Fugas - Viagens

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Trinidad, a perolazinha cubana

Por Sousa Ribeiro

Fundada há 500 anos, Trinidad permanece congelada no seu esplendor de antanho, fiel à herança da sua arquitectura colonial, vivendo a sua vida numa indolência que contagia, em silêncio, certa da sua história feita de riqueza e resignada ao seu presente remediado, na fronteira ténue da pobreza e desconhecendo o futuro.

Não queria ver ninguém, nem falar, nem ouvir. Precisava de solidão e silêncio. Cheguei no domingo ao meio-dia. Deixei o saco num canto. Enfiei os calções e umas chinelas de borracha. Saí. A praia fica trinta metros atrás de casa. Comprei uma garrafa de rum num quiosque, caminhei um pouco pela areia e sentei-me à sombra de uns pinheiros. Gente a mais. Barulho a mais, música, crianças, todos a soltar energia.»

— Señor, señor.

Ergui a cabeça, coloquei o marcador na página e vi, recortando-se no azul do céu, quase um metro acima dos meus olhos, um rosto transtornado, a habitual expressão de quem se apresta para nos dar uma má notícia.

— Peço desculpa por importuná-lo mas o meu filho foi mordido e tem um vermelhão na pele. Não terá, por acaso, alguma pomada que lhe possa ser útil?

Educadamente, levantei-me e, fitando a senhora que parecia envergonhada da sua existência, estendi-lhe uma garrafa de água, desculpando-me por nada mais poder fazer para a retirar daquela tristeza em que parecia mergulhada.

— Muchas gracias, muchas gracias. Es muy amable de su parte.

Já sentado, fiquei a ver a mulher afastar-se na direcção da água, ao encontro do filho, num caminhar vagaroso, movendo as ancas como se carregasse pedras nos bolsos. A areia escaldava sob os meus pés, fiz uma tentativa para voltar à leitura de Carne de Cão mas os cubanos não me queriam na companhia de Pedro Juan Gutiérrez.

— Quieres ron?

Eram seis, três homens e três mulheres, corpos bem bronzeados e todos eles bem preenchidos de carnes. Dois alemães, brancos como a cal, não tardaram a juntar-se ao grupo. Um bolero ecoa no ar.

— Sabes aquela do…

— Conta, conta.

E o homem, já a rir, começa a contar a anedota:

Diz a criança: papá, papá, vieram perguntar esta manhã se aqui vendiam um burro. E tu que lhes disseste, questiona o pai. Disse que não estavas.

As gargalhadas e o rum misturam-se, o humor cubano em toda a sua plenitude, enquanto as ondas beijam suavemente a areia, deixando uma camada de espuma que logo se dissolve. A tarde avança sem pressa, é sábado, os sons festivos a esvoaçar na Praia de Ancón. Agora é a vez dela, chama-se Kenya, como tantas outras mulheres em Cuba, como se a geografia caminhasse em múltiplas pernas.

— Tu sabes, Pepe, começo a acreditar que Adão e Eva eram cubanos. Como assim, pergunta ele. Porque não tinham roupa, andavam descalços, não lhes deixavam comer maçãs e continuavam a dizer-lhes que viviam no paraíso.


Discoteca numa gruta

Ouvia uma voz que soava distante e, ao mesmo tempo, uma música que me parecia familiar. Adormecera e acordava agora, com a cabeça pesada do rum, tendo à minha frente um vulto. A mãe, acompanhada da criança, tapava o disco laranja que se afundava no mar.

Sarandonga y nos vamos a comer
Sarandonga un chiricuchiri
Sarandonga en el alto del puerto
Sarandonga yn ñame com bacalao
Sarandonga
Que mañana es domingo
Oyelo cantar Sarangonga

A uns metros de distância, o grupo, já sem os alemães, mantinha a festa intacta, cantando, dançando e rindo, uma tendência em crescendo que apenas não era acompanhada pelo rum das garrafas.

— Desculpe incomodar novamente.

O filho apertava-lhe a mão esquerda.

Sarangonga ay ay ay
Sarangonga ay ay ay

Compay Segundo remete-se ao silêncio. Ela prossegue.

— Queria apenas agradecer-lhe a água. Ele está bem melhor, como pode ver.

A criança mostrou-me o braço, com uma ténue mancha rosada, como se eu fosse um médico num hospital a céu aberto.

— E gostava de o convidar para jantar amanhã em nossa casa. É uma casa humilde mas seria um grande prazer para nós, para mim, para o meu marido e para o meu filho, se o senhor aceitasse o convite. Aqui tem a morada, é fácil de encontrar.

A tarde esvai-se, os dois abandonam a praia, Kenya e o namorado aproximam-se.

— Então, está combinado?

A memória afogara-se em rum.

— Já não te lembras? Logo à noite, na gruta. Esperamos por ti.

O olhar vagueia por aquela enorme extensão de areia, cinco quilómetros de baía que a corrente do oceano foi formando ao longo dos séculos e onde vão despontando empreendimentos turísticos com vista para as águas azuis, um luxo e uma excentricidade que contrastam com a humildade daqueles que, aos fins-de-semana, contam os tostões para pagar o transporte até Ancón e de volta a Trinidad, logo que o sol se põe e o rum se esgota em garrafas que, como os bolsos, parecem estar furadas.

A noite cai sobre a cidade, as luzes tremulam, as crianças brincam nas ruas, os mais velhos sentam-se em cadeiras de espaldar oblíquo, balançando para trás e para a frente, ora pousando os olhos na televisão, ora nos transeuntes, numa indolência que tudo contagia à sua volta, vivendo um tempo que não é deste tempo. Uma menina, com umas bochechas bem redondas, dança na rua, acompanhando o som que vem do interior da casa.

— Como danças bem, digo-lhe eu.

— Gracias, responde ela, com um sorriso meigo.

O pai, ouvindo vozes, preenche agora a moldura da porta e não demora dois minutos a convidar-me para entrar, enchendo um pequeno copo de rum que faço subir, brindando a ele e à mulher.

— Tio, bailas comigo?

Com a promessa de voltar, uns dias depois, trazendo comigo uma garrafa, despeço-me e, durante alguns minutos, enquanto vou vencendo a subida íngreme, pelo mesmo caminho que leva à Ermita de Nuestra Señora de la Candelaria de la Popa, parte de um antigo hospital militar espanhol, ainda escuto a música que sai daquela casa simples mas de gente tão hospitaleira, dando tudo o que pode dar, que é quase nada se exceptuarmos o sorriso, a simpatia, o humor, a energia positiva.

Os corpos estão banhados em suor, as luzes de múltiplas cores incidem sobre a multidão, o som da música leva-me a olhar o tecto da gruta que abriga a Disco Ayala e a desconfiar da sua capacidade para suportar aquela potência. Ao fundo, perto do bar, avisto Kenya e os amigos. A geografia também percorre os caminhos nocturnos, como os morcegos, mas com mais vontade de viver e de beber.

— Salud!
— Salud!


Verdadeira pérola

Através da janela redonda, o quadro que se me apresenta, ao início de uma manhã radiosa, pincelado de matizes que vão do amarelo ao ocre, do pastel ao rosa, do verde ao azul, com os telhados uniformes encimados pela proeminente torre do Convento de São Francisco, dominando a silhueta de Trinidad, revela a clara inspiração de Diego Velázquez quando, há 500 anos, fundou aquele que é, nos dias de hoje, um dos centros urbanos mais característicos e melhor conservados das ilhas caribenhas, um extraordinário hino à infinita beleza arquitectónica colonial.

Villa de la Santíssima Trinidad, como era designada nos seus primórdios, a cidade foi uma das sete originalmente fundadas pelo conquistador e primeiro governador de Cuba, uma decisão assente num potencial de riqueza que os anos seguintes haveriam de confirmar, superando mesmo as expectativas iniciais.

Os índios tainos, nativos do lugar, perscrutando o brilho do ouro, exploravam já nessa altura as areias auríferas dos rios, um argumento forte que, apoiado na proximidade do mar, rapidamente convenceu os espanhóis a instalarem-se, alimentando o sonho de um rápido enriquecimento. Quando, uns anos mais tarde, o filão se esgotou, os colonos dedicaram-se então à criação de gado e à plantação de tabaco e de açúcar, tendo este último produto, a par do contrabando de escravos provenientes da Jamaica, proporcionado a Trinidad uma época de esplendor que se prolongou entre os séculos XVII e XVIII.

A meio da tarde, sob um céu que ameaça abrir a sua cortina, vagueio por territórios impregnados de silêncio e de história. Desde o campanário da Hacienda Iznaga e, antes, desde o Mirador de la Loma, observo, contemplativo, como um turista diante de uma tela, o mar de vales que se estende à minha frente, não de ondas mas de canas-de-açúcar que uma suave brisa faz ondular sob a vigilância apertada da pitoresca Serra del Escambray. À minha frente, esplendoroso mas órfão de um passado rico, estende-se o Valle de los Ingenios, respirando uma melancolia nostálgica de um tempo em que agitava os mercados mundiais do açúcar.

Numa era de prosperidade, beneficiando de um clima suave, da fertilidade do solo e da localização do porto, que facilitava o comércio com as restantes ilhas das Caraíbas, Trinidad atingiu um tal patamar de riqueza que ainda hoje, ao ser recordado por todos aqueles que se interessam pela sua história, em dois ou três dedos de conversa espontânea num qualquer alpendre de casas aristocráticas ou simplesmente na rua, se ouvem suspiros que rasgam a quietude desta cidade dormente. Enquanto o Valle de los Ingenios, também conhecido como Valle de San Luis, se enchia de açúcar, de moinhos de cana ou engenhos açucareiros — daí o nome —, a cidade resplandecia, efervescente, enriquecendo do dia para a noite, da noite para o dia. Trinidad vivia o seu período dourado, os ricos fazendeiros construíam as suas mansões ao redor da Plaza Mayor, o coração desta jóia colonial, e decoravam-nas de forma sumptuosa, com móveis franceses, porcelanas de Limoges, prata oriunda do México e pianos da Alemanha.

Ainda hoje, tantos anos depois, pouco ou nada parece ter mudado nestas ruas onde apenas as pedras e as casas, umas bem conservadas, outras transmitindo uma imagem de desolação e abandono, são testemunhas de um passado glorioso. Mas, ontem, tal como hoje, todas as ruas convergem num único sentido, para a magnificente Plaza Mayor, com as suas fachadas em tons de pastel e os seus jardins protegidos por um rectângulo em ferro pintado de branco, da cor dos bancos, feitos do mesmo material e sempre receptivos à indolência dos seus habitantes, muitas vezes de olhar triste, como se procurassem neste espaço a herança de um tempo vivido pelos seus antepassados. Se, durante o dia, a inclemência do sol os convida a ficar por casa ou a entregarem-se às tarefas quotidianas, à noite, mal o crepúsculo confere outras tonalidades à cidade, num inigualável entardecer dourado, os trinitários, com o seu passo vagaroso, acercam-se dela e entregam-se a tertúlias que apenas se esgotam quando o cansaço os vence, levando-os de volta às casas que mantêm as portas abertas até nelas se instalar um sono colectivo.


O princípio do fim

Um coco-táxi rasga a calçada e três idosos, de cabelos grisalhos, sorriso instalado no rosto, sugerem uma avidez de conversa que, sem dificuldade, me convence a fazer-lhes companhia. A curta distância, uma velhinha, com a sua cara cheia de rugas e uma expressão dócil, fita-nos de quando em quando e, mais para diante, duas crianças erguem os seus tacos de beisebol com a improvisação que é uma marca da identidade, embora forçada, do povo cubano. Ainda mais para lá, dois carros, um amarelo e um azul, estacionados defronte das casas como se há muito integrassem a decoração urbana, fazem os meus companheiros sentirem-se jovens.

— Vasco Gonçalves?

É impressionante, num país fechado ao mundo a sete chaves, o elevado nível cultural das suas gentes. Falam-me de Angola, de política, de literatura, do passado, do presente e do futuro, lançando olhares não vá o Fidel tecê-las.

Património Mundial da UNESCO desde 1988, «Jóia de Arquitectura Colonial» para o ditador Fulgencio Batista em 1950 e «Monumento Histórico» para o próprio Fidel Castro desde 1965, Trinidad iniciou o seu declínio inexorável quando, na passagem do século XIX para o século XX, perdeu importância face ao aumento da produção de beterraba na Europa, o desenvolvimento do porto de Cienfuegos e a abolição da escravatura. Para agravar a situação, as duas guerras de independência debastaram de forma dramática as plantações de açúcar, um dos símbolos e fonte de riqueza durante a época do colonialismo espanhol, transportando Trinidad para um esquecimento e um adormecimento que somente a sua beleza arquitectónica foi capaz de despertar.

Se Cuba é a pérola das Caraíbas, Trinidad é a perolazinha de Cuba e, a despeito do abandono a que foi votada, permanece, talvez por isso, agora que as obras de restauro são uma realidade cada vez mais visível, como a cidade mais encantadora de um país tão difícil de compreender, mas, para todos os efeitos, uma urbe que vive ao ritmo de há cem anos. Só na parte velha, com as suas torres barrocas das velhas igrejas, existem mais de mil edifícios construídos entre os séculos XVIII e XIX, muitos deles, excepção feita a alguns à volta da Plaza Mayor, acolhendo museus. Um homem, montando um cavalo, de charuto na boca e chapéu de abas largas, cruza a praça depois de passar por um caleidoscópio de mil janelas e outras tantas cores, os cascos do animal martelando sobre as pedras gastas pelo tempo. Projectando-se no meio de tudo, embora modesta, pontifica a Igreja Paroquial da Santíssima Trinidad e, não muito distante, o Palácio Brunet que é, desde 1974, o Museu Romântico, com um conjunto de salas decoradas com móveis do século XIX. Em Trinidad, o turista pode sofrer do síndroma de Stendhal mas os olhares, percorrendo tranquilamente as artérias, não sofrem de qualquer ansiedade, pelo contrário, assimilam a estética urbanística como um convite a prosseguir, viajando por aqueles tons que olham como se o seduzissem, como uma poesia sem papel e sem tinta.

Pelo meio da penumbra, caminhando sem ver, às apalpadelas, mas feliz entre as trevas, chego à porta da casa que, supostamente, corresponde à direcção que me fora dada, na véspera, na Praia de Ancón. O silêncio, submisso perante a lua cheia, acompanha-me. Espero um minuto, talvez menos, até que surge o rosto, bem mais sorridente, da mulher que, por duas vezes, perturbara a minha solidão.

— É uma casa de gente pobre mas é a casa de alguém que se sente feliz por recebê-lo. Bem-vindo.

Os minúsculos copos enchem-se de rum, a atmosfera fica repleta de vida, não obstante a luz desmaiada que pouco ou nada ilumina, como se a morte estivesse presente. A mesa, coberta com uma toalha de plástico, tem duas velas a iluminá-la, conferindo-lhe um ambiente romântico. A bebida aquece as almas e liberta as palavras. A um canto, um jornal com as folhas amarelecidas, uma edição especial dedicada a Che Guevara, muito antiga; ao lado, um pequeno caderno, os produtos da mercearia a que um cubano, por direito, tem acesso, antes da chegada em massa da economia de mercado. Um quilo disto, um litro daquilo, mais um quilo daquele outro, umas gramas para aqui, mais umas gramas para acolá, uma visão que, embora escondendo as manigâncias do mercado negro, envergonha o mais tímido dos consumistas desta Europa velha e envelhecida.

— Eles entram pelas casas das pessoas e perguntam: qual é o seu salário? O pobre, sem perceber o alcance da questão, responde, honestamente. E eles, insensíveis aos sacrifícios, ignorando o significado da palavra solidariedade, voltam a perguntar: e como é que, trazendo para casa esse dinheiro, tão pouco, consegue comprar um frigorífico? E, então, sem mais nem menos, carregam-no naquelas mãos sem calos.

O homem, com uma expressão bondosa, enche de novo o copo. Eu guardo a minha garrafa de rum, dentro de um saco, à espera do tempo certo que, em Cuba, nunca se sabe quando chega ou quando parte. A mulher regressa da cozinha, sempre sorridente, carregando uma travessa de moros e cristianos (receita típica cubana, composta de arroz e feijão, por vezes servida com banana frita), acompanhada de umas costeletas de porco. O marido, de ombros descaídos na diagonal, como alguém que, em diferentes dias, carrega mais peso num do que no outro, não se detém, sem piedade pelos políticos, sem esperança no futuro que é hoje.

— As vacas andam a pastar, os cubanos não podem comer carne de vaca, é para o leite, para as crianças. Da mesma forma que os paladares, os restaurantes particulares, não podem comercializar marisco, esse é um privilégio dos estabelecimentos estatais. Sabe, Trinidad foi a primeira cidade em Cuba a receber autorização para alugar casas particulares a turistas. Num certo sentido, Fidel Castro tem orgulho nesta cidade, basta olhar para os charutos que circulam por aí e que prestam homenagem a Trinidad. Mas, se é verdade que o turismo tem vindo a ser incrementado, não é menos certo que Trinidad tem um infindável número de casas particulares para alugar, o que gera inveja entre a população local.

A frase martela-me no cérebro. É da autoria de Che Guevara. "Se fôssemos capazes de nos unir, quão belo e próximo seria o futuro."

Ele, vivendo no presente, avança:

— Você não sabe, muitos turistas desconhecem, mas, tenham ou não clientes, os impostos têm de ser pagos pelos proprietários. E, se não tiver um único cliente, ao longo de um mês, como vai pagar duzentos dólares ao governo?

O jantar está apetitoso, o calor paira no ar, as portas estão fechadas, pode sempre surgir o homem que avalia a quantidade de electrodomésticos existentes em casa.

— Mas eu estava a falar, pouco depois de você entrar, na carne das vacas que não é para nós, no leite que supostamente é destinado às crianças. Sabe que mais?

Eu não sabia, nem que mais, nem que menos, limitava-me a escutar.

— Pode parecer uma anedota mas não é. Um homem, tendo um grande número de vacas a pastar, não muito longe do lugar onde vivia, despertou numa manhã e deu conta da falta de uma. A notícia, como sempre acontece em Cuba, propagou-se, a polícia chegou, sorrateira, tão silenciosa como a noite ou envolta nas brumas como algumas manhãs, e inquiriu. À falta de resposta, sobre quem havia roubado a vaca, o dono, incapaz de explicar o inexplicável, foi remetido para um calabouço.

Priscila, já sem aquele trejeito preocupado que ostentava na praia, advertiu o marido:

— Pára de atormentar o senhor com essas histórias. E se contasses uma anedota?

Ele ri, olha o tecto negro.

— Sabe por que razão não há piscinas em Cuba?

— …

— Porque aqueles que sabem nadar foram todos para os Estados Unidos.

Um porco passeia-se pelo pátio exterior.

Conta outra, diz Priscila, e enche o copo do senhor. Quer mais frijoles?

— Esta é um bocadinho antiga mas, em Cuba, as anedotas são como os produtos, chegam sempre mais tarde ou nunca chegam. A professora, pegando numa fotografia do presidente Bush, pergunta aos alunos: de quem é este retrato? Faz-se um silêncio absoluto. Vou ajudar um bocadinho: por causa deste senhor estamos a passar fome. Pepito levanta-se e diz: Ah, professora, é que sem farda e sem barba não o reconheci.

Na escuridão, caminhando com mais rum na cabeça do que moros e cristianos no estômago, também não reconheço Trinidad. Mas ela está ali, como sempre esteve, desde há 500 anos.


GUIA PRÁTICO

Como ir
A Air Europa, com uma escala em Madrid, oferece as melhores tarifas (cerca de 650 euros) entre Lisboa e Havana. Outras companhias, como a Iberia, a Air France ou a KLM, para citar apenas algumas, também voam para a capital cubana mas, tendo como referência o mês de Janeiro, todas elas cobram mais de mil euros por um bilhete de ida e volta. Desde Havana, a melhor opção é recorrer à empresa Viazul, cujos autocarros cumprem o trajecto até Trinidad em cinco ou seis horas, por cerca de 25 CUC (um pouco mais de 18 euros). O terminal em Havana está localizado fora do centro, pelo que terá de alugar um táxi (entre cinco a dez CUC) ou, em alternativa, viajar com a Transtur, também por 25 CUC, com a vantagem de esta empresa disponibilizar um serviço que recolhe os clientes nos principais hotéis de Havana — mas não se dormir em casas particulares. Em Trinidad, o terminal está localizado no coração da cidade colonial. Entre as duas cidades também é possível viajar em táxi colectivo, mais rápido mas também mais dispendioso.

Quando ir
Não se pode falar verdadeiramente de uma época má para visitar Cuba mas há alguns períodos que o turista deve ter em conta para não sair com as suas expectativas defraudadas. A época das chuvas ocorre entre Maio e Outubro mas resume-se, na maior parte das vezes, a uns aguaceiros esporádicos durante a tarde. Julho e Agosto são meses de muito calor e durante os quais meio mundo — incluindo um grande número de cubanos — está de férias. Nessa altura, hotéis e praias estão a abarrotar e os preços aumentam no mínimo 20 por cento. O Natal e a Páscoa são, de igual forma, quadras que atraem um grande número de visitantes e de Junho a Novembro é a época dos ciclones, se bem que os mais fortes têm tendência para varrer a ilha entre Setembro e Outubro. Então, quando se pode ir a Cuba? De Janeiro a Abril (sem esquecer o período da Páscoa) mas em qualquer outra das alturas, tomando as devidas precauções, fazendo reservas antecipadamente, também é possível desfrutar o país de Fidel Castro.

Onde comer
Se ficar hospedado numa casa particular não necessita, por norma, de fazer as suas refeições em restaurantes. Mas nunca se deve sentir pressionado e tem sempre como alternativa os paladares, também geridos por famílias no espaço que lhes serve de residência. Entre estes, recomendam-se o Sol y Son, o Estela e o La Coruña, todos no centro. Se for adepto de restaurantes, tem diferentes alternativas: Méson del Regidor, especializado em carnes grelhadas, Plaza Mayor, em marisco, El Jigue, em frango, e o Via Reale, em pratos vegetarianos e italianos.

Onde dormir
Trinidad tem mais de 300 casas particulares que oferecem alojamento ao turista, um número elevado que provoca, não raras vezes, uma concorrência feroz e visível logo que os autocarros provenientes de Havana — mas também de outros destinos — se insinuam pelas ruas da cidade. Dormir em casas particulares pode revelar-se uma experiência inolvidável, uma forma de conhecer melhor os cubanos e o seu modo de vida, ouvindo relatos, com a porta fechada, sobre as suas experiências quotidianas feitas de grandes dificuldades. Na chegada a Trinidad, não acredite se um entre 40 ou 50 casadores ou jineteros — como são conhecidos os comissionistas que conduzem os turistas às casas, algumas delas ilegais — lhe disser que "o dono está na prisão" ou que a casa onde pretende ficar instalado "já não existe" — são as mentiras mais em voga por via de uma oferta claramente superior à procura numa cidade que vive em grande parte do turismo. Os valores pedidos andam à volta dos 20 e os 35 CUC e, sob pena de sermos injustos, aqui ficam alguns exemplos: Myreia Medina Rodriguez, Casa Smith, Casa Gil Lemes, Casa Santana, Casa Arandia e Hostal Yolanda María, um verdadeiro palácio construído no início do século XVIII.

Se preferir um hotel, Trinidad também oferece múltiplas escolhas. O Iberostar, com 40 quartos, é um cinco estrelas localizado no centro e com preços a partir de 105 euros por noite. A curta distância da zona histórica, no alto de uma colina, está situado o Las Cuevas (cerca de 40 euros) e, junto à Praia de Ancón, o Brisas Trinidad del Mar, um resort que por norma recebe turistas segundo o conceito all-inclusive e com tarifas que variam entre os 50 e os 60 euros.

O que fazer
Se, uma vez farto de praia, se sentir tentado pelo ar fresco, não deixe de visitar a zona de Topes de Collantes, uma estação climática situada a quase 800 metros na Sierra del Escambray, a escassos vinte minutos de Trinidad, um passeio encantador que leva o viandante até ao ponto mais alto da província de Sancti Spiritus, o Pico de Potrerillo, próximo dos mil metros, por entre bosques de coníferas, vinhas e fetos de grandes dimensões, uma paisagem deslumbrante que, de uma forma ou de outra, leva o turista até ao Valle de los Ingenios, a escassos oito quilómetros de Trinidad, uma área de 276 km2 que se espraia aos pés de Escambray, contemplando os vales de São Luís e Santa Rosa, bem como a depressão de Meyer. Sem grande demora, por esta ou por aquela razão, irá ficar a saber que por estas bandas se construiu, no século XVIII, a primeira açucareira, alguém lhe irá contar que em 1827, no auge da produção, toda esta zona integrava 56 complexos de exploração do açúcar, nos quais trabalhavam quase doze mil escravos.

Informações
Para entrar em Cuba necessita de um passaporte com uma validade de pelo menos seis meses, um visto (para 30 dias mas pode ser prolongado junto das entidades competentes em Havana), um seguro de viagem com cobertura médica e uma cópia bem legível do bilhete de avião, de ida e volta. A embaixada de Cuba está situada na Rua Pêro Covilhã, 14, em Lisboa.

Face ao embargo, não é possível utilizar cartões de crédito americanos. A moeda utilizada para pagamentos é o Peso Cubano Convertível (CUC) mas a moeda local é o Peso Cubano (CUP). Um euro equivale a aproximadamente 0.75 CUC (tal como o dólar) e a 24 CUP. Em alguns lugares, onde o turismo está fortemente implantado, como Havana, Varadero e os Cayos, o euro tem curso legal, sendo preferível levar dinheiro em numerário. Se optar pelos dólares americanos, a reconversão implica uma sobretaxa de dez por cento. Na prática, não existe um limite para montantes de divisas importadas ou exportadas se bem que, na teoria, qualquer quantia acima dos dez mil dólares tenha de ser declarada à entrada do país.

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