percorrer cerca de sete mil quilómetros e visitar sete cidades, em Espanha e Itália, que, tal como Guimarães, são Cidade Europeia do Desporto (CED) em 2013.
Vão pelo prazer da viagem. "Gosto mesmo de andar de moto", sintetiza Victor Vilaça, 63 anos, professor do ensino básico. Mas também pela experiência cultural que associam a cada aventura. A expedição pelas CED não é a primeira feita por estes dois vimaranenses que, desde 2006, já fizeram várias incursões pelos territórios onde são visíveis marcas da presença portuguesa em África - chamaram ao projecto A Alma dos Lugares. "Nós fazemos um trajecto tendo sempre em conta uma vertente cultural. Calculamos os quilómetros que temos que fazer entre as cidades e parámos naquelas que têm interesse, que são Património da Humanidade ou têm valor histórico", explica.
Por isso, mesmo que seja o desporto o motivo da viagem, os dois motards decidiram fazer outras incursões. A primeira etapa, depois da saída de Guimarães, é até Bielsa, no sopé dos Pirenéus, ainda em território espanhol. Depois seguem para Grenoble, já próximo dos Alpes franceses, a partir de onde partem para sul, em direcção a Cannes, seguindo a rota de Napoleão.
Abel e Victor farão de mota, e em sentido inverso, parte da estrada que, em Março de 1815, Napoleão percorreu, juntamente com 1200 homens, quando regressava a Paris para recuperar o trono depois de um ano no exílio. Desembarcado no Sul de França, o imperador seguiu um caminho destinado a cavalos e burros para evitar oposição, chegando em seis dias à capital. "Podíamos atravessar os Alpes na Provença numa data de sítios, mas preferimos fazer este caminho. A estrada é lindíssima e em termos paisagísticos toda a zona é extraordinária", explica Abel Cardoso.
Os dois motards entrarão depois em Itália para visitar as quatro CED daquele país. Em cada paragem, serão recebidos por um representante local, a quem entregarão um kit oferecido pela Guimarães 2013, fazendo-o novamente nas três povoações espanholas que recebem o título. De fora deste périplo ficou Lisbourn, na Irlanda do Norte, por questões de tempo. As restantes cidades acabam por permitir um percurso quase natural e circular, atravessando os dois países latinos.
No Norte de Itália há três cidades a visitar obrigatoriamente. A primeira paragem será na mais pequena das CED, Alba, com 30 mil habitantes. Fica na região do Piemonte e os seus principais marcos são o Palazzo Comunale e a Catedral, ambos com origens no século XII e intervenções nos dois séculos seguintes. A pouco menos de 200 quilómetros está Cremona, terra de Stradivarius e Monteverdi, e também de uma das maiores catedrais de Itália, cuja construção remonta a 1107. A última etapa no Norte do país é em Modena, a maior e mais monumental destas três cidades (186 mil habitantes), no vale do rio Pó.
A partir daqui, Abel Cardoso e Victor Vilaça têm que conduzir as suas duas motos em direcção ao Sul. Pelo meio, decidiram passar por dois lugares de Itália que queriam conhecer. Por influência do primeiro, vão contornar a costa da Ligúria, conhecendo as Cinque Terre viradas para o Mediterrâneo. O segundo vai aproveitar para visitar, pela primeira vez, a cidade de Nápoles e as ruínas da cidade romana de Pompeia. A viagem só termina, porém, no extremo da península itálica, em Reggio-Calabria, que também é CED em 2013.
Aí, os dois vão atravessar o estreito de Messina para a Sicília, viajando directamente para Palermo, onde apanharão um barco para Civitavecchia, em Roma, e daí para Barcelona. É pela Catalunha que será feita a entrada na Península Ibérica onde, não muito longe da capital da região, está a CED Castelldefels, uma pequena cidade (60 mil habitantes) conhecida sobretudo pela sua praia.
Há mais duas cidades espanholas na rota de Victor Vilaça e Abel Cardoso. Primeiro, Lorca, na região de Múrcia - cidade que foi atingida por um sismo em 2011 e que usou a CED para recuperar alguma da auto-estima daquela população -, seguindo-se Estepona, outra estância de sol e praia, na costa Sul, perto de Málaga.
A 15 de Agosto está previsto o regresso a casa, depois de cerca de sete mil quilómetros pelas estradas de Portugal, Espanha, França e Itália. Quando voltarem, vão organizar uma exposição com fotografias, desenhos e textos motivados pela viagem, que vai poder ser vista, no final de Setembro, no espaço da Guimarães 2013 num centro comercial da cidade.
Em busca de Portugal
A paixão de Abel Cardoso pelas motos, "vem de miúdo", mas só em adulto pôde ter a sua primeira máquina. Depois disso, integrou um conjunto de aficionados das duas rodas que, todos os domingos, se encontra em Guimarães, partindo pelas estradas da região. Quando entrou no grupo, lembra-se de, a cada encontro, ouvir alguém dizer que seria interessante fazer uma viagem maior. "Pelo menos sair dos limites do país", conta. Mas nunca o concretizaram. Até que, em 2006, Abel encontrou o parceiro ideal, Vitor Vilaça, 20 anos mais velho. "Desafiei-o para irmos até aos Picos da Europa (Espanha) e essa viagem abriu-nos os horizontes", recorda.
Desde então têm viajado juntos, todos os anos, sempre nas férias. A primeira experiência acabou por dar lugar a um projecto mais alargado que tem África como ponto central. Nos cinco anos seguintes foram quatro vezes em busca de locais que guardam vestígios da presença portuguesa no continente durante os Descobrimentos. "O nosso objectivo é conhecer, estudar e dar a conhecer o património português que está presente em África", conta Abel Cardoso.
"Se calhar todos sabemos que Gil Eanes passou o Cabo Bojador em 1434, mas será que sabemos como é o cabo?", questiona. Abel e Victor sabem. Porque ali foram, em 2009, numa das suas viagens. Dois anos antes, tinham tido a primeira incursão em território africano com um percurso pelas praças fortes quinhentistas na costa de Marrocos, entre Tânger a Agadir. Em 2010, na mais longa expedição dos dois motards vimaranenses, partiram em direcção a Mascate, uma enseada no sultanato de Omã, cruzando todos os países do Norte de África e, um ano depois, houve uma viagem até Ouadane, uma feitoria portuguesa no Sara.
Depois disso, vieram as Primaveras Árabes e as convulsões políticas em África, que obrigaram a dupla a fazer uma pausa nas viagens por esse continente. Mas a vontade de aventura não os deixou parar e, no ano passado, partiram de Guimarães até Maribor, a outra cidade que foi Capital Europeia da Cultura em 2012. Depois da viagem inaugural aos Picos da Europa, Victor Vilaça e Abel Cardoso também já tinham viajado de moto pela Normandia e Provença, em 2008, e decidiram voltar à Europa enquanto a situação em África não fica mais calma.
"Vamos continuar a ganhar mais experiência e assim também não perdemos o ritmo de viagens grandes", expõe Vilaça. As visitas ao património português em território africano são para continuar, garante, e, a médio prazo, querem ir até à Índia. "Também há lá muita coisa portuguesa que temos que visitar e dar a conhecer a algumas pessoas que não conhecem. O importante é não pararmos", conclui.
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A viagem pode ser acompanhada no site oficial da Guimarães 2013 - Cidade Europeia do Desporto (e também no Facebook).pt e na página facebook.com/guimaraesced2013