No Salão do Relógio, onde se concentra a maquinaria, a solidez da pedra é iluminada por uma transcendental clarabóia. Ao centro, um enorme painel expõe, em resumidas legendas e imagens, a história do arco triunfal e da Baixa, de como começou a ser planificado durante o período de reconstrução pombalina, avançando-se com a ideia da sua construção logo em 1758, mas que, atravessando o período de demissão do marquês de Pombal (em 1777) e o reinado de D. Maria I, só seria construído, na sua versão final, segundo um projecto do arquitecto Veríssimo José da Costa, entre 1873 e 1875. Mas os primeiros visitantes que acompanhamos já têm o seu plano de acção bem definido: guardar esta sala para o regresso, que a ansiedade panorâmica é forte de mais. Agora sim, um novo lanço circular de escadas vai levar-nos, como dizia um visitante, "ao céu".
Uma vista do arco-da-velha
Emergimos para o amplo terraço que nos abre a esta Lisboa histórica e ribeirinha, a Lisboa-símbolo do renascimento pós-terramoto, que guarda os sinais das conquistas, descobertas e revitalizações. Abrimos os olhos de par em par e recebemos um súbito postal que não deixa ninguém indiferente. A beleza a 360º deste organizado caos milenar, do casario a subir colinas, a desenhar-se nas perfeitas linhas pombalinas, numa visão única de toda a rua Augusta a abrir-se à nossa frente e cujo desenho de calçada é uma obra-prima que só daqui temos a oportunidade de admirar na sua plenitude pela primeira vez, do castelo a marcar o horizonte, ao Tejo em arco até à ponte e à foz... E, especialmente, estamos debruçados sobre esta nobre praça, de um imponente vazio real quebrado pela centralidade da (também restaurada) estátua equestre de D. José, que, no espaço traçado a pedra lioz, nos vira as verdes costas e, como nós, concentra as atenções no Cais das Colunas. É um novo olhar por este que foi o centro de todo o poder em Portugal e que é hoje a sala nobre de todas as visitas.
Também de olhos arregalados, e máquina fotográfica a metralhar fotografias, o senhor José João corre de um lado para o outro do terraço: "Superou todas as minhas expectativas", diz, elevando quase cada sílaba. O resto do grupo, curiosamente composto quase totalmente por portugueses, segue o mesmo ritmo, desfilando superlativos à mesma velocidade que capta fotos. "Deslumbrada!", confessa-se Isabel Machado, de Odivelas, com uma alegria contagiante. Mas mesmo "deslumbrada com esta maravilhosa vista". E, para o caso de ficarmos com dúvidas, ainda lhe há-de sair mais um "deslumbrante!". Ao seu lado, a cunhada, Maria do Rosário Machado, há meio século emigrada na Suécia, resume saudade e paisagem em poucas palavras. Atira o olhar em volta e lança-nos um "Portugal é lindo!". Está tudo dito.
Por aqui, estamos agora atrás da Glória, que coroa um alado Génio e o Valor, figura feminina protegida com leão - são as esculturas de Anatole Calmels que rematam o topo do arco. Mais abaixo, mas a admirar de fora, temos ainda Viriato, Vasco da Gama, D. Nuno Álvares Pereira ou o Marquês, ladeados por alegorias ao Tejo e Douro, tudo obra do escultor Vítor Bastos. No centro do terraço, um sino marca a hora (na verdade, cada meia hora, sincronizado com a máquina do relógio do arco).