Fugas - Viagens

  • Uma das imagens de marca da Bahia: a igreja do Senhor do Bonfim
    Uma das imagens de marca da Bahia: a igreja do Senhor do Bonfim Enric Vives-Rubio
  • As fitas do Senhor do Bonfim cobrem os gradeamentos em torno da igreja
    As fitas do Senhor do Bonfim cobrem os gradeamentos em torno da igreja Enric Vives-Rubio
  • Mal nos aproximamos da igreja, há logo alguém que nos tenta pôr uma fita da promessa no pulso
    Mal nos aproximamos da igreja, há logo alguém que nos tenta pôr uma fita da promessa no pulso Enric Vives-Rubio
  • Os devotos na igreja do Bonfim
    Os devotos na igreja do Bonfim Enric Vives-Rubio
  • A igreja do Bonfim tem uma zona recheada de ex-votos e promessas
    A igreja do Bonfim tem uma zona recheada de ex-votos e promessas Enric Vives-Rubio
  • O bairro do Pelourinho, o centro histórico de Salvador
    O bairro do Pelourinho, o centro histórico de Salvador Enric Vives-Rubio
  • A zona do Pelourinho é Património da Humanidade para a Unesco
    A zona do Pelourinho é Património da Humanidade para a Unesco Enric Vives-Rubio
  • O farol na praia de Itapoã, junto à casa de Vinicius de Moraes
    O farol na praia de Itapoã, junto à casa de Vinicius de Moraes Enric Vives-Rubio
  • A vista da Casa da Torre de Garcia D'Ávila, a edificação portuguesa mais antiga ainda de pé no Brasil
    A vista da Casa da Torre de Garcia D'Ávila, a edificação portuguesa mais antiga ainda de pé no Brasil Enric Vives-Rubio
  • Uma figueira-brava centenária, ou gambeira, junto à Casa da Torre
    Uma figueira-brava centenária, ou gambeira, junto à Casa da Torre Enric Vives-Rubio
  • Debaixo da gambeira realizam-se casamentos e festas
    Debaixo da gambeira realizam-se casamentos e festas Enric Vives-Rubio
  • Enric Vives-Rubio
  • A Casa da Torre de Garcia D'Ávila
    A Casa da Torre de Garcia D'Ávila Enric Vives-Rubio
  • Uma nascente na Reserva da Sapiranga, a 50 kms de Salvador
    Uma nascente na Reserva da Sapiranga, a 50 kms de Salvador Enric Vives-Rubio
  • Reserva da Sapiranga
    Reserva da Sapiranga Enric Vives-Rubio
  • A víbora asiática chamada Tapioca, resgatada pela reserva
    A víbora asiática chamada Tapioca, resgatada pela reserva Enric Vives-Rubio
  • Centro Educativo da Reserva da Sapiranga
    Centro Educativo da Reserva da Sapiranga Enric Vives-Rubio
  • Esqueleto de tartaruga exposto no Centro de Visitantes do Projecto Tamar
    Esqueleto de tartaruga exposto no Centro de Visitantes do Projecto Tamar Enric Vives-Rubio
  • Centro de Visitantes do Projecto Tamar, na Praia do Forte
    Centro de Visitantes do Projecto Tamar, na Praia do Forte Enric Vives-Rubio
  • Centro de Visitantes do Projecto Tamar, na Praia do Forte
    Centro de Visitantes do Projecto Tamar, na Praia do Forte Enric Vives-Rubio
  • Um tubarão no Centro de Visitantes do Projecto Tamar
    Um tubarão no Centro de Visitantes do Projecto Tamar Enric Vives-Rubio
  • Uma das tartarugas do Centro de Visitantes do Projecto Tamar
    Uma das tartarugas do Centro de Visitantes do Projecto Tamar Enric Vives-Rubio
  • Centro de Visitantes do Projecto Tamar, na Praia do Forte
    Centro de Visitantes do Projecto Tamar, na Praia do Forte Enric Vives-Rubio
  • Centro de Visitantes do Projecto Tamar, na Praia do Forte
    Centro de Visitantes do Projecto Tamar, na Praia do Forte Enric Vives-Rubio
  • O antigo porto da vila da Praia do Forte
    O antigo porto da vila da Praia do Forte Enric Vives-Rubio
  • No porto da Praia do Forte, onde também se recupera após um mergulho ou ida à pesca
    No porto da Praia do Forte, onde também se recupera após um mergulho ou ida à pesca Enric Vives-Rubio
  • Porto da Praia do Forte
    Porto da Praia do Forte Enric Vives-Rubio
  • A vila da Praia do Forte está reurbanizada, mas por trás da rua principal, a vida continua como dantes
    A vila da Praia do Forte está reurbanizada, mas por trás da rua principal, a vida continua como dantes Enric Vives-Rubio
  • Ricardo e os amigos no ferry boat que liga Itaparica a Salvador
    Ricardo e os amigos no ferry boat que liga Itaparica a Salvador Enric Vives-Rubio
  • A vila de Itaparica, um dos calmos centros populacionais da ilha
    A vila de Itaparica, um dos calmos centros populacionais da ilha Enric Vives-Rubio
  • Itaparica é a terra natal e cenário de alguns dos mais importantes livros de João Ubaldo Ribeiro
    Itaparica é a terra natal e cenário de alguns dos mais importantes livros de João Ubaldo Ribeiro Enric Vives-Rubio
  • A praia da vila de Itaparica
    A praia da vila de Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Enric Vives-Rubio
  • Enric Vives-Rubio
  • Vista da lagoa do Club Med Itaparica
    Vista da lagoa do Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • O coqueiral do Club Med Itaparica
    O coqueiral do Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Club Med Itaparica
    Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Um dos quartos Club Superior do Club Med Itaparica
    Um dos quartos Club Superior do Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Club Med Itaparica
    Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Club Med Itaparica
    Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Club Med Itaparica
    Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Club Med Itaparica
    Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Club Med Itaparica
    Club Med Itaparica Enric Vives-Rubio
  • Praia quatro do Morro de São Paulo
    Praia quatro do Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • O deleite no Morro de São Paulo
    O deleite no Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • Uma das praias iniciais do Morro de São Paulo
    Uma das praias iniciais do Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • Enric Vives-Rubio
  • Morro de São Paulo
    Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • Os taxistas do Morro de São Paulo
    Os taxistas do Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • Igreja do Morro de São Paulo
    Igreja do Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • Enric Vives-Rubio
  • As crianças a caminho de casa no Morro de São Paulo
    As crianças a caminho de casa no Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • O guia João Carlos depois de um dia no Morro de São Paulo
    O guia João Carlos depois de um dia no Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • No Brasil joga-se à bola - aqui, no Morro de São Paulo seja
    No Brasil joga-se à bola - aqui, no Morro de São Paulo seja Enric Vives-Rubio
  • O cais à saída do Morro de São Paulo
    O cais à saída do Morro de São Paulo Enric Vives-Rubio
  • Fim de dia e fim da viagem na Bahia
    Fim de dia e fim da viagem na Bahia Enric Vives-Rubio

O Brasil na Bahia, tropical ilustrado

Por Joana Amaral Cardoso

Em pleno Inverno europeu, o tempo quente é mais do que uma vontade: é uma necessidade. À procura de doses de calor, em português com sotaque baiano, passamos em revista a ilha de Itaparica, ao largo de Salvador, e damos um pulo ao Morro de São Paulo.

Este é o ferry de sábado à noite: um barco que é uma festa, uma dança na brisa marítima morna entre amigos, famílias, vendedores e turistas com o volume no máximo que saem de Salvador da Bahia rumo à ilha de Itaparica. A multidão faz a sua própria canção — a interpretação baiana do que é ser brasileiro. “Aqui na Bahia é mais fácil morrer por mexer com a mulher dos outros do que com tráfico ou assalto”, diz Ricardo, 41 anos, tronco nu e copo cheio. “E mesmo assim, baiano é tão relaxado que às vezes até deixa passar.” E vai mais um golo de cerveja e mais um abraço de sorriso rasgado aos amigos.

O filho de Ricardo aparece e pendura-se-lhe numa perna, a mãe telefona-lhe, depois é a sogra ao telemóvel, a mulher está-lhe tatuada nas costas mas também sentada num banco a umas filas de distância. Vamos todos para Itaparica — Ricardo, a família, os jornalistas com estadia marcada no Club Med na ilha onde, lemos nos jornais e nas crónicas, muitos baianos sonham ter um cantinho só para si. Ricardo e os seus dois amigos, ainda mais acalorados e embebidos em cerveja gelada, são um pólo de histórias, certezas baianas e festa, em pé porque assim é mais fácil rir e refrescar junto a uma das saídas do ferry boat. Nos próximos fins-de-semana, este barco que sai a cada hora de Salvador ou de Itaparica ficará cada vez mais cheio, cada vez mais festivo, até transbordar a 31 de Dezembro e mais ainda na altura do Carnaval de Salvador, rival do carioca e “mais democrático” segundo os três amigos sem camiseta — porque aqui, camisola é camisa de dormir, e rimo-nos nas costumeiras trocas de galhardetes entre o português de Portugal e o português do Brasil, sem acordos ortográficos para nos servir de barreira polémica.

Todos a bordo, portanto, do barco que liga a capital do estado mais negro do Brasil a uma ilha que é uma das muitas versões do que é o paraíso no Brasil. Ricardo e os amigos reiteram o que o mundo já ouviu mil vezes, que o brasileiro “sabe viver”. Apanham o ferry vindos já do interior do estado da Bahia para vir a Itaparica no fim-de-semana, aproveitando os dias para comer e beber e ver as praias estreitas orladas por coqueiros e beijadas por um mar calmo e morno. De outra forma, ou vinham por terra, dando uma grande volta à Baía de Todos os Santos, ou apanhavam lanchas rápidas só para peões.

No Club Med de Itaparica, admite-se que a delonga de uma hora por mar mais transporte automóvel entre Salvador e a Village rodeada de condomínios e plantada sobre uma lagoa é um obstáculo (que, no caso da simbologia do Club Med, significa que este é umresort tridente – o número de braços do tridente equipara-se à tradicional classificação por estrelas). Mas uma vez lá, é “uma clínica de relaxamento”, diz Marcelo, um GO — o gentil organizador, que ajuda os GM, os gentis membros, e trabalha com os GE, os gentis empregados, numa comunidade onde também ele vive, rodeado de hóspedes com t-shirts com iconografia do clube que fincam o sentimento de pertença.

Um microuniverso com vista para Salvador de onde se sai com palavras-lema a rodopiar na cabeça — “energia”, “desinibição”, “humanização” —, onde se montam pequenos espectáculos todas as noites, se baloiça nos trampolins e trapézios, se anda a cavalo, se joga ténis, se come com os hóspedes — com os GM, perdão —, se dança com eles, se fica amigo deles. Quando os mais de 300 quartos deste resort estão lotados, esta é uma verdadeira aldeia, apenas cruzada pelos habitantes das ilhas pela praia (não há praias privadas no Brasil, e ainda bem), onde se pode comprar artesanato e saídas de praia sob os coqueiros e dançar com ou sem coreografia, com ou sem companhia trazida de casa, porque esta filosofia deresort é de que em cada GO há um amigo. Nem que seja temporário.

Inferno com amor

Vínhamos de uma visita relâmpago a Salvador, metrópole buliçosa, e desaguámos em Itaparica, uma ilha que parece, sonolenta, ter soçobrado perante a presença eterna do calor. E não há nada de errado com esta imagem: uma espreguiçadeira mergulhada no mar tépido, o rumor dos coqueiros a crepitar ao ritmo da brisa. Mas quando levantamos os olhos, depois da barreira de rocha e coral, parte dos Recifes das Pinaúnas, surge a silhueta de uma cidade. Podia ser Chicago ou Nova Iorque. Arranha-céus em vez de pelourinhos, baianas e fitas do Bonfim? O imprevisto desorganiza o arranjo de um dia, como já disse o escritor Rentes de Carvalho, mas há desarranjos que vêm por bem, porque ali está Salvador como o contraponto moderno a esta ilha dentro de uma ilha, a esta aldeia com vista de tropical ilustrado em que os burros nos entregam as roupas de cama e as iguanas nos pedem flores para petiscar.

Em pleno Club Med, pensa-se assim na viagem ao conhecido centro histórico de Salvador, o bairro do Pelourinho feito de casas de bonecas à portuguesa em torno da praça onde se açoitavam os escravos, temperado pelo cheiro do acarajé. As mulheres que só se vestem de baiana para fritar e vender esses pastéis de feijão e inevitável óleo de dendém nas praças policiadas, os turistas e a varanda onde se pode tirar uma fotografia com um Michael Jackson cartonado, tudo isto é Salvador e tudo isto está rodeado pelo Brasil. Pelas pessoas, pelo trânsito, pela dificuldade, pelos edifícios descarnados e que estão para lá da orla do bairro histórico classificado pela UNESCO. Mais junto ao mar, raparigas e rapazes namoram na Barra, berço do tropicalismo, ou saem à noite em Rio Vermelho, um bairro de esplanadas, cerveja, churrasco e “balada”. Lá em cima, na igreja basílica do senhor do Bonfim, devotos choram de braços abertos ajoelhados frente ao altar; por seu lado, os turistas fotografam tudo enquanto são enrolados nas coloridas fitas que há duas décadas se massificaram como uma das imagens da Bahia.

Essas fitas estão por todo o lado. Nos pulsos, mas também nos brindes e puxadores dos roupeiros dos hotéis — como no Club Med Itaparica —, nos espelhos dos carros, nos porta-chaves e, claro, não fosse Brasil e um Verão sem fim nesta zona perto do Equador, pendurados nos biquínis. É a lembrança que enfeita as grades das janelas e da cerca do santuário do Bonfim, onde a vista é ampla. Mas Itaparica está longe da cidade do Carnaval, da capoeira e do candomblé. Para Ricardo, naquele barco ruidoso cheio de brasilidade, Salvador, o centro espiritual do Brasil e a sua primeira cidade colonial, “é um inferno”. Bem enfatizado em cada sílaba, cada uma entregue ao trânsito, às multidões dos cerca de 2,8 milhões de habitantes, a que se juntam, em todo o estado, 11 milhões de turistas — dos quais só 558 mil são estrangeiros (números de 2011, do Turismo da Bahia). Mas é o seu inferno, a sua cidade natal. A ênfase no “inferrrrrno” tem, como no Samba da Benção, de Vinicius de Moraes, um pouco de amor na cadência. “Baiano orgulhoso, sempre. Adoro meu estado, minha cidade, não sairia daqui por nada. Baiano gosta de curtir a vida”, repete.

Aqui, na ilha onde em 1991 o New York Times encontrou “uma aldeia piscatória portuguesa a milhares de quilómetros de Portugal”, o Club Med instalou o seu resort com lagoa, coqueiral de 33 hectares e mais de 300 quartos baptizados com expressões ou locais em 1979. Para Ricardo, óculos embaciados do calor humano e atmosférico, nestes últimos anos a ilha e a vila homónima mudaram muito, não só pelos resorts, mas pelo dinheiro e complicações adjacentes que o turismo traz. Nos últimos anos, há mais gente, mais hotéis, diz. Mas a vila de Itaparica parece discordar de Ricardo e pôr-nos outra vez em 1991. Ou antes.

Por momentos deixamos de pensar global — ou seja, em Jorge Amado, talvez o baiano cujo apelido é mais adequado à forma como é venerado pelo seu estado — para pensar local. Esta é a terra de João Ubaldo Ribeiro, que gritou Viva o Povo Brasileiro!, que identificou O Sorriso do Lagarto, cujo humor a tratar as suas raízes em Itaparica é um dos seus traços mais reconhecidos. No centro há um mural com as suas capas, um café encimado pelos títulos de alguns dos seus livros, mas o bairro não terá mudado assim tanto desde essa visita dos gringos do Times — é o que nos dizem nas ruas, e o que nos dizem as ruas num dia pardacento, com apenas um punhado de pessoas à vista.

O mesmo acontece noutra investida pela ilha que nos acolheu. Já se sabe que o Brasil é um país de contrastes e que tanto há praias de folheto turístico quanto favelas, que há uma classe média em crescimento e ainda há muitos pés descalços. Baiacu é um pontinho nos mil quilómetros de costa e 56 ilhas desta Bahia onde muita da mistura do que hoje é o Brasil foi feita. É uma povoação piscatória a meio da costa norte da ilha e uma amostra que confunde.

Aqui, pesca-se de piroga e navega-se de smart phone. Casas feitas de taipa e adobe, velhos que adormecem nas poucas sombras, ruas despidas de gente pelo calor, estradas com crateras e casas que tentaram pôr maquilhagem no rosto mas que ainda estão tropicalmente despenteadas, à espera que o dinheiro venha tapar-lhe os segredos de tijolo e plástico. Junto ao mar, arranjam-se pitingas (peixes muito, muito pequenos), brinca-se com os cães e observam-se os forasteiros de pulseira no braço. Subimos a estrada e três miúdos brincam com os seus telemóveis tecnologicamente espertos. Mais acima, dois rapazes puxam de um portátil e de um netbook e empoleiram-se à soleira de uma dessas casas descuidadas a mexericar no teclado. Alguma coisa mudou, no individual. Pensando global, talvez não.

Tommy cerveja

Dias depois, com a ilha de Itaparica firmemente sob os pés e um Club Med que nos diz bom dia a cada passo na sua aldeia internacional em plena Bahia, o guia e professor João Carlos Guimarães explica-nos “o jeito brasileiro de ser”. Vamos a isto, porque se há uma verdade é que cada brasileiro orgulhoso tem a sua versão da história, o seu mito fundador do que é a “brasilidade”.

“Deus trabalhou seis dias e ao sétimo descansou”, começa João Carlos, 64 primaveras de histórias e alguns mistérios, pele morena curtida pelo sol e pelo desprezo pela ditadura que o fez emigrar quase 15 anos. Voltou e voltamos com ele ao deus das pequenas grandes coisas e seus planos para o Brasil. “Depois, ao ver seus resultados, ficou contente e quis comemorar. Espalhou os minerais mais preciosos, estendeu um tapete verde para cobri-los, criou um céu azul anil e fez o Brasil e a festa — e nós ainda não terminámos”, ri-se com o corpo todo. Outra verdade sobre os brasileiros: amam o seu país tanto quanto odeiam o que é feito dele. “Corrupção”, cospem as bocas de quem conversa.

João Carlos, que nos leva de Itaparica ao Morro de São Paulo, outra ilha e mais um paraíso na Baía de Todos os Santos, vive galvanizado pelo país que o irrita por tudo apostar num Mundial de Futebol que faz estádios mas não escolas e hospitais, que tem suborno, tráfico, crime. Mas “aqui não tem vaca louca, porque a vaca não estressa — é só ver essa paisagem”, remata outra vez a rir, rodeados que estamos de colinas verdes e vacas que pastam entre coqueiros e dendezeiros. Cruzamos postais ilustrados de um rural tropical numa ilha que é suficientemente grande para o gado, para os resorts como aquele que nos acolhe (e que emprega algumas dezenas de itaparicanos), para a pobreza remediada, para as crianças brincarem nas ruas com os seus uniformes escolares e para os trabalhadores viajarem nas estradas de camioneta ou mesmo na caixa aberta de pesados que despejam pessoas como toneladas de terra.

Se o Brasil é uma celebração em forma de país, então o estado da Bahia é o anfitrião das suas festas na praia. Em torno de Itaparica, há, a diferentes distâncias, mundos e fundos. Sair do resort-aldeia, quando o mais fácil seria trocar o mundo lá fora por uma pulseira que nos dá de comer e beber, significa poder explorar a ilha, mas também a icónica e caótica Salvador ou os longos areais do Morro de São Paulo. Vamos.

Com a ajuda de João Carlos e da lancha Ventura, atravessamos 1h30 entre camioneta e água através dos mangues para chegarmos ao arquipélago de Tinharé. E chegados ao Morro de São Paulo aprendemos logo que os táxis são amarelos. Carregam-se as malas nos carrinhos de mão pela ladeira do porto até à vila pedonal, explora-se a rua do comércio, faz-se mergulho, faz-se paddle surf, ou não se faz nada. Uma t-shirt que replica o logótipo da marca americana Tommy Hilfiger resume a coisa: Tommy Cerveja.

Redescoberto há um punhado de anos pelos jovens boémios brasileiros, o Morro de São Paulo era uma vila piscatória que agora parece irmãmente distribuída entre turistas brasileiros, alguns estrangeiros e as crianças que saem da escola junto ao porto, os homens e mulheres que trabalham no turismo ou no mar, as ladeiras verdes e as praias de um turquesa irresistível. Praias e gentes que celebram o Brasil e o mundo: definitivamente, um tropical ilustrado. O sol está quente? Na praia quatro (a primeira é piscatória, a segunda é curta e a terceira é a dos bares, chuveiros e música ao vivo, com mais água fria dada pelo recorte do coral), a natureza dá o refúgio, porque a praia é bordada a coqueiros e árvores do caju que se agacham sobre a areia e criam nichos para beber água de coco, cervejas, trincar pastéis ou simplesmente ler e dormir.

Alex entra na água e pergunta, como todos nestas povoações da Bahia que a Fugas visitou: “Tudo bem?”. “Tudo.” “Também se não estivesse, aqui ficava,” decreta risonho, cidadão do que considera o “paraíso de deus”. Uma série de pequenas pousadas e um par de hotéis junto ao mar numa ponta, o porto e seus táxis amarelos (e alguns verdes, vermelhos ou azuis, vá) do outro, as crianças que jogam à bola descalças, alguns hostels e muito chinelo no pé — quase tudo isto está no mapa do Morro de São Paulo distribuído à chegada, que não tem pruridos em garantir que é mesmo “o mapa do paraíso”.

Por enquanto, e embora em Dezembro e Janeiro deva ficar lotado, o Morro de São Paulo está ainda longe da pequena invasão que sofreu, por exemplo, a Praia do Forte. A estatística diz que Salvador é o principal destino dos turistas na Bahia, brasileiros ou estrangeiros; na lista dos mais visitados, se Itaparica nem surge na lista e garante espaço para a toalha dos próximos viajantes, o Morro de São Paulo recebe apenas 1,4% dos estrangeiros e 3,4% dos brasileiros.

Os números são uma coisa importante para o professor Ivan Dória e sua mulher, Nádia. Arqueólogos, estão umas boas dezenas de quilómetros a norte do Morro de São Paulo e do seu local de trabalho vêem a praia. Mas ao longe. Estão na Costa dos Coqueiros, enquanto que o Morro fica no seguimento da Costa do Dendém, e a Praia do Forte, o centro turístico da zona, vê-se do que resta das janelas da Casa da Torre (ou Castelo Garcia d’Ávila), a construção mais antiga que resiste no Brasil e que data de 1551. É portuguesa e Ivan Dória conhece-a desde os 14 anos. Hoje tem 66 e não hesita em dizer que “daqui partiu o sentimento de brasilidade”, apesar de Porto Seguro ter sido considerado o local da fundação do Brasil.

Porquê? Entramos no que terá sido a capela, ou a torre que dá nome ao edificado e, sob um punhado de morcegos pendurados nas abóbadas frescas, explica: “Esta foi a primeira sociedade formada pela colonização” que deixou lastro. Garcia d’Ávila trouxe família, havia portugueses, catequistas jesuítas, índios integrados e outros chacinados. Depois viriam os escravos de África. “Quem explorou o nordeste brasileiro foi a família Garcia d’Ávila. Chegaram a ter 800 mil km2 de terras, 10% do Brasil. Daqui até ao Maranhão”, frisa. Quando era adolescente e visitou a construção que se dedicaria a estudar e escavar, ainda a casa tinha portas de jacarandá e grades nas janelas. Agora, além da ruína, o que salta à vista é uma gameleira, ou figueira-brava, com mais de cem anos. À tarde, aos pés da árvore (sagrada para o candomblé, como nos explicam repetidamente), vai haver casamento. Mais uma festa.


GUIA PRÁTICO

Onde dormir

A disponibilidade em Dezembro no Club Med Itaparica já é escassa, devido à época alta no Brasil — coincide com o início das férias de Verão e de Natal e final do ano. Estadias para Janeiro/Fevereiro de 2014 a partir de 1979€ por adulto para sete noites de alojamento em quarto Club Superior, voos ida e volta pela TAP Lisboa/Salvador com taxas de aeroporto, transferes ida e volta do aeroporto de Salvador até ao Club Med Itaparica. Regime tudo incluído (refeições, bebidas, desportos e actividades, além de acesso ao Mini Club Med e Junior Club Med dos 4 aos 17 anos). Estadia gratuita para crianças até aos seis anos.

A hora de chegada a Salvador é importante, visto que a travessia de barco para Itaparica só se realiza até às 23h. Para chegadas ao aeroporto após as 22h, é necessário passar uma noite em Salvador — o Club Med pode tratar dessa noite de alojamento, ou pode optar por conhecer a capital do estado da Bahia fazendo mais do que uma noite na cidade antes de seguir para Itaparica.

Club Med Itaparica
Estrada Bom Despacho, Km 13, Nazaré/Conceição
Vera Cruz, Bahia CEP.44 470-000
Tel.: +55 71 9 36 81 88 00. Fax: +55 71 9 36 81 88 01
reservas.br@clubmed.com
www.clubmed.com.br/cm/estadia-itaparica-brasil


Onde comer

Em Salvador da Bahia, além de provar o incontornável acarajé que se vende nas ruas e em cada esquina (e também no Morro de São Paulo ou em Itaparica, cada um baptizado com o nome da baiana que o confecciona), descobrirá que os pastéis de legumes, frango ou carnes são também impossíveis de ignorar. Como a moqueca, ou a carne de sol, um prato servido com abóbora, alguns enchidos e sempre com a farofa ao lado. E tudo com muito óleo de dendê (ou óleo de palma), coisa para consumir com alguma moderação. Mas férias são férias. Um bom sítio para provar tudo numa mesma refeição e em regimebuffet é o restaurante escola do SENAC, um braço culinário do instituto de formação profissional brasileiro. O preço, em pleno Pelourinho e para uma selecção de 40 pratos e 12 sobremesas, é de 30 reais por cabeça, o que ao câmbio actual fica pouco mais de dez euros.

Restaurante Senac-Pelourinho
Largo do Pelourinho, 13, Salvador 40026-280
Tel.: +55 071 3321 5502
www.ba.senac.br/restaurantes/buffet_tipico

De segunda a domingo das 11h30 às 15h30

Na Vila de Praia do Forte, um dos pólos turísticos mais desenvolvidos da Bahia — diz quem a conhecia há um punhado de anos que está irreconhecível, com os seus arruamentos amadeirados e lojas de marcas até ao porto —, a chef Tereza Paim usa peixes da região para as suas moquecas e assina a sua versão da cozinha baiana. Provaram-se os pastéis e a moqueca, bem como o pudim de tapioca quente com calda de espumante e gengibre gelado, e recomendam-se. Preços por refeição entre os 76 e os 100 reais.
Avenida ACM, sem número. Tel. : +55 71 3676-1754. www.terreirobahia.com.br. www.terezapaim.com.br

O que fazer

A partir do Club Med podem fazer-se excursões para Salvador, pela ilha de Itaparica e até ao Morro de São Paulo, com preços variáveis conforme o número de viajantes.

Na zona da Praia do Forte, pode visitar-se a Fundação Garcia D’Ávila e a Casa do Forte (www.fgd.org.br/o_castelo),  bem como a Reserva de Sapiranga e o Projecto Floresta Sustentável (www.florestasustentavel.org.br), onde é possível participar em visitas guiadas por uma das sete trilhas activas por 543 hectares de mata atlântica, nas margens dos rios Pojuca e Sapiranga — que, em tupi, a língua dos indígenas do Brasil, significa “olhos vermelhos de água”. Cerca de 15 mil visitantes passam pela reserva todos os anos e a entrada custa dez reais (cerca de 3,5 euros). Na Vila de Praia do Forte está o Centro de Visitantes do Projecto Tamar, aberto para visitas diariamente na época baixa das 9h às 17h e das 8h30 às 18h30 no Verão brasileiro. Nascido em 1980, visa proteger as tartarugas marinhas que têm aquela costa como local de desova e que a actividade humana pôs em perigo. Além de visitas guiadas, é possível ver de perto algumas tartarugas, tubarões e outros animais marinhos.

Av. Farol Garcia D’Ávila, sem número.  Praia do Forte. Tel. :+55 71 3676 0321. www.projetotamar.org.br

--%>