Fugas - Viagens

  • Ireneu Teixeira
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Nessebar, uma pequena península do tamanho da Humanidade

Por Ireneu Teixeira

Confinada a um promontório rochoso da costa búlgara, Nessebar, na Bulgária, é uma cidade-museu rica, com mais de três milénios de história, valendo-lhe, há 30 anos, o justo epíteto de Património da Humanidade.

As dúvidas eternizam-se-me, tal como o perene azul-cristal do céu eslavo oriental. As interrogações digladiam-se entre a curiosidade e o bom-senso. Explico. Há dias, não muitos, Cristóbal encetou conversa comigo quando, sentado nos degraus graníticos, contemplava o anfiteatro romano da antiga Filipópolis, actual Plovdiv. Restituiu-me à realidade quando a minha mente errava por tempos doutrora, até Filipe II, pai de Alexandre o Grande, ele que fundara esta cidade magnífica nas margens do rio Maritsa, bem antes de Roma e Atenas figurarem no mapa-múndi.

Sou, pois, abordado por uma personagem vivaça, basca de berço e coração, amante das boas coisas da vida, e, de entre elas, automóveis e mulheres — uma simbiose bem masculina! Foi esse, aliás, o motivo que o levara a umbilicar as letras B, de Bilbau e Bulgária.

–“Estive na Madeira em 2011 — que linda! — a assistir ao rali da ilha”, informou-me, com entusiasmo, mal soube da minha nacionalidade.

Recordei-lhe que Cristiano Ronaldo provinha da “pérola do Atlântico”, mas, pasme-se (ou, será, louve-se?), de futebol “nem queria ouvir falar”. Peculiar, de facto, Cristóbal, uma figura literalmente redonda: qual ovo cozido, a cabeça, careca, era adornada por uns óculos ao estilo da Primeira República, que emolduravam uns pequenos olhos azeitona afundados em escuras órbitas. Ia visitar a namorada que conhecera na internet e fizera de Plovdiv um apeadeiro antes de (re)conhecer a nova conquista e, juntos, prosseguirem para a soalheira Sunny Beach, no Mar Negro. Acenou-me, energicamente, com feéricas noites e excessos a rodos. Repliquei, numa tentativa hercúlea de lhe explicar que era movido por outros propósitos, menos mundanos e mais... diurnos. Franziu o sobrolho, mirou-me com desconfiança, antes do desabafo que está na génese das minhas hesitações.

– “Já percebi tudo, tens cara de Nessebar...”, soltou, nas franjas do desdém, para acentuar uma nota que, para ele, era importante: “Fica bem ao lado de Sunny Beach”.

Garanti-lhe que iria repensar um percurso que, por hábito, não contempla burgos catalogados como turísticos. Porém, o facto de Nessebar ser a única localidade búlgara distinguida pela UNESCO como Património da Humanidade era uma prerrogativa tentadora, à qual não resisti. Fiz-me, então, à estrada, alterando o programa rumo ao mar interior que separa a Europa Oriental da Ásia Ocidental. Entre as ligações possíveis, autocarro, carro ou comboio, optei pela primeira, numa jornada que consumiu menos de três horas da minha existência, percorrendo paisagens agrestes e vinícolas, torradas por um sol inclemente.

Elegi Burgas como base operacional para repor energias e, pela alvorada, alcançar o destino sugerido pelo amigo basco de ocasião. A cidade costeira é circundada por três lagos — Vaya (também conhecido pelo lago de Burgas), Atanaskovsko e o Mandrensko. Não sendo arrebatadora, porém, a ampla baía proporciona fins de tarde prazenteiros. Na linha do horizonte, enquanto o Sol se afoga no imenso manto líquido, a luz resiste. Transitório, o silêncio impõe-se sobre um cenário entretanto sonegado pela negritude da noite.

Rosas ao vento

Desperto com a claridade a inundar-me o espartano refúgio nocturno, aninhado num chalet familiar que já viveu a sua época dourada. O jardim implantado à beira-mar suaviza qualquer desconforto. Tratadas as formalidades, alcanço Nessebar em menos de nada. Pouso, enfim, os olhos na pérola do Mar Negro, que se divide em duas partes bem distintas.

A nova, que é espaçosa, moderna, plástica e sensaborona; e a vetusta, apelativa, histórica e monumental, no tamanho certo, a pedido de boca. Uma ponte-carreiro artificial vincula o hodierno ao antigo, entre a metade que desconsidero e a ex-ilha divinizada que se tornou península, agora ao alcance de todos os homens.

A meio caminho da passadeira de asfalto, protegida por muros graníticos, sinto-me atraído por um vigilante desmedido, colossal, de braços escancarados. A inusitada sensação remete-me para as personagens concebidas por Cervantes. Parece-me ouvir D. Quixote sussurrar perigo ao amigo Sancho Pança.

– “Que gigante?”, inquiriu Sancho Pança.

– “Aquele que vês ali, com grandes braços”, respondeu-lhe o amo; “Alguns há que os têm de quase duas léguas”. Com certeza não eram gigantes que o cavaleiro da triste figura mostrava ao seu fiel escudeiro Sancho Pança, era um moinho de vento.

Este, diante de mim, afigura-se como uma obra-prima do período revivalista da arquitectura búlgara que floresceu entre os séculos XVII e XIX. Fotogénico, o bom gigante parou no tempo e as pás só já servem como ornamento. Deixo o istmo para trás, alcançando o imenso e ondulado paredão de pedra e tijolo, qual pijama às riscas cinza-rubro esbatido; sinto-me como um guerreiro disposto a invadir um reduto que abrigou os principais povos da Antiguidade. As muralhas semidestruídas e reconstruídas vezes sem fim, não impedem que, actualmente, sejam assaltadas por... rosas, em perfumadas boas-vindas aos visitantes.

Tímida, amiúde severa, a brisa impregna o ar com o aroma da popular flor, cultivada massivamente no Vale das Rosas. As bancas de comércio, que proliferam como cogumelos, fazem as delícias dos órgãos sensoriais: creme, perfume, óleo, sabonete, chá e

ou até compota de rosas. O denominador é comum — a rosa; e nem falta a célebre pantera para delícia dos petizes.

Museu ao ar livre

O âmago da cidade velha assemelha-se a uma labiríntica rede de artérias empedradas, repletas de um frenesim bombeado a partir do coração postado entre as igrejas em honra a Cristo Patocrator e a São João Baptista. É à porta do primeiro templo cristão, de acesso à galeria de arte, que memorizo os primeiros ensinamentos, debitados por um guia-estudante que acompanha dois jovens casais.

– “Encontramo-nos no lugar mais sagrado da cidade velha. A imagem de Cristo Pantocrator é a que predomina no primeiro milénio. Criador de todas as coisas, omnipotente, Cristo senta-se num trono em pose imperial, com o Livro da Lei na mão esquerda. Situa-se em locais altos de onde tudo vê: nas cúpulas, por cima das portas, na abside cuja face foi pintada baseada no rosto do Santo Sudário de Turim.”

Delgadas, as ruas são atapetadas com paralelepípedos graníticos, ao jeito da velha Lusitânia, enquanto a base das casas e os muros das propriedades estão assentes em pedras toscas, extraídas à península marcadamente rochosa. Degusto, com delongas, a atmosfera medieval ainda que maculada por um enxame de turistas de passagem, consumista e retratista de ocasião. Percorro todos os recantos deste valioso museu ao ar livre, sem paredes ou tectos, perscrutando pedaços de segredos e histórias que tenham ficado soltas, na esperança de virem a ser catalogadas. Nessebar é um tesouro histórico, justamente decretado como cidade-museu, em 1956.

Refastelado num cadeirão de verga à porta da soleira do pequeno, mas chique, hotel, ao estilo tradicional ou renascentista, bem presente em cidades como Plovdiv, Lazar remexe o lustroso bigode enrolado nos cantos, antes de me enunciar alguns dos méritos do lugar.

– “Agora, devido ao grande número de igrejas bem preservadas, especialmente a partir do período entre os séculos XIII e XIV, a cidade é chamada pelos especialistas de Ravenna ou de Dubrovnik búlgara. Durante quase toda a sua história, Nessebar foi a sede de um bispado”, acrescentou, como bónus por ter demonstrado genuína curiosidade pela história do lugar.

A cidade velha é um autêntico paraíso para os amantes da arqueologia, antropologia e outras ciências sociais e humanas. O campo de estudo circunscreve-se à área total da península: apenas 850 metros de comprimento por 350 de largura. Dá que pensar como cabem aqui 36 reservas histórico-culturais e nove mil anos de história escrita por todos os povos da Antiguidade.

– “Sabia que os objectos de ouro mais antigos da Europa foram encontrados aqui?”

Não, mas não me surpreende que sim. Lazar estima tanto uma boa conversa como uns breves ensinamentos de História. Arguto, com a cantilena arrebatou um hóspede imprevisto. Fiquei satisfeito por ter excedido o orçamento estimado para as pernoitas porque há conversas que, de facto, valem... ouro.

No início era Mesêmbria

A cidade antiga de Nessebar é um exemplo ímpar de uma teia de acontecimentos históricos, comportando elementos de diversos períodos da Humanidade. Dentro das muralhas, são ainda muitos os vestígios da presença de numerosas civilizações que se encantaram pela localização privilegiada da antiga ilha, localidade de fronteira, de localização estratégica. A estrutura urbana contém elementos que vão desde o segundo milénio antes de Cristo, passando pela antiguidade e pelo mundo medieval.

Datada do século III e IV da nossa era, Nessebar é a cidade mais antiga no Sudeste europeu, sendo um local continuamente habitado desde tempos remotos. Sabe-se que a metrópole foi construída no lugar de um antigo assentamento trácio, de nome Mesembria. Segundo reza o meu guia de algibeira, os primeiros colonizadores gregos, de origem Dorian, aportaram na então ilha no final do século VI a.C. — de acordo com Heródoto, a cidade já existia em 513 a.C. O povoado cresceu rapidamente, transformando-se numa típica polis grega. Aos poucos, a cidade foi cercada por uma muralha maciça (chega ao seis metros de largura), e foram construídos bairros residenciais, templos, um ginásio e um teatro. Inúmeros ofícios foram desenvolvidos — especialmente tratamento de metais. Mesembria começou a cunhar as suas próprias moedas na primeira metade do século V a.C.

Complementei a informação escrita com uma visita, indispensável e imperdível, ao museu arqueológico de Nessebar. O espaço divide-se em quatro salas que acompanham o desenvolvimento da cidade através dos diferentes períodos históricos.

Fiquei a saber que depois dos Trácios e dos Gregos, chegaram os romanos, em 71 a.C. Após uma ocupação temporária no início do século I, foi permanentemente incluída nos limites do Império Romano. Messemvria, como começou a ser chamada, manteve intactas as suas muralhas bem como os grandes edifícios públicos. A morte de Teodósio, em 395, provocou o cisma com o Império Romano. Mesembria caiu no domínio bizantino, tornando-se num dos redutos mais importantes do Império do Oriente, e objecto de lutas entre gregos e búlgaros. Depois de se transferir a capital do império romano para Constantinopla, e aceitando o cristianismo como religião oficial, foram criadas as condições propícias para o renascimento das cidades do Mar Negro, com Nessebar à cabeça. Ergueram-se novos templos cristãos, muros de fortificação e novo sistema de abastecimento de água da cidade. A principal igreja de Messemvria foi chamada de Santa (Hagia) Sofia, tal como em Constantinopla.

Em 812, a cidade seria incluída no império búlgaro, e, mais tarde, nos séculos XII e XIII, desenvolveria relações comerciais activas com o Mediterrâneo, terras do Adriático e com os reinos do Norte do Danúbio.

A cidade desempenhou um papel importante na história política da Bulgária e Bizâncio quando o trono era ocupado pelos czares búlgaros: Kaloyan, Ivan Asen II e Constantino Tih. Após um período de cerca de 40 anos de dominação bizantina, Nessebar volta a ser incorporada no Estado búlgaro, em 1304, pelo czar Todor Svetoslav. Teve novo fulgor durante a governação do czar Ivan Alexander, altura em que se construiu, entre outras, a igreja de Cristo Pantocrator. De acordo com alguns escritos, a pequena ilha de Nessebar chegou a ter 40 igrejas, hoje a península conta com 23.

Em 1366, a cidade foi conquistada pelos cavaleiros do Conde Amedei VI, de Sabóia, e mais tarde entregue ao imperador bizantino. A cidade caiu completamente sob o domínio otomano, juntamente com a capital Constantinopla, em 1453. A dominação turca coincidiu com o declínio de Nessebar, mas não diminuiu o património monumental, enriquecido a partir do século XIX por inúmeras casas no estilo de Plovdiv. Esta arquitectura vernacular garante coesão de um tecido urbano de alta qualidade.

Romance na Antiguidade

Não ouvi o toque para o intervalo, mas a torrente informativa esgotou a capacidade de recolha de dados do meu disco rígido, pelo que dou por terminada a aula de História. Esforço-me, por conseguinte, em desaferrolhar a porta da máquina do tempo, mas a mente teima em flutuar por aventuras de antanho enquanto calcorreio as calçadas gastas pelo uso dos vários povos que por aqui passaram.

Embriagado pelo aroma rosal procedente das inúmeras bancas que proliferam pelas ruas e vielas, pouso o olhar em vários casais ternurentos, uns a solo, outros com descendentes acondicionados em apetrechados veículos de tracção braçal. Vive-se um romance colectivo à beira de um mar matizado de todas as tonalidades, menos o negro que lhe confere reputação. O local transmite uma sensação de relaxamento e tranquilidade, mesmo se apinhado de veraneantes. Idílico, o cenário insere-se entre históricas mansões de pedra e madeira escura e Pontus Eximus, antiga designação do Mar Negro.

Os bancos de jardim postados defronte do porto antigo estão lotados de casalinhos, enquanto, cá em cima, na praça central, subsiste o espírito do antigo mercado com uma profusão de vendedores ambulantes, comercializando todo o tipo de obras de arte e lembranças turísticas, com o croché a rivalizar com os produtos de rosas.

Ao acaso, enveredo pela primeira ladeira que vislumbro, no intuito de alcançar as margens deste lago imenso. Sou acompanhado por um velho marujo reformado, que se esforça por partilhar, calculo eu, desventuras doutrora, porém, a conversa luso-búlgara não chega a bom porto. Mas, nós, sim. Podia chamar-se Santiago; todo ele parecia saído da ficção de Hemingway em O Velho e o Mar. Os grossos dedos feridos poderiam ter resultado da luta feroz com o gigante espadarte; as pernas arqueadas seriam o desfecho de anos de intensa fauna.

Desconheço, apenas sei que o estômago clama por atenção. Espreito por cima do ombro, voltando-me em direcção à miríade de casas de repasto que se encavalitam colina acima, retendo a atenção numa feliz coincidência: o restaurante chama-se... Hemingway. Não hesito. A candura do lugar sensibiliza-me. Uma vela alumia a mesa, com a luz tremular a evidenciar as curvas da minha companhia. Chama-se Telish, e no rótulo, em cirílico, só percebo que é colheita de 2009.

Culpa é dos comunistas

Sou despertado pelo pipiar das gaivotas, num alvoroço matinal incitado pela chegada dos tradicionais barcos de pesca. O som estridente das aves importuna os meus neurónios ainda de molho em álcool. Pese frutado e refrescante, o vinho branco de véspera zangou-se com a enzima, e logo no dia que dedicara a espreitar a vizinha Slanchev Bryag, que se espraia no outro lado da baía. Um nome estranho que se torna imediatamente familiar se dissermos que se trata da electrizante Sunny Beach.

Sou transportado num comboio turístico, repleto de cabeças louras e peles vermelhas, tisnadas pelo astro-rei. A meu lado, um par na casa dos muitos “entas”, ele recorda uma viagem efectuada no século passado.

– “Estive cá em 1983 com um grupo de médicos de todo o mundo. Participámos num congresso em Burgas e, depois, trouxeram-nos até aqui e pouco ou nada havia para ver, a não ser a cidade velha. Vivia-se apenas da agricultura, especialmente vitivinícola, do linho e da pesca.”

A curiosidade da data levou-me a querer interferir no monólogo, porque foi no final desse ano, nos primórdios de Dezembro, que a velha Nessebar foi listada como Património da Humanidade da UNESCO — há precisamente 30 anos.

A bisbilhotice é interrompida pelo fim da curta viagem. Pensava eu estar no centro da animação, mas, afinal, faltava percorrer longos e fastidiosos quatro quilómetros por entre a selva de pedra hoteleira e lojas de (más) recordações. Depreendo que a esta hora matinal, oitenta por cento da população sazonal, composta sobretudo por miúdos ávidos de emoções fortes, esteja remetida a um dos 800 hotéis da região, a livrar-se de fadigas nocturnas. Mas nem sempre foi assim, bem pelo contrário.

Na longilínea avenida principal, paralela à linha da praia, um vendedor de bugigangas, e de jornais ingleses, alemães e russos, relatou-me como era a vida no tempo da ditadura. O comércio com os turistas tornou Branimir num mestre poliglota, pelo que em inglês lá nos entendemos.

– “Aqui só havia mato e alguma agricultura. Naquele tempo vivíamos da venda do peixe e de negócios esporádicos. O meu pai contava-me que, nos anos 60, só os militantes e convidados do partido comunista podiam ficar aqui alojados, em busca de banhos minerais naturais. Alguns eram búlgaros, mas a maioria vinha da ex-URSS.”

Breve resenha histórica. Foi sob o jugo do líder do partido comunista búlgaro, Todor Zhivkov, que se iniciou a construção do complexo balnear de Slanchev Bryag, em finais de 1958. Com a sua destituição em 1987, após 27 longos anos de ditadura, a região começou a figurar no mapa do turismo internacional.

– “Hoje há dez vezes mais turistas do que há 20 anos”, acrescentou Branimir, embrulhado numa t-shirt florida, de gosto duvidoso.

As mil e uma noites

O clima mediterrânico é a explicação para uma colmeia humana que vai ganhando vida e forma à medida que o dia se espreguiça do torpor estival. Basta recorrer às últimas estatísticas para se entender o porquê desta vila-praia se ter transformado numa Meca europeia do entretenimento. A zona compreendida entre Nessebar e Saint (Sveti) Vlas, onde fica precisamente Sunny Beach, foi visitada por mais de um milhão de turistas, a larga maioria nos meses de Verão. As ilhas Britânicas são os maiores fornecedores, secundados pelos escandinavos, alemães, russos e ucranianos.

Sem apresentar créditos de cartão-postal caribenho, ainda assim a praia de bandeira azul ostenta bons argumentos: oito quilómetros de comprimento e entre 30 a 60 metros de largura, coberta de areia dourada e dunas naturais. As águas são transparentes e tépidas, entre os 20 e os 26 graus, e tem duas vezes menos sal do que a água do Mar Mediterrâneo. Por tudo isto, Sunny Beach coze-se com superlativos, desde as 300 mil camas lotadas na época alta aos milhares de clubes, bares, restaurantes e pubs que infestam aquela que é uma pacata aldeia nos meses de Inverno.

Alisto-me na congregação da preguiça colectiva e, qual lagarto ao Sol, espreguiço-me por entre milhares de corpos caiados por loções que conspurcam a camada do ozono e as minhas narinas. Alheio-me do bulício mergulhando no romance histórico Under the Yoke, sob a pena do pai da literatura búlgara, Ivan Vazov. O movimento independentista búlgaro crescia contra a ocupação otomana, Vazov estava na linha da frente da rebelião, mas quando as coisas começam a complicar-se para os revolucionários, sinto uma mão húmida no meu ombro desnudado. Desvio o olhar em direcção ao céu, e não evito uma gargalhada.

— “Eu sabia que iria encontrar-te por aqui. Não há como resistir ao chamamento de Sunny Beach”.

Acompanhado por um monumento feminino de pernas sem fim, Cristóbal não cabia em si de tanta felicidade. Apresentada a sua conquista cibernáutica, afinal a Anna “qualquer-coisa-ova”—, era sérvia que trabalhava na Bulgária, o basco parecia entusiasmado com a minha presença.

— “Esta noite vens connosco ao Cacao Beach. Hoje há uma festa com um DJ que veio propositadamente de Inglaterra. Vai ser diversão até cair para o lado”, acrescentou em espanhol para não sensibilizar a parceira.

Expliquei-lhe que tinha de regressar a Nessebar, porque deixara uma conversa a meio com um tal de Ivan Vazov. Ainda assim fiquei de lhe dar uma resposta...

__________

Guia prático

COMO IR

Nessebar é servida por dois aeroportos internacionais: o de Burgas, a uma hora de viagem por estrada, e o de Varna, a cerca do dobro. Se porventura o seu destino for Sunny Beach, não deixe de visitar a histórica cidade-museu, acessível por todos os meios de transporte possíveis: barco, carro, autocarro, táxi, comboio turístico, bicicleta e, até, a pé. Na época alta, várias companhias low-cost voam para o Mar Negro, mas nenhuma a partir de Portugal, pelo que o mais cómodo, e barato, para os viajantes independentes, será apanhar um voo para a capital Sófia e dali fazer escala para a região ou prosseguir por estrada, numa viagem de pouco mais de 400 quilómetros.

QUANDO IR

Independentemente da data, o importante é ir, ainda que na época alta possa complementar a magia do lugar com uma ida a banhos. Os Verões em Nessebar são quentes, ensolarados e secos, com temperaturas, em média, a fixarem-se entre os 25 e os 30 graus celsius. Mais frescas, as noites tendem a ser escaldantes, e caóticas, na vizinha Sunny Beach. Os Invernos são mais leves do que no interior do país e a neve nem sempre é um freguês fiel. No Outono, tal como as folhas, o romance anda no ar.

O QUE FAZER

Deixar-se levar pelos sentidos é a melhor das jornadas. Não perca o museu arqueológico de Nessebar nem uma incursão às igrejas e galerias de arte da península. Se for dado a aventuras ao ar livre, dispõe de uma extensa lista de actividades desportivas, a maior parte proporcionada pelos hotéis e pelas inúmeras agências de viagens, sediadas na parte nova da cidade. Existem todas as modalidades desportivas aquáticas, a operar principalmente em Sunny Beach, complementadas com passeios a cavalo, aliás uma óptima maneira de vivenciar a praia depois do Sol se recolher e com ele arrastar a multidão que passou o dia a torrar na praia. Para além disso, alguns dos melhores (e maiores) parques aquáticos, pistas de karts e, até, de gelo real, com 300 m2, ficam na região.

O QUE COMER

Já se sabe que o turismo de massas não rima com boa relação preço-qualidade, a não ser que se dê ao trabalho de indagar junto dos autóctones. Ainda assim, peixe e marisco são quase sempre bem confeccionados e conseguem-se a preços aceitáveis. Para quem é apreciador de gaspacho, pode deliciar-se com a tarator, uma sopa fria feita a partir de uma mistura de iogurte búlgaro, semelhante ao grego, pepino, funcho, nozes esmagadas e especiarias. As regiões rurais são pródigas em vegetais, pelo que as saladas ocupam um lugar central na culinária tradicional. A Shopska é a salada mais popular, mas existem outras a não perder. Anote: Shepherds, Harvest, Monk’s, Dobrudzha, entre outras. A grande parte dos pratos típicos são assados — salsichas, almôndegas, bifes, kebab — e muitos dos quais servidos em potes de barro, ensopados em molhos repletos de especiarias. Apesar de não serem especialidade da região, experimente, se houver, Chomlek, Kavarma, Kapama ou Cheverme. Para acompanhar os pratos, a Kamenitza é a cerveja nacional e a Burgasko é a local, ainda que de sabor duvidoso. Devido ao clima mediterrânico e às características do solo na região, há uma variedade de castas que devem ser degustadas: Dimyat, Mavrud, Red Misket, Ruby e Pamid. Se preferir algo mais forte, incendeie-se com o Rakia, um licor que pode ser à base de uvas, ameixas, pêssegos, figos, pêras ou de... rosas.

ONDE FICAR

Se optar pela parte antiga de Nessebar, terá de eleger entre pequenos hotéis familiares, casas de hóspedes ou apartamentos equipados com todas as exigências contemporâneas, uns com vista para o mar, outros paredes-meias com ruínas romanas — a minha opção. Exemplos: Boutique Hotel St. Stefan ou o Nessebar Royal Palace. Na zona nova ou em Sunny Beach a oferta é quase infinita, desde despretensiosas pensões a faustosos hotéis de cinco estrelas com sistema de tudo incluído. 

INFORMAÇÕES

Se reservou hotel dentro da cidade antiga, terá acesso gratuito ao parque de estacionamento junto ao porto, à esquerda, logo após atravessar o istmo. Informe-se junto do hotel acerca dos procedimentos. Dentro das muralhas, as ruas são estreitas e empedradas, dificultando o acesso a cadeiras de rodas ou a carrinhos de bebé que não tenham rodas de borracha mole. Às 18h00, horário a confirmar, existem visitas guiadas, e gratuitas, pelos principais pontos turísticos da cidade velha. Fora das muralhas, e para além do fandango de Sunny Beach, há várias possibilidades de passeio. A aldeia de Aheloy ficou famosa pela sangrenta batalha (em 917) entre o czar búlgaro Simeon e o imperador bizantino Leão Foka, resultando em cerca de 160 mil mortos. Igualmente a Sul de Nessebar, Ravda é outra aldeia costeira, com uma praia agradável e ambiente tranquilo. Aos pés das montanhas balcânicas e onde termina Sunny Beach, a vila de Saveti Vlas é outro destino turístico, afamado pelo seu porto de embarcações de luxo.

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