Fugas - Viagens

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Trinidad, a perolazinha cubana

Por Sousa Ribeiro

Fundada há 500 anos, Trinidad permanece congelada no seu esplendor de antanho, fiel à herança da sua arquitectura colonial, vivendo a sua vida numa indolência que contagia, em silêncio, certa da sua história feita de riqueza e resignada ao seu presente remediado, na fronteira ténue da pobreza e desconhecendo o futuro.

Não queria ver ninguém, nem falar, nem ouvir. Precisava de solidão e silêncio. Cheguei no domingo ao meio-dia. Deixei o saco num canto. Enfiei os calções e umas chinelas de borracha. Saí. A praia fica trinta metros atrás de casa. Comprei uma garrafa de rum num quiosque, caminhei um pouco pela areia e sentei-me à sombra de uns pinheiros. Gente a mais. Barulho a mais, música, crianças, todos a soltar energia.»

— Señor, señor.

Ergui a cabeça, coloquei o marcador na página e vi, recortando-se no azul do céu, quase um metro acima dos meus olhos, um rosto transtornado, a habitual expressão de quem se apresta para nos dar uma má notícia.

— Peço desculpa por importuná-lo mas o meu filho foi mordido e tem um vermelhão na pele. Não terá, por acaso, alguma pomada que lhe possa ser útil?

Educadamente, levantei-me e, fitando a senhora que parecia envergonhada da sua existência, estendi-lhe uma garrafa de água, desculpando-me por nada mais poder fazer para a retirar daquela tristeza em que parecia mergulhada.

— Muchas gracias, muchas gracias. Es muy amable de su parte.

Já sentado, fiquei a ver a mulher afastar-se na direcção da água, ao encontro do filho, num caminhar vagaroso, movendo as ancas como se carregasse pedras nos bolsos. A areia escaldava sob os meus pés, fiz uma tentativa para voltar à leitura de Carne de Cão mas os cubanos não me queriam na companhia de Pedro Juan Gutiérrez.

— Quieres ron?

Eram seis, três homens e três mulheres, corpos bem bronzeados e todos eles bem preenchidos de carnes. Dois alemães, brancos como a cal, não tardaram a juntar-se ao grupo. Um bolero ecoa no ar.

— Sabes aquela do…

— Conta, conta.

E o homem, já a rir, começa a contar a anedota:

Diz a criança: papá, papá, vieram perguntar esta manhã se aqui vendiam um burro. E tu que lhes disseste, questiona o pai. Disse que não estavas.

As gargalhadas e o rum misturam-se, o humor cubano em toda a sua plenitude, enquanto as ondas beijam suavemente a areia, deixando uma camada de espuma que logo se dissolve. A tarde avança sem pressa, é sábado, os sons festivos a esvoaçar na Praia de Ancón. Agora é a vez dela, chama-se Kenya, como tantas outras mulheres em Cuba, como se a geografia caminhasse em múltiplas pernas.

— Tu sabes, Pepe, começo a acreditar que Adão e Eva eram cubanos. Como assim, pergunta ele. Porque não tinham roupa, andavam descalços, não lhes deixavam comer maçãs e continuavam a dizer-lhes que viviam no paraíso.


Discoteca numa gruta

Ouvia uma voz que soava distante e, ao mesmo tempo, uma música que me parecia familiar. Adormecera e acordava agora, com a cabeça pesada do rum, tendo à minha frente um vulto. A mãe, acompanhada da criança, tapava o disco laranja que se afundava no mar.

Sarandonga y nos vamos a comer
Sarandonga un chiricuchiri
Sarandonga en el alto del puerto
Sarandonga yn ñame com bacalao
Sarandonga
Que mañana es domingo
Oyelo cantar Sarangonga

A uns metros de distância, o grupo, já sem os alemães, mantinha a festa intacta, cantando, dançando e rindo, uma tendência em crescendo que apenas não era acompanhada pelo rum das garrafas.

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