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Viagem pelo Israel mundano e cosmopolita

Por Ana Brasil

Nem Jerusalém, nem Via Dolorosa nem Muro das Lamentações: este é um percurso por outro Israel. O de Herodes e de Cesareia Marítima, do Mar Morto, do vinho com chocolate francês, e das noites de Telavive e da sua Avenida Rothschild.

Em Cesareia Marítima, Israel revela-se leve, num tom de azul claro que se confunde com o do céu. Estamos no litoral, a meio caminho entre Telavive e Haifa, e o Mediterrâneo estende-se lânguido e convidativo. Nesta cidade portuária, cujo nome é uma homenagem a César – como aconteceu com várias outras erigidas no tempo dos romanos –, é a figura de Herodes (73 a.C.-4 d.C) que surge como verdadeiramente determinante para a história da região.

À Europa cristã, o nome do rei da Judeia chega como um eco de tempos misteriosos em que a crueldade era a estratégia mais prática, levada a cabo de ânimo leve. É assim que, ao ouvir a primeira referência a Herodes, pensamos de imediato no Massacre dos Inocentes onde, de acordo com o relato da Bíblia, o rei terá ordenado a morte de todos os bebés de sexo masculino em Belém com vista a eliminar Jesus, aquele que o viria a destronar. Pouca coisa para alguém que condenaria à morte uma das suas dez mulheres, supostamente a preferida, e três dos seus 14 filhos para garantir a sua continuidade no trono.

Ainda assim, Herodes – que conduziu o destino da Judeia a partir de de 37 a.C. – foi mais do que um louco disposto a ir até às últimas consequências para ter aquilo que queria. Entre os seus muitos feitos está a construção do maior porto artificial do Mediterrâneo aqui, em Cesareia Marítima, algures entre os anos 25-13 a.C. Apesar de se tratar de um "falso rei", no sentido em que foi nomeado pelos romanos para governar a Judeia, o reinado de Herodes, o Grande é considerado frutuoso e de sucesso por muitos historiadores. E Cesareia Marítima foi fulcral para esse sucesso.

Os mais de dois mil anos de história daquele que foi o maior porto da área oriental do Mediterrâneo tornam-no um museu a céu aberto. Aqui, tanto se pode desfrutar da água quente e areia branca numa das várias praias como ver de perto os muitos artefactos que continuam a florescer, fruto desse passado naútico glorioso, e que compõem o Parque Arqueológico com as suas estátuas romanas e colunas de todos os estilos.

A mais antiga referência à Via Maris surge no Antigo Testamento, mais precisamente no Livro de Isaías. O nome, que da sua forma em latim é usualmente traduzido como O Caminho do Mar, refere-se à rota comercial marítima que ligava os antigos impérios da Anatólia, Síria e Mesopotâmia, passando pelo território que hoje pertence a Israel. A preponderância desta rota, assim como do papel que nela desempenhou Cesareia Marítima, é imprescindível para percebermos a razão pela qual a cidade foi tantas vezes tomada ao longo da história tornando-se território fértil de achados históricos.

E há a tal vista azul sem nuvens que a perturbem a prolongar-se no horizonte. Uma vista de que o próprio rei não prescindiu. Aqui, para além do porto que serviu de entrada à importação de matérias-primas, em especial o mármore, Herodes construiu um palácio no promontório ao lado do mar. As recordações desse passado estão hoje ainda muito visíveis, seja através das ruínas do palácio, cuja planta é desenhada no chão por restos da estrutura principal, seja através da grande piscina a sul do palácio, ao nível do mar que a enchia e quase olímpica em tamanho. Os ricos mosaicos que a decoravam desafiam o passar do tempo com a sua beleza irredutível.

Com o mármore que chegava carregado em navios, Herodes construiu muitos dos locais cujas ruínas fazem de Cesareia Marítima uma das cidades mais visitadas por turistas de Israel. Para além das suas instalações reais, o teatro romano, com capacidade para 4,000 espectadores, e o anfiteatro herodiano testemunham a importância que o entretenimento tinha dentro da cultura romana.

Hoje, a oferta de lazer de Cesareia Marítima mistura o antigo e o moderno. No Teatro Romano, com a sua estrutura secular, ainda há apresentações de peças de teatro e concertos de música. Quando passeamos pelas bancadas, há colunas de música colocadas ao lado de pesados blocos de mármore espalhados em redor, formando um cenário adequado ao concerto de música clássica previsto para essa noite. Na cidade, além do parque arqueológico, podem ver-se um aqueduto romano, museus, galerias de arte, clubes e hotéis modernos, e perto fica um campo de golfe.

Sentados num dos muitos cafés e restaurantes que servem os turistas que visitam Ceasareia Marítima, tomamos o primeiro contacto com a gastronomia local através de um pequeno-almoço faustoso. Não há propriamente uma gastronomia que se possa chamar de israelita. Em vez de ter uma identidade sua, nas mesas de Israel juntam-se as cozinhas de países como a Tunísia, a Turquia, Egipto e Marrocos. Assim, ainda antes do meio-dia, há humus, pão sem fermento, salada turca, couve-flor panada, beringela estufada, salmão fumado e muitos outros pratos servidos em doses onde reina uma generosidade que nos próximos dias passados em Israel perceberemos ser tradição.

Vinho israelita, chocolate francês e o muro
Simon passou 35 anos em Nova Iorque, nos Estados Unidos, antes de regressar definitivamente a Israel. Deixou filhos e netos numa terra que não lhe deixa saudades. Encontramo-los a todos, Simon rodeado pela família em férias, sentados no bar das Caves Tishbi, em Binyamina, onde tal como nós, experimentam a combinação proposta de chocolates Valrhona numa prova de vinhos produzidos pela família Tishbi.

O vinho israelita encontra-se numa estranha encruzilhada. Sendo a sua produção tão antiga quanto a Bíblia, onde há várias referências ao seu consumo, o vinho é um hábito que entrou realmente no quotidiano dos israelitas há uns cinco anos – na noite de Telavive encontraremos muitos grupos de jovens a bebê-lo a par da cerveja. Remontando à Antiguidade, o tempo não elevou o vinho israelita à notoriedade. Que vinhos desta região são referências internacionais? Até termos chegado às caves de Tishibi, não tinhamos nenhuma.

A família Tishbi fundou em 1984 aquela que é actualmente a sexta maior produtora de vinho israelita, com um milhão de garrafas fechadas a cada ano. Mas se a produção de vinho é relativamente recente, o cultivo de vinha data de finais do século XIX. Em jeito de "era uma vez", muitas histórias em Israel começam com um terreno árido que entretanto se transformou em cultivável e, nalguns casos, até fértil. Foi esse o caso de Shefeya, onde Michael e Malka Chamiletzki (um casal de lituanos que depois adoptaria o sobrenome Tishbi) começaram a cultivar vinha, em 1882. Nesta história há até o que poderia ser chamado de fada madrinha. Foi o barão Edmundo de Rothschild quem encomendou a Michael a plantação da primeira vinha moderna em Israel, tornando-se sim no padrinho dos vinhos produzidos naquele país.

A nosso lado, Simon está tão interessado em saber a nossa opinião sobre os diferentes vinhos como em saber mais sobre nós. "De onde são?", pergunta. Portugal não impõe o respeito que esperávamos numa conversa à volta do vinho. Simon, reformado, do alto dos seus 67 anos, não está impressionado. Tentamos outra vez falando do célebre Vinho do Porto. "Demasiado doce", responde num inglês perfeito. "Vocês vão ao outro lado do muro [que separa Israel dos territórios palestinianos da Cisjordânia e Faixa de Gaza]?". A pergunta apanha-nos um pouco de surpresa. "É preciso ir ao outro lado do muro para compreender Israel?". Depois de uma curta pausa, Simon está seguro: "Não. É preciso ir à Síria e ao Egipto para perceber como este país se desenvolveu em 65 anos. É incrível! Sinto-me mais seguro aqui do que em Nova Iorque."

Poucos dias depois do encontro com Simon (em meados de Agosto) nas Caves Tishbi, 25 polícias egípcios foram executados após uma emboscada na península de Sinai, no Egipto. Semanas depois, outro país vizinho faria os destaques da imprensa internacional, a Síria, com a comunidade internacional a discutir a hipótese de uma intervenção militar. Mas ainda assim, Simon, esteja onde estiver, estará a ler as notícias com tranquilidade. Não é a primeira vez que este tipo de episódios violentos sucede nos países que fazem fonteira com Israel nos 65 anos que passaram desde a declaração de independência, em 1948. Viver aqui implica estar em paz com a ideia de que eles existem. E Simon, agora reformado, esperou longos anos para poder aqui estar.

Em Israel, o serviço militar é obrigatório entre os 18 e os 21 anos para ambos os sexos. Daí que seja frequente encontrar soldados de arma em punho nos grandes centros urbanos como Jerusalém e Telavive. Quando em período de descanso, ouvem músicas no iPod, fumam cigarros e viram os bonés para trás, como qualquer puto de 20 anos faria. De maneira geral, sentimo-nos seguros ao atravessar o país – e ao ver que muitos outros de todo o mundo também o fazem.

"O turismo serve como termómetro para um país. Se há problemas, o turista desaparece", defende Efraim Rushansky, que nos serve de guia e tradutor. Com nome hebraico, mas nascido no Brasil, de onde preserva o sotaque e o bom humor, Efraim é um cidadão israelita. Tem 63 anos, dos quais mais de 40 foram passados em Israel, para onde fugiu da ditadura e onde estudou Filosofia e e História. Se a sua teoria estiver certa, Israel é um país seguro. Segundo dados fornecidos pelo Ministério de Turismo de Israel, no ano passado, o país foi visitado por cerca de três milhões e meio de estrangeiros, continuando uma tendência positiva desde 2002. Desse bolo, os turistas portugueses representaram uma fatia de 9522 pessoas.

Segundo dados do Fundo Monetário Internacional, o produto interno bruto per capita de Israel relativo a 2012 foi de 31.296 dólares, o suficiente para o colocar na 26.ª posição na lista dos mais elevados do mundo, a mesma onde Portugal ocupa a 39.ª posição com 20.179 dólares. No Index do Desenvolvimento Humano de 2012 da ONU, o país figura na 16.ª posição, sendo reconhecido como estando na categoria Altamente Desenvolvido.

Jerusalém pode ser a capital de Israel, mas contraria a lógica que associa esse estatuto ao desenvolvimento e poder. Pelo contrário, é a segunda cidade mais pobre do país. "Tem muito religioso e muito árabe", explica Efraim no caminho para Telavive, o paraíso mundano de Israel.

As luzes de Silicon Wadi
A fama de Telavive precede-a, como reza a tradição. Ainda antes de lá chegarmos, falam-nos de uma cidade com uma vida nocturna animada, moderna, pouco religiosa e gay friendly, algo relativamente fora do comum nesta parte do mundo. E ela é tudo isso e muito mais.

A modernidade faz parte do seu ADN ou não fosse Telavive uma cidade fundada desde as bases, corria o ano de 1911. O seu crescimento foi de tal maneira rápido que depressa engoliu a antiga cidade de Jaffa, com que se fundiu, passando a ser apelidada de Telavive-Jaffa em muitos dos guias turísticos.

Se em Jerusalém o fervor é religioso, em Telavive o pulsar é epicurista. Há vida em cada recanto da cidade, onde os mercados vendem de tudo desde as tradicionais frutas e legumes até tabaco contrafeito que chega da Rússia e da Faixa de Gaza a um terço do preço. É Agosto e os termómetros batem nos 40 graus fazendo com que as praias a dois passos do centro da cidade estejam cheias de pessoas.

A relação com o mar é aqui bem cultivada, seja através da construção de infraestruras que servem de apoio aos banhistas, como na recente renovação do porto. O que antes era uma zona abandonada, com o habitual descambar para território de drogas e prostituição é, desde 2002, ponto de encontro incontornável. Seja para um passeio em família no paredão que acompanha o porto ou no parque infantil vizinho, para um copo depois do trabalho num dos muitos cafés e restaurantes ou ainda para arrancar bem o dia com uma visita ao mercado biológico que ali acontece diariamente, o porto de Telavive é íman multifacetado e eficaz. Ao mesmo tempo, é um óptimo exemplo de como muitas das infraestruturas e hábitos dos israelitas de Telavive são recentes. Sentados num dos novos cafés, vendo as pessoas passar de bicicleta, em pleno jogging ou vestidas para uma saída à noite, é surpreendente que este movimento só exista há pouco mais de dez anos.

O crescimento rápido de Telavive não trouxe só coisas boas para a cidade que tem visto o preço da habitação subir em flecha. Quando passamos pela Avenida Rothschild, umas das primeiras e a predilecta da elite, a par da concentração de arquitectura Bauhaus, vemos uma manifestação de jovens acampados no centro da larga avenida. Efraim explica que estão a protestar contra os preços da habitação. "Um apartamento aqui começa em um milhão de dólares e é preciso ficar em lista de espera para comprar".

O desenvolvimento da cidade é um dos grandes motivos para esta pressão demográfica que se tem alimentado também da imigração de outros países árabes, mas sobretudo russa, em busca dos rendimentos elevados que Telavive tem para oferecer. Outrora um importante exportador têxtil, Israel tem assistido à deslocalização das fábricas para a Palestina. Um movimento que se explica pelo facto de o salário mínimo em Israel ser de cerca de 1100 dólares (um pouco acima dos 800 euros) e, do outro lado do muro, ficar-se pelos 250 dólares (à volta de 185 euros). Mão-de-obra barata à distância de uns quilómetros.

A indústria que se concentra em Telavive é de ponta. Depois de Silicon Valley, nos EUA, o Silicon Wadi na planície desta cidade ocupa a segunda posição mundial no que toca à tecnologia. Em 1998, uma empresa israelita chamada Mirabilis desenvolveu o sistema de mensagens instântaneas na Internet, uma tecnologia que foi posteriormente comprada pela americana AOL por quase meio milhão de dólares. A partir de então, muitas foram as empresas start-up que despontaram como cogumelos, alimentadas pela ambição do lucro e pelo apoio do Governo israelita à educação superior e investigação. Factores que também atraíram para aqui gigantes como a IBM, a Intel e a Motorola.

Um dos maiores aranha-céus que irrompem na paisagem urbana de Telavive pertence à Israel Diamond Exchange Ltm, a maior bolsa de diamantes do mundo. Uma empresa privada que fez com que Antuérpia passasse para segundo plano no negócio dos diamantes. Aqui lapida-se, avalia-se e, sobretudo, negoceia-se "os melhores amigos" de Marylin Monroe. É possível ser mais internacional do que Telavive?

À noite, o movimento é perpétuo. Há um rio de gente pela Avenida Rothschild e suas perpendiculares, alimentado pelos muitos estabelecimentos que estão abertos 24 horas por dia. Não são só os bares e discotecas para todos os gostos, mas restaurantes com grandes letreiros luminosos a concorrer com os do vizinho que servem a qualquer hora os turistas e israelitas que saem dos espaços de diversão nocturna. Falafel, shakshouka, shawarma, mas também os comuns hambúrgueres, cachorros quentes, panquecas e afins numa refeição que já tem muito de pequeno-almoço.

Uma manada conduzida pelo deserto
À saída de Massada, já dentro do carro, o guia tornou exacto o calor: 46 graus. Um novo recorde pessoal. "Só um louco viria para aqui com este calor", disse Efraim com um sorriso, sabendo que ele havia sido esse pastor inconsciente que nos havia levado pelas ruínas da fortaleza de Herodes no Deserto da Judeia com o sol no seu expoente máximo. E assim percebemos o porquê de haver tão poucos turistas naquele que o guia tinha explicado ser o local mais visitado de Israel. Como é que isso é possível num país onde a religião é tão preponderante para o turismo?

Segundo a consultora D&B Israel, Efraim não está exactamente correcto, mas também não está errado. Em 2011, o Parque Nacional de Massada subiu até ao primeiro lugar do ranking de sítios turísticos pagos mais visitados em Israel. No ano anterior, recebeu mais de 750 mil turistas, ultrapassando o Jardim Zoológico Bíblico de Jerusalém (718.902 visitantes) e o Parque Nacional de Antiguidades de Cesareia (698.808 visitantes). Aqui, a palavra-chave é "bilhete". É ela que explica que este ranking deixe de fora alguns ex-libris turísticos do país como a Via Dolorosa e o Santo Sepulcro, ambos em Jerusalém, onde a entrada é livre.

"Os visitantes enchem isto pelas oito/nove da manhã", explicou. Já a pequena comitiva de jornalistas portugueses que ele guiava chegou à hora de almoço. Mesmo a tempo de comer num dos restaurantes do pequeno centro comercial, apanhar o teleférico que sobe até ao planalto e sentir na pele o sol do meio-dia no deserto.

Então, o que há de tão especial em Massada? A envolvência, para começar. O cenário do deserto já é por si só apelativo para um europeu e este em particular está recheado de histórias. Lá em cima, a 450 metros de altura, tudo o que se avista é árido, entre montanhas e escarpas e leitos de rios secos. Evoca o Grand Canyon, índios e cowboys, mas estamos num filme muito diferente. Em Masada, uma mini-série realizada por Boris Sagal em 1981 para a ABC, Peter O’Toole desempenha o papel do comandante romano Cornelius Flavius Silva. Ainda que o apelido faça bater mais depressa o coração de qualquer turista português, não há o mínimo indício de ligação do comandante da 10.ª Legião a terras lusas. No ano 73 d.C., Flavius Silva liderou as tropas romanas enviadas à Judeia para eliminar os rebeldes judeus, um grupo de zelotas que se recusava a pagar impostos a um imperador pagão. O embate épico que o filme celebra tem um fim trágico. Reza a história que cerca de 800 zelotas enfrentaram os 5000 romanos sob o comando de Silva a partir de Massada. Terão resistido durante anos tirando partido da complexidade da fortaleza e da sua localização estratégica privilegiada. Mas, quando os romanos conseguiram construir uma rampa e destruir uma das muralhas, a invasão tornou-se inevitável. Na iminência da tomada da fortaleza pelos romanos, os zelotas cometeram suicídio em massa, preferindo morrer a ser escravizados. Massada tornou-se assim simultaneamente símbolo da coragem e determinação do guerreiro judeu e altar que o homenageia.

Mas a história da construção de Massada — que, em hebraico, significa exactamente fortaleza — começa muito antes da Grande Revolta Judaica contra Roma que estalou no ano 66 d.C. Foi Herodes, o Grande o responsável pela sua construção entre 37 e 31 a.C. A cerca de uma hora de carro de Jerusalém, o objectivo da fortificação era servir como refúgio para o rei, em caso de necessidade de fuga, e simultaneamente de palácio de Inverno. Assim, para além das muralhas que rodeiam os limites do planalto, há toda a estrutura de uma cidade equipada com cisternas para água da chuva, banhos, salas de armazenamento e armeiros. Mas a jóia da coroa é mesmo o palácio que Herodes preparou a gosto, no lado norte do planalto. Trata-se de uma construção extremamente luxuosa para a época, erigida sobre a rocha escavada, cuja inclinação acompanha, crescendo na diagonal, em três níveis de terreno, com uma diferença total de altura de 30 metros entre cada um. O rei e a sua família residiam no piso superior, enquanto os restantes estavam reservados a visitas. O deserto funcionou como um protector para Massada, conservando a estrutura que combina elementos da arquitectura grega e romana, e que, em 2001 foi considerada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO.

Conjugação do verbo boiar
Qualquer panfleto turístico de Israel estará incompleto sem uma foto de uma pessoa besuntada com lama do Mar Morto. A cobertura acastanhada é tão célebre quanto os banhos de leite de burra de Cleópatra, no que diz respeito a tratamento de beleza milenares.

Depois de sairmos de Massada, dirigimo-nos até Ein Bokek, um óasis numa das margens do Mar Morto a escassos 17 quilómetros e que, depois dos tais 46 graus de temperatura, se tornou numa espécie de Terra Prometida com todo o alívio de males terrenos associados ao conceito. Ao entrar no aglomerado de prédios que destoa da planície do deserto da Judeia, um enorme símbolo amarelo e vermelho sinaliza à distância um McDonald’s. Rimo-nos por encontrar um elemento tão familiar num sítio tão inesperado, antes de perceber que abundam outras marcas similares numa área tão reduzida. Mais do que num espaço verde, estamos num oásis de consumo que serve os desejos de turistas de todo o mundo. Aliás, Ein Bokek detém o título de possuidor do multibanco instalado num ponto mais baixo do mundo, a 421 metros abaixo da superfície do mar. São o consumo e o Mar Morto que estão na essência de Ein Bokek, interligados num círculo em que umo alimenta o outro.

Ao chegarmos ao Crowne Plaza, um dos muitos hotéis que compõem a oferta deste oásis, percebemos ainda melhor a voracidade do consumo. Direccionada para famílias, esta cadeia hoteleira oferece condições particularmente aliciantes para crianças e pessoas de idade mais avançada. A unidade do Mar Morto não é excepção, com a sua piscina exterior enorme em largura, mas escassa em profundidade, e buffet abundante e variado. Com 420 quartos, tem capacidade para cerca de mil hóspedes, transformando o local numa mini-cidade onde as numerosas famílias árabes estão em destaque.

Da varanda do quarto no 12.º andar, o último, a vista derrete-nos mais do que o calor alguma vez poderia. Nas margens do Mar Morto, o sal confunde-se com a areia em camadas que alternam o bege claro com o branco cristalizado. A paleta cromática continua debaixo de água, onde o sal ganha terreno. Ao fundo, avistamos a Jordânia — e, à noite, veremos as suas luzes. Com o deserto atrás das costas, há uma neblina esbranquiçada que se estende no horizonte e faz com que o azul, e os rosas do pôr-do-sol, sejam cores desmaiadas. É um quadro que embala e impressiona na mesma medida.

O que a vista do quarto faz à alma, a água do Mar Morto reproduz no corpo. Todas as fotografias de pessoas a ler o jornal enquanto boiam dão a imagem certa de descontracção. Não é boa ideia nadar para demasiado longe — imagine ter sal nos olhos a 20 metros da costa —, nem é recomendado a crianças, exactamente pelos mesmos motivos. Estamos no ponto mais baixo da superfície da Terra, a 398 metros abaixo do nível do mar. Um sítio único onde a densidade da água e a pressão atmosférica concedem características particulares à água capazes de auxiliar no tratamento de diversas maleitas. É no Mar Morto que encontramos o Centro Internacional para o Tratamento de Doenças de Pele, em particular da psoríase, mas, de maneira geral, as pessoas procuram na lama que o rodeia algum consolo para a desidratação da pele, um mal bem mais comum e fácil de remediar.

Nunca esquecendo a recomendação de não molhar a cabeça, nem tocar nos olhos, entramos na água sentindo os grandes cristais de sal, às vezes formando blocos compactos, debaixo dos pés. A densidade da água, pesada, torna-se óbvia ao primeiro contacto. Há cadeiras convidativas dispostas na água a pouca profundidade. Experimentamo-las durante pouco tempo, enquanto a água nos ergue as pernas, antes de nos aventurarmos um pouco mais à frente. Boiar. O verbo é aqui conjugado em todas as pessoas do plural e do singular, pondo à prova o domínio do português e do equilíbrio. A força com que a água nos puxa para a superfície faz com que todos os movimentos que se fariam normalmente dentro de outro mar aqui saiam desengonçados. Por isso, não nos mexemos muito. Boiamos. Pensamos em como a sensação se assemelha ao que imaginamos ser a ausência de gravidade. Boiamos. Pensamos em como o espaço deve ser mais ou menos isto. E boiamos mais um pouco.

 

GUIA PRÁTICO

Como ir
Ir para Israel implica pelo menos uma viagem de avião. A Sundor, uma empresa subsidiária da El Al, assegura a ligação directa entre Lisboa e Telavive. Os voos acontecem uma vez por semana, sempre à terça-feira, e duram aproximadamente cinco horas. A ligação aérea está garantida só até ao final de Outubro e os preços dos voos começam nos 428 euros.Via outros pontos da Europa, as tarifas começam nos 290 euros. Os preços indicados não incluem taxas de aeroporto.

 

Onde Comer

Chakra
King George, 41 Jerusalém
Tel.: (+972)-2-6252733
Email: mail@chakra-rest.com
www.chakra-rest.com
Quando em viagem por Israel, Jerusalém será sempre incontornável. Se for uma paragem do seu itinerário, faça questão de fazer uma refeição no Chakra e experimentar a cozinha kosher.

Dr Shakshuka
3 Beit Eshel, Jaffa,
Tel Aviv, 68025
Tel.: (+972) 03-518-6560
Num beco perto do mercado, na parte antiga de Telavive, encontramos um dos restaurantes mais célebres da cidade. Tal como o nome indica, o Dr. Shakshuka é especialista no prato que o indentifica, uma mistura de tomate picante com ovo. Os preços são bastante acessíveis e a cozinha é do mais tradicional que há.

Yulia
Hangar 2
Yordey Hasira 1
Porto de Telavive
Tel.: (+972) 03-5469777
No renovado Porto de Telavive, junto ao passeio marítimo, o Yulia tem uma boa carta de peixe e marisco. A acompanhar com uma cerveja israelita, como a popular Goldstar.

 

Onde Dormir

Mizpe Hayamim Health and Spa Resort
P.O.B. 27
Rosh Pina, 12000
Tel.: (+972) 46994555
Email: sales@mizpe-hayamim.com
www.mizpe-hayamim.com
Situado no norte de Israel, o Mizpe Hayamim é um pequeno jardim do Éden. O jardim interior continua dentro do hotel a vegetação que o rodeia. Na área envolvente, há uma quinta onde os animais e as frutas que serão consumidas no restaurante crescem segundo os mais rígidos parâmetros biológicos. Perfeito para os amantes do verde, do naturismo e da tranquilidade.

Crowne Plaza Dead Sea
Ein Bokek
Mar Morto
Tel.: (+972) 8659 1919
ds_gmsec@crowneplaza-il.com
www.afi-hotels.com/
Se a viagem ao Mar Morto é em família, o Crowne Plaza é o sítio para ir. Enquanto estiver a boiar, há piscina e actividades para manter os miúdos ocupados. O formato buffet, com opções de massas e saladas, é outra garantia de que não vão torcer o nariz à comida do Médio Oriente. 

Onde sair à noite

Nanuchka
Lilienblum, 30, Telavive
Tel.: (+972) 03-5162254
nanuchka30@gmail.com
O bar mais cool de Telavive também é um restaurante de comida georgiana. Quando os jantares acabam, as luzes baixam e o volume sobe. Música dos anos de 1990 e uma decoração alternativa. Obrigatório.

Evita
Yavne Street, 31, Telavive
Tel.: (+972) 03-5669559
www.evita.co.il
O Evita é o mais antigo bar gay da cidade. Está bem localizado, mesmo ao lado da Avenida Rothschild, a principal artéria da cidade, e oferece espectáculos dragqueen/travesti. Ambiente amigável para gays e heteros.

Radio E.P.G.B.
Shadal Street, 7, Tel Aviv
Tel.: (+972) 03-3741187
Um club underground, literalmente. Na cave de um prédio encontrará um ambiente que começa por ser o de um pub, mas depois evolui para o de um bar/discoteca. Entrada a partir dos 21 anos.

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