Fugas - Viagens

  • Celebrações de Ano Novo, a 1 de Janeiro 2013
    Celebrações de Ano Novo, a 1 de Janeiro 2013 Syamsul Bahri Muhammad/Reuters
  • As Petronas no horizonte
    As Petronas no horizonte Bazuki Muhammad/Reuters
  • As Petronas no horizonte
    As Petronas no horizonte Beawiharta/Reuters
  • No bairro comercial Bukit Bintang, com as Petronas no horizonte
    No bairro comercial Bukit Bintang, com as Petronas no horizonte Bazuki Muhammad/Reuters
  • O frenético mercado Petaling
    O frenético mercado Petaling Sousa Ribeiro
  • Bazuki Muhammad/Reuters
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • As grutas de Batu, importante local de culto da comunidade hindu
    As grutas de Batu, importante local de culto da comunidade hindu Sousa Ribeiro
  • Mesquita Putra, Putrajaya, perto de Kuala Lampur
    Mesquita Putra, Putrajaya, perto de Kuala Lampur Bazuki Muhammad/Reuters

As torres prateadas que mudaram a paisagem de Kuala Lumpur

Por Sousa Ribeiro

Há 15 anos, a Malásia espantou o mundo com duas torres gémeas prateadas que alteraram radicalmente a paisagem da sua capital. Viagem através das Petronas e de uma cidade que é um caleidoscópio de cores, de religiões e de culturas.

E o pequeno, com os cabelos loiros caindo-lhe pelo pescoço em suaves caracóis, ali estava, sentado no chão, jogando às cartas com a mãe, numa ansiedade que as palavras apenas se limitavam a confirmar:

- Ainda falta muito?

Os primeiros alvores do dia são acompanhados de um cheiro penetrante a terra molhada, a relva e a flores que crescem em jardins incrivelmente viçosos, bem tratados e órfãos de lixo. A vibrante Kuala Lumpur, àquela hora banhada por uma luz mitigada, é ainda uma cidade dormente, entregue a uma quietude sonhadora que não se prolongará por mais de uma hora, dando lugar a um incessante movimento frenético.

- Já não falta muito, pois não?

Na sua impaciência eufórica, a criança levanta os bonitos olhos azuis para a mãe e, perscrutando à sua volta, tentando encontrar sinais de esperança, revela uma expressão de enfado. Ainda há bem pouco tempo, eram emitidos gratuitamente, de terça a domingo, entre 16 a 40 bilhetes num dos pisos inferiores das Torres Petronas, um número reduzido face à procura, o que obrigava o viajante a um despertar madrugador para garantir um dos ingressos.

Até há nove anos, altura em que se construiu o Taipei 101, em Taiwan, o edifício que se veste de prateado e, resplandecente, rasga os céus da grande metrópole asiática, era, com os seus 452 metros, o mais alto do mundo — continua a ser se a classificação analisar apenas torres gémeas. Mas, em Junho de 1993, quando foi apresentado o projecto, as Petronas não eram as mais altas do mundo, com os seus 432 metros, menos quase 20 metros do que as Seas Tower, em Chicago, na época ostentando o primeiro lugar. Em resposta a um pedido do cliente para bater o recorde, o arquitecto argentino, Cesar Pelli, decidiu-se por aumentar o tamanho dos pináculos. 

- Mãe, vão abrir a bilheteira. Rápido, mãe, levanta-te.

Estando por perto, naquele espaço silencioso, escuto a conversa e não deixo de ficar enternecido com a manifestação de alegria do menino que, com a sua expressão dócil e ao mesmo tempo tão viva, não deixa de atrair as atenções de uma sala que se sacode num alívio colectivo. Este ano a festejarem o 15.º aniversário desde a sua abertura (oficial foi apenas em 1999), as Petronas, verdadeiro ícone de KL, acrónimo de Kuala Lumpur, foram desenhadas por Cesar Pelli e expressam uma influência árabe perceptível em alguns detalhes: desde logo, na gigantesca estrela com oito lados que se espalma pela planta baixa e que encerra uma história conhecida por muito poucos.

Na verdade, o projecto inicial previa uma estrela com doze lados mas, com o argumento de que a geometria era mais árabe do que malaia, o primeiro-ministro na época, Mahathir Mohamad, ordenou a configuração actual. Ainda assim, outros traços mostram uma definição vincadamente árabe, como as cinco fiadas de cada torre (representam os cinco pilares do Islão), os pináculos com 73 metros de altura que as coroam, fazendo lembrar os minaretes de uma mesquita e a estrela representativa da religião. Outra mudança significativa teve a ver com a orientação das torres, ajustadas de forma a ficarem viradas para Meca, enquanto as casas de banho estão situadas na direcção oposta, um conceito que é aplicado na construção de mesquitas.

Como um espasmo, sinto um estremecimento no corpo e todos os turistas, incluindo a criança de cabelos loiros, se entreolham, como se procurassem em cada rosto a resposta para aquela súbita inquietação. É simples: o elevador que nos conduz até ao piso 42 sobe a uma velocidade superior a seis metros por segundo mas já ninguém se lembra do pequeno sobressalto quando, abertas as portas, o corredor envidraçado da Sky Bridge deixa todos extasiados, oferecendo uma panorâmica única sobre os arranha-céus que crescem como cogumelos de um lado e do outro, como expressão viva da materialização do sonho asiático.  

Portal para o infinito

O passadiço, com uma extensão de 58 metros de comprimento e cinco de largura, não fazia parte do plano idealizado por Cesar Pelli. Mas, apercebendo-se rapidamente de que as torres abanariam com ventos fortes, o arquitecto encontrou uma solução de génio, uma ponte flutuante que é uma verdadeira obra-prima da engenharia e que, uma vez erguida a uma altura de 170 metros, se assemelha a “um portal – um portal para o infinito”, na definição do argentino naturalizado americano e também responsável pelo projecto do complexo World Financial Center, em Manhattan, bem próximo do World Trade Center.

Talvez motivado pela insistência do meu olhar e de um sorriso que merecia a sua cumplicidade, o pequeno acercou-se de mim sem o menor esboço de timidez naquele rosto angelical:

- Importa-se de nos tirar uma fotografia?

Com uma maturidade fora do vulgar e num inglês fluente para quem não é proveniente de um país anglófono, a criança teve a capacidade de me surpreender com as palavras que foi desenhando nos seus lábios e me transportaram para um passado bem recente:

- Vi-o anteontem, a fotografar, na Merdeka Square. Eu estava com a minha mãe, na bancada, a assistir ao desfile.

Só agora me dava conta de que aquele rosto, emoldurado no cabelo quase cor de palha, me era familiar. E, por instantes, enquanto tentava descobrir, por entre aqueles prédios tocando o céu azul, a histórica praça desde a Sky Bridge, senti-me abalado pelas recordações oníricas de uma manhã cheia de vida e cor.

Em tempos um campo de críquete destinado aos administradores britânicos (apenas os brancos tinham acesso), conhecido como Selangor Club Padang ou simplesmente Padang, Merdeka é um lugar com grande simbologia para o país — à meia-noite do dia 31 de Agosto de 1957 aqui foi proclamada a independência (em malaio merdeka), colocando um ponto final no domínio, mais comercial do que territorial, do Império Britânico. Por momentos, do alto da Sky Bridge, revejo a bandeira drapejando ao vento, imponente do alto dos seus quase cem metros, uma das mais altas do mundo, e a Merdeka enfeitada de outras mais pequenas que mãos de novos e velhos seguram numa demonstração de respeito e orgulho, proporcionando uma coreografia de infinita beleza, um mar ávido e dançante que se veste de branco, vermelho, azul e amarelo.

Atravessada por uma larga avenida, a Jalan Raja Laut, a praça está rodeada por um elegante conjunto arquitectónico, destacando-se, num dos extremos, o agora rebaptizado Royal Selangor Club, no seu estilo Tudor, baseado no modelo de casas campestres inglesas e identificado com sofisticação e riqueza. Na verdade, a este espaço acorre, desde finais do século XIX até aos nossos dias, a elite de Kuala Lumpur e foi também no seu interior, num anexo, que os agora mundialmente famosos Hash House Harriers deram o pontapé de saída em 1938 — o jubileu dos seus 75 anos, em Dezembro deste ano, em Kuala Lumpur, promete emoções fortes numa associação que começou por ser conhecida pela sua comida monótona e que, focada na actividade atlética (marcha ou caminhada), seguida de longas sessões de cerveja, não sente qualquer relutância em concordar com o slogan que frequentemente lhe é atribuído: um grupo de bebida com um problema de corrida.

Do lado oposto, sob um céu manchado de nuvens, ergue-se o imponente Sultan Abdul Samad Building, com as suas peculiares cúpulas banhadas de cobre e uma construção que mistura os estilos vitoriano, mouro e mogol, elementos típicos de alguns dos prédios coloniais que, aqui e acolá, ainda despontam na paisagem urbanística da capital. Projectado pelo arquitecto inglês Arthur Charles Alfred Norman, e concluído em 1897, após três anos de trabalhos, foi utilizado pela Administração Britânica para serviços de secretariado e, até 2007, como delegação dos tribunais Federal, Recurso e Supremo, acolhendo nos dias de hoje os ministérios de áreas como informação, comunicações e cultura.


A confluência enlameada

Nessa manhã, marcada por um forte sentimento de patriotismo e por sorrisos de crianças de diferentes etnias erguendo bandeiras de listas brancas e vermelhas e uma lua e um sol amarelos sobre um fundo azul, afastei-me por instantes dos sons festivos e deixei que os meus passos me conduzissem até à confluência dos rios Klang e Gombak, ao encontro da magnificente Mesquita Jamek, uma das mais antigas de KL e desenhada por Arthur Benison Hubback, um associado de Norman e, tal como este, famoso por idealizar projectos híbridos. Num ambiente sereno, escutando apenas o marulho da corrente dos dois rios, contemplo as palmeiras que se erguem acima de minaretes em tijolos em tons de rosa e de creme e de cúpulas em forma de cebola, enquanto procuro imaginar como era a vida, há pouco mais de 150 anos, neste ponto onde os rios se tocam.

Nessa época, mais precisamente em 1857, 87 prospectores chineses em busca de estanho atracaram no vértice do Klang e do Gombak e, observando aquela confluência enlameada, assim resolveram baptizar o lugar — em malaio é este o significado de Kuala Lumpur. A malária e outras doenças tropicais foram a causa da morte de sete dezenas desses pioneiros, mas a descoberta do precioso metal, em Ampang, a leste do centro de KL, e a consequente abertura de minas visando a sua exploração continuaram a atrair um elevado número de caçadores de tesouros.

A cidade, nesses tempos rodeada de uma selva densa e quase impenetrável, conheceu então um período de prosperidade mas, ao mesmo tempo, um índice de violência nunca visto, com a criação de gangues que, com inusitada frequência, se envolviam em rixas pelo controlo da produção de estanho. O estado de guerra entre as duas facções levou praticamente à paralisação dos trabalhos, obrigando os britânicos, que governavam Selangor como um dos Estados Federados Malaios, a nomear um chefe (designado capitão chinês) para administrar KL. Mas foi apenas com o terceiro destes líderes, Yap Ah Loy, responsável por reformas na lei, criação da primeira escola e alargamento da rede viária, entre outras medidas, que a até então pequena e obscura colónia evoluiu para uma próspera cidade mineira.

De regresso à Merdeka Square, volto a vibrar com a expressão efusiva de um povo em êxtase e perscruto, recortando-se acima dos telhados do edifício Sultan Abdul Samad, as duas torres cónicas, brilhando à luz dos raios solares como se tivessem acabado de ser polidas – na verdade são limpas duas vezes por ano para manter o lustro do aço inoxidável. 

- Importa-se de tirar só mais uma fotografia, agora do outro lado?

A criança, sempre de forma educada, tirou-me da minha abstracção, despojando-me das lembranças que a evocação do nome da praça ressuscitara. É curto o tempo que o viajante tem para passear ao longo da Sky Bridge e admirar, desde as alturas, a cidade digna de atenção e que, agora que a manhã já vai a meio, se assemelha a um conjunto de formigas lutando, lá em baixo, contra as gigantes Petronas (empresa fortemente implantada na produção de petróleo, gás e petroquímicos).           

Localizada nos pisos 41 e 42 (é a ponte mais alta do mundo com dois andares), a Sky Bridge pesa 750 toneladas (estrutura global) e é apoiada por um arco (na verdade um V invertido) que nasce no piso 29 (assente em dois blocos de oito metros de comprimento e pesando cada um 30 toneladas) e se eleva a 63 graus para suportar duas vigas paralelas. Mas o mais notável desta obra é que, graças à utilização de rolamentos esféricos na base das pernas (medem aproximadamente 42 metros e pesam 60 toneladas cada) no arco, nas vigas e na coroa, esta última executa um movimento ascendente ou descendente em função da aproximação ou do afastamento das torres, provocados pelo vento (o sistema estrutural desenhado está preparado para suportar ventos de 135 km/h).

Construída na Coreia do Sul, a ponte foi desmantelada e transportada de barco para KL, fragmentada em 493 peças e um peso total de pouco mais de 450 toneladas, tendo passado por diferentes testes, nos Estados Unidos e na Coreia do Sul, como simulações às condições atmosféricas mais adversas ocorridas nos últimos 50 anos — se bem que KL apresenta como vantagens não estar sujeita a actividade sísmica, nem a tornados ou a tufões.


No templo sikh

Desde a ponte, lanço um último e fugaz olhar procurando localizar, no meio da selva de betão, Kampung Baru, uma área maioritariamente habitada por malaios e o meu próximo destino. Utilizo, uma vez mais, um dos 75 elevadores das Petronas (58 são duplos) e não consigo evitar um sorriso malicioso quando penso no número de lanços de escadas que é necessário subir para chegar ao último dos 88 andares — um total de 1765.

Detenho-me, antes de sair para o exterior, a observar os pisos inferiores, o asseio, as mais de 300 lojas de marcas nacionais e internacionais, os cafés e os restaurantes, tudo dividido por seis andares e suficientemente apelativo numa cidade que não resiste ao consumismo para atrair diariamente milhares de visitantes ao Suria KLCC (estima-se uma afluência na ordem dos seis mil durante a semana e de doze mil aos fins-de-semana), um entre mais de 60 centros comerciais existentes na capital malaia.

E, enquanto deixo o olhar vaguear ao acaso, continuo a focar a minha atenção nos números assustadores e na grandeza destas torres: cinco pisos subterrâneos para parque de estacionamento com capacidade para 5400 viaturas, o Petrosains, um centro interactivo de descobertas científicas, a Galeri Petronas, com exibições de arte tradicional e contemporânea, e uma sala de concertos, entre as duas torres, onde actua tradicionalmente a Orquestra Filarmónica Malaia.

Ainda na área do lazer, as Petronas proporcionam um parque infantil no exterior que faz as delícias das crianças e não deixa os adultos indiferentes com as suas piscinas e, mais notável ainda, um aquário que pode ser observado percorrendo um túnel com 90 metros de comprimento, um mundo azul onde pontificam os tubarões-tigre de areia e enormes garoupas, entre outras espécies. 

Despeço-me do pequeno com um aperto de mão e caminho agora, virando de quando em vez os olhos para as torres, na direcção de Kampung Baru, à descoberta de um território que enche de nostalgia os locais, mesmo aqueles que se orgulham das Petronas. Percorro indolentemente esta área habitada por malaios (há também uma forte comunidade indonésia), uma atmosfera típica de uma aldeia, cheia de charme, com as suas bonitas e térreas casas de madeira, os seus jardins pequenos mas encantadores, elegantes alpendres onde a roupa seca e por trás dos quais se esconde um ou outro rosto com uma expressão amigável, próprio de quem sente prazer em viver uma vida sem agitação, deixando o tempo correr mas sem nunca o matar.

Um lema que adopto quando, agora que a manhã se esvai, me encontro no característico Chow Kit Market, lançando olhares à fruta e aos legumes, ao peixe e à carne, às roupas e aos sapatos, aos vendedores serenos e aos clientes mais apressados, um corrupio de gente por entre ruas estreitas, algumas delas cobertas com rudimentares guarda-sóis. Neste mercado, um dos mais antigos da cidade, vulgarmente apontado como o maior mercado molhado de KL — os legumes e os peixes são frequentemente borrifados com água para manterem a sua frescura — vende-se quase tudo mas se desejar, como eu, a esta hora, entre elevada percentagem de muçulmanos, uma cerveja, a resposta não será muito distinta da que eu obtive:

- Aqui não encontra. Procure nos restaurantes chineses.

Com uma garrafa de água na mão, resisto à tentação e, já com o Chow Kit para trás, passeio sem pressas até deparar com a porta de um templo à minha frente, lugar espiritual para cerca de 80 mil sikhs residentes na capital malaia, o que faz dele o maior de todo sudeste asiático.

- Seja bem-vindo.

Das mãos de um homem sorridente recebo um lenço cor-de-laranja para cobrir a cabeça.

O que se me oferece à contemplação é um verdadeiro caleidoscópio de cores e cheiros, homens com os seus turbantes, mulheres com os seus saris, de amarelo, de azul, de rosa, de verde, uma manifestação de fé e de respeito que, de tão reconfortante, permanece como a memória mais viva da experiência em KL.

- Aceite este prato e sirva-se à vontade, esta é também a sua casa, aconselha-me alguém mais jovem logo que o tempo de oração se esgota e se dá início ao almoço. E, cruzando as pernas, sentado no chão, como centenas de outros, deixo-me invadir por um sentimento difícil de descrever.


Cidade multicultural

Sirvo-me do eficiente KL Monorail para regressar ao coração da cidade e, depois, a pé, para descobrir Little India com as suas lojas de fachadas coloridas e as suas elegantes arcadas e, logo que o crepúsculo se anuncia, embrenho-me na vibrante China Town, com o seu frenético mercado Petaling, impregnado de cheiros e produtos de contrafacção. O carácter multicultural de Kuala Lumpur reflecte-se a toda a hora e o viajante pode, desde que seja essa a sua vocação, acender uma vela num templo chinês, uns minutos depois colocar um colar de flores ao pescoço num santuário hindu, logo a seguir admirar novos e antigos exemplares do Corão numa mesquita e, o que também é possível, meditar entre as paredes da anglicana St. Mary’s Cathedral, também uma criação de Norman — vale a pena admirar o interessante órgão de tubos dedicado a Henry Gurney, Alto-Comissário Britânico para a Malásia assassinado durante o período designado por Emergência (conflito que opôs colonizadores ao movimento de guerrilha liderado pelos comunistas em meados do século passado e que motivou a recolocação de meio milhão de agricultores chineses que até então viviam nas franjas da selva, na altura tomada pelos rebeldes). 

As Petronas parecem jogar às escondidas — ora desaparecem, ora surgem no meu raio de visão e tornam-se ainda mais assombrosas agora que a noite cai e as luzes se acendem. Os valores envolvidos na construção das torres gémeas nunca foram revelados mas, de acordo com notícias publicadas em jornais malaios em 1998, quando os trabalhos foram concluídos, a obra terá custado qualquer coisa como 800 milhões de dólares americanos (aproximadamente 600 milhões de euros).

Tan Sri Datuk Seri Azizan Zainul Abidin, presidente da Petronas e da KLCC Holdings, admitiu numa entrevista uma despesa próxima desses valores e o próprio arquitecto, Cesar Pelli, também os referiu por essa mesma altura. “800 milhões pode ser o custo final, o que é barato se atendermos à qualidade da tecnologia usada, aos materiais importados e sistemas como a enorme quantidade de revestimento em aço inoxidável e os elevadores, entre outros.”

Face à confidencialidade imposta pelos patrões das Petronas e da KLCC Holdings, é praticamente impossível chegar a uma conclusão mas algumas fontes não identificadas sugeriram, por altura da conclusão do empreendimento, que cada torre terá custado 500 milhões de dólares, enquanto outros, dentro da mesma empresa, sempre sob anonimato, defendem que esse valor deve ser multiplicado por dois. De qualquer forma, nem uns nem outros especificam se o custo abrange as infra-estruturas da totalidade da KLCC, incluindo o complexo das Petronas, o parque e as zonas envolventes, o que, segundo Arilde Arrif, director-executivo da empresa, terá obrigado a um dispêndio de cerca de 150 milhões de dólares.

Sentado na esplanada, absorto em pensamentos sobre a dimensão desta obra megalómana, nem dou conta de que, num curto espaço de tempo, a Jalan Alor se enche de gente e que já são poucos os lugares vazios nas muitas dezenas de restaurantes que lhe dão vida quando a noite se anuncia. Agora que as fito pela última vez, brilhando como espelhos, não deixo de pensar que o sonho materializado assumiu, durante anos, os contornos de um pesadelo, com avanços e retrocessos que lançavam dúvidas nos habitantes de Kuala Lumpur, vivendo na sua ansiedade eufórica tão próxima da que sentia o pequeno dos cabelos encaracolados antes de subir à Sky Bridge.

- Ainda falta muito?

A pouca fiabilidade da estrutura implicou a sua deslocação (60 metros) face ao que estava inicialmente previsto no projecto, durante noites e noites 500 camiões retiraram terra da área de construção e foram necessárias 54 horas para despejar 13.200 metros cúbicos de cimento por cada torre. Duas empresas, uma coreana e outra japonesa, encarregaram-se de levantar cada uma das Petronas, com o peso da angústia de terem de pagar ao cliente 700 mil dólares por cada dia de atraso. A primeira, tendo começado um mês mais tarde, terminou a obra um mês mais cedo, graças a um segredo bem guardado: o pináculo, já pronto a ser colocado, estava escondido no interior da torre. “Juntas, formam um grande arco que lembra uma porta de entrada para o orgulho da Malásia e da sua modernização”, escreveu nas suas memórias o primeiro-ministro Mahathir Mohamad.

E elas ali estão, reluzentes, dominando a paisagem, com a porta aberta para o futuro numa cidade que não se esquece do seu passado.     

_____________
GUIA PRÁTICO

É possível viajar para a Malásia durante qualquer época do ano, uma vez que não há grande diferença entre a temporada das chuvas (de Outubro a Abril) e o resto do ano. A excepção é a costa leste da Malásia peninsular, que é atingida por fortes precipitações entre Novembro e meados de Fevereiro, afectando as ligações por via marítima e reduzindo drasticamente o número de hotéis abertos, um problema que não se coloca quando o viajante opta pela costa oeste. No caso específico de KL, as temperaturas variam entre os 20 e os 35 graus centígrados, enquanto a humidade ultrapassa, em média, os 80%. Como acontece um pouco por todo o país, também na capital a chuva é frequente ao longo do ano; mas entre Março e Abril e entre Setembro e Novembro atinge os índices mais elevados.

Como ir
A melhor tarifa entre Lisboa e KL, tendo como base de comparação o mês de Novembro, é oferecida pela Qatar Airways, com duas curtas escalas, uma em Barcelona (voo operado pela Portugália) e a outra em Doha. Mas a diferença entre os preços praticados pela companhia aérea qatari (783 euros) e a KLM (794) é insignificante, tendo esta última a vantagem de implicar apenas uma paragem (em Amesterdão e em Paris no regresso). De uma forma geral, os valores são muito semelhantes nesta altura do ano e entre as alternativas possíveis incluem-se a Lufthansa (880 euros) e a Emirates (848).

O que fazer
Kuala Lumpur é talvez a única cidade no mundo com uma floresta tropical no centro. A KL Forest Eco Park (antes conhecida como Bukit Nanas Forest Reserve) foi criada em 1906 e é também uma das mais antigas da Malásia. Existe a possibilidade de percorrer alguns dos seus trilhos (entrada gratuita e funciona diariamente entre as 7h e as 18h) e de subir à imponente Menara KL (estando situada no alto de uma colina, é mais alta do que as Petronas) para uma panorâmica desde o observatório (com 276 metros, mais cem do que a Sky Bridge) ou uma refeição, no piso superior, no restaurante giratório.

Para os amantes da natureza, são várias as opções: Lake Gardens, bonito espaço verde com 92 hectares, o KL Bird Park, com mais de 200 espécies de pássaros e o lago Titiwangsa, refúgio de casais de namorados e não raras vezes vigiado pela polícia (dos bons costumes). Entre os templos hindus ou taoistas, aconselha-se o Sri Mahamariamman, o Sze Ya (com uma estátua do Capitão China, Yap Ah Loy) e o impressionante Thean Hou. Entre os museus, vale a pena deter-se no de Artes Islâmicas, com uma impressionante colecção de arte decorativa, e o Museu Nacional, recentemente renovado e com peças de diferentes culturas.

Kuala Lumpur dispõe de um autocarro gratuito que leva os turistas (e não só) a alguns dos pontos mais interessantes da cidade. Por cerca de dois euros (ida e volta) pode apanhar um outro junto ao Mercado Central (não deixe de percorrê-lo) e visitar, a 13 quilómetros, as Grutas de Batú, local de culto dos hindus, onde chega depois de subir quase 300 escadas.


Onde comer

Uma das experiências mais interessantes em KL, não só pelo prazer de uma refeição como também pela oportunidade de melhor apreender a cultura malaia, passa por desfrutar umas horas da sua vida num dos 50 mil postos de comida ambulante existentes na cidade. Com níveis de higiene aceitáveis, os mercados nocturnos constituem uma das atracções de KL, destacando-se os de China Town, os de Kampung Baru (sábados e domingos), os de Bangsar Baru, os do Mercado Central e o admirável bulício dos de Jalan Alor. Altamente recomendável é, para um pequeno-almoço revigorante, o Pasar Baru Bukit Bintang, conhecido pelos mais íntimos apenas como Imbi Market. Mas o que não falta nesta metrópole do sudeste asiático são restaurantes de grande qualidade, para todos os gostos e carteiras.

Pela decoração, pelo serviço, pela qualidade gastronómica e por ser já uma instituição em KL, o Old China Café (www.oldchina,com.my), na 11 Jln Balai Polis, a escassos cinco minutos do mercado de Petaling, surge no topo da lista de preferências, com as suas delícias ao estilo Nonya (Malaca e Penang), entre elas a laksa, uma sopa de leite de coco picante.

Na Starhill Gallery (181 Jalan Bukit Bintang), o espaço onde funcionou até 2011 o fabuloso Mythai Jim Thompson é agora ocupado pelo Royale Vietnam Restaurant, que nada fica a dever ao seu antecessor. Se a decoração é magnificente e o serviço esmerado, a comida é simplesmente soberba e pode ser acompanhada por bons vinhos do Novo Mundo, alguns deles a preços proibitivos.

Ainda mais elegante e num ambiente acolhedor (sala de jantar com uma piscina no meio), o Frangipani, suportado no conceito fusão (com particular ênfase nos pratos franceses), é legitimamente considerado um dos melhores restaurantes de KL. Encerra às segundas-feiras e está situado na 25 Changkat Bukit Bintang. 


Onde dormir

Se, durante a sua visita, privilegiar uma vista sobre as Petronas, o Traders Hotel Kuala Lumpur é a primeira opção, com a garantia de um interior decorado num estilo contemporâneo e preços entre os 90 e os 200 euros. Não deixe de dar uma espreitadela ao Sky Bar, gozando da panorâmica sobre as torres, de uma bebida e da música escolhida por diferentes DJ. Da mesma cadeia mas substancialmente mais caro (entre 90 e 300 euros), o Shangri-la Hotel, na 11 Jalan Sultan Ismail, é um exemplo de opulência oriental, com quartos espaçosos e bem equipados, assim como alguns dos melhores restaurantes da cidade  

Para quem viaja contando os tostões, a Orange Pekoe Guesthouse (onde em tempos funcionou o Trekker Lodge), totalmente renovada, com um grande número de facilidades e fantástica localização (15 minutos a pé das Petronas), na 1-1 Jalan Angsoka, é uma das alternativas a ter em conta, com preços entre os 11 e os 20 euros por pessoa (ligeiramente mais caro ao fim-de-semana), em quartos asseados, com ar condicionado e casa de banho privativa. O ideal, para garantir preços mais em conta, é reservar através de www.orangepekoe.com.my.


Informações

Para visitar a Malásia é necessário apenas um passaporte com validade de seis meses; sendo um país muçulmano, um carimbo de Israel inviabiliza desde logo a entrada em território malaio.

Um ringgit, moeda local, equivale a cerca de 23 cêntimos de um euro mas se a vida é, de uma forma geral, barata, como comida e transportes, as bebidas alcoólicas atingem preços exorbitantes e mais ainda nas zonas mais remotas da Malásia.

A diferença horária entre Portugal e a Malásia é de oito horas.

--%>