Fugas - Viagens

  • A pequena aldeia de Guane parece adormecida no passado
    A pequena aldeia de Guane parece adormecida no passado
  • As ruas silenciosas de Barichara
    As ruas silenciosas de Barichara
  • As árvores com
    As árvores com "barbas de viejo" que se vêem um pouco por todo o lado
  • San Gil
    San Gil
  • A imponente Catedral de Santa Cruz domina o Parque La Libertad, em San Gil
    A imponente Catedral de Santa Cruz domina o Parque La Libertad, em San Gil
  • A Catedral da Imaculada Conceição recorta-se por cima de telhados uniformes
    A Catedral da Imaculada Conceição recorta-se por cima de telhados uniformes
  • A cascata de Juan Curi, impressionante queda de água de uma altura de 200 metros
    A cascata de Juan Curi, impressionante queda de água de uma altura de 200 metros
  • A cascata de Juan Curi, impressionante queda de água de uma altura de 200 metros
    A cascata de Juan Curi, impressionante queda de água de uma altura de 200 metros

Colômbia, um puzzle perfeito de adrenalina e descanso

Por Sousa Ribeiro (texto e fotos)

Entre Barichara e San Gil: se uma justifica o epíteto de vila mais bonita do país, a outra bem merece o cognome de terra da aventura.

Entrei no acanhado café do terminal, aspirando os seus odores indecifráveis, e esperei que a mulher, com uma tez morena, de olhos mortos e uma expressão carrancuda no rosto sulcado de rugas, atendesse o único cliente que se encontrava ao balcão.

- Un tinto!

Ela, silente, virou-lhe as costas e, para meu espanto, voltou com um copo de papel, de cujo interior se erguia uma ténue nuvem de fumo. Se, por instantes, hesitara, avaliando se aquele era o momento oportuno para um copo de vinho, o cheiro a café, subindo no ar e chegando às minhas narinas, fez-me soltar a língua mais rápido:

- Un tinto, por favor!

Ela, como se fosse movida mecanicamente, repetiu o gesto, imutável no seu mutismo.

- Gracias!

Os olhos dela tombaram sobre o dinheiro pousado no alumínio onde apoiava os meus ombros e, sem alguma vez me fitar, pousou o troco. Desejava fazer-lhe uma pergunta mas, temendo a rispidez da sua resposta, talvez motivada pelas longas horas de trabalho, aceitei de bom grado que nem com um saca-rolhas para abrir uma boa garrafa de um verdadeiro tinto lhe roubaria uma palavra.

Ela, suspirando enfastiada, lançou um olhar ao relógio de parede e, de seguida, apoiando o queixo com o punho direito, pregou-o na televisão, remetendo-nos à indiferença e prestando toda a atenção à telenovela e às palavras de uma jovem que, banhada em lágrimas, acusava o marido de traição.

- Caliente?

Via agora, naquela interrogação, uma janela para meter conversa, após quase seis horas remetido ao silêncio dentro de um autocarro proveniente de Bogotá, vendo passar, através da moldura da janela, vales e montanhas, igrejas sumptuosas e casas humildes, homens laborando nos campos e mulheres de mãos dadas com as suas filhas saídas da escola, com as suas meias brancas até ao joelho encimadas por saias quadriculadas de múltiplas cores.

Ele, com roupas sujas, talvez extenuado após um longo dia de trabalho, colocou o copo no balcão e apontou para o exterior, sobre a sua esquerda.

- A buseta para San Gil parte daquela paragem. Não deve tardar.

A língua não parava de me surpreender. Agradeci, agarrei na mochila e, uns minutos mais tarde, já me encontrava dentro da buseta que, por mil pesos, me iria levar do terminal intercidades até ao centro. Acomodei-me e, olhando à volta, à excepção do motorista, apenas via mulheres.

A buseta ora vai descendo, ora vai subindo ruas íngremes, ameaçando desconjuntar-se nas descidas, gemendo nas subidas, um esforço testemunhado por casas térreas, homens e mulheres caminhando para cá e para lá, na sua azáfama diária, e por árvores frondosas cujas copas são tocadas por uma brisa suave. De volta à estrada principal, nas proximidades do ponto de partida, vence agora o asfalto sem se deter, até que, no final de uma curva pronunciada, entra pela janela a cidade, nuvens claras pairando sobre as suas casas de tijolo que trepam o dorso da colina.

Mais para baixo, aqui e acolá escondida pela folhagem, a ponte cruzando um curso de água que, com as suas tonalidades castanhas, corre apressado, lambendo as margens e criando a ideia de um equilíbrio instável quando, já mais de perto, observo o casario que se ergue harmoniosamente na vertente norte.

Fico a olhar a buseta a afastar-se, o movimento na rua, as varandas em madeira caindo sobre os passeios arranjados e, escutando sempre o marulho do rio, poucos metros tenho de caminhar para dar por mim em frente a uma simpática recepcionista que, por 15 mil pesos, me proporciona um quarto de dimensões reduzidas mas asseado, com uma pequena janela na casa de banho que me permite avistar e continuar sintonizado nos sons produzidos pelo galope das águas do Fonce.

Capital radical

San Gil, cidade com pouco mais de 50 mil habitantes, situada no departamento de Santander, cuja capital é Bucaramanga, é o lugar em todo o país que mais atrai os amantes da natureza (uma média de cinco mil por dia), uma verdadeira meca para os entusiásticos dos desportos radicais, conhecida em toda a Colômbia como “La Tierra de Aventura”.

Frequentemente denominada também como Epicentro Turístico ou Capital Turística de Santander, San Gil orgulha-se do seu estatuto de pioneira – desde 1996 – na promoção de actividades desportivas ligadas à natureza, beneficiando da sua envolvência paisagística para proporcionar aos turistas que a visitam emoções fortes que vão desde o rafting ao parapente, da espeleologia ao rapel, do canyoning ao bungee jumping, passando pelo motocross e pelos percursos em bicicleta de montanha.

A minha natureza não me confere coragem suficiente para abraçar as inúmeras propostas oferecidas pelas diversas agências de viagens com sede em San Gil e, olhando da minha minúscula janela, aprecio o rumor das águas como música para os meus ouvidos mas percorre-me um imenso calafrio só de imaginar uma descida de dez quilómetros ao longo do Fonce ou, o que me parece ainda temível, uma aventura nos rápidos do rio Suarez, ironia das ironias correndo nas proximidades da aldeia de Socorro, a escassos vinte quilómetros de San Gil.

- O que acha do quarto?

A primeira impressão, ainda no bar do terminal, começa a desvanecer-se mal regresso ao átrio da recepção e desaparece completamente à medida que caminho pela rua, subindo a Calle 12, onde me detenho numa casa de câmbio antes de cortar para a Calle 10, ao encontro do El Maná, com o seu tecto de pé alto, as suas colunas de música, uma sala que de tão comprida se assemelha a um refeitório e onde a qualidade da comida rivaliza com a simpatia que me dispensa Majerli, com os seus olhos cor de avelã sempre perscrutadores.

- Tienes que irte a Barichara! El pueblecito más bonito de Colombia!

À saída para a rua, surpreende-me uma chuva miudinha, persistente, que me convida a entrar no Habana, no primeiro piso de um centro comercial restaurado com requinte. Não o descubro de forma espontânea, limito-me a seguir mais um dos conselhos de Majerli, sentindo-me esmagado de gratidão com uma cerveja Poker bem gelada e com a música cubana que escuto enquanto lanço olhares à minha volta e outros tantos, mais compenetrados, a um livro de Gabriel Garcia Márquez que me acompanha nos momentos em que a solidão me rodeia de um modo pungente. Uma frase, “o coração tem mais quartos do que uma pensão de putas”, fica a martelar-me o cérebro quando Majerli, já com o cabelo solto, faz a sua aparição e, educadamente, me pede licença para se sentar.

- A ideia que se tem na Europa e no mundo é de que a Colômbia seria um paraíso se não fosse a violência e a droga. Mas hoje, graças a Deus, a realidade é bem diferente. É claro que não é de um dia para o outro que se erradica um problema tão sério, neste caso dois, um associado ao outro; mas o país é, actualmente, muito mais seguro e, como tu próprio poderás constatar, com os teus próprios olhos, não se vende cocaína em qualquer esquina, como se faz crer um pouco por todo o lado.

A chuva deixara de cair, uma lua bem redonda, prateada, subia no céu cheio de estrelas e até ao meu quarto chegava o murmúrio do Fonce como se fosse o único, naquela noite serena, a emitir um queixume, o mesmo que me desperta aos primeiros alvores do dia.

O esplendor da natureza

Tomo um tinto e saio para a rua que já fervilha de vida, caminhando junto ao mercado onde homens de braços robustos descarregam batatas e bananas de camiões muito próximos de dar um último suspiro. Cheira a coentros frescos e a aipo. Nos talhos, a carne recebe os primeiros raios do sol e, mais adiante, um serralheiro elucida-me.

- O terminal é a uma quadra, não mais do que dois minutos.

Tem vestida uma camisola onde se pode ler: “Mais famoso do que Pablo Escobar” e não sou eu que o vou desmentir. A buseta, ainda com lugares vagos, parece pronta para partir, o motorista, com carnes generosas, mais do que em alguns dos talhos por onde acabei de passar, tem uma camisa cor-de-rosa que ameaça rebentar se executar uma manobra mais brusca. A buseta passa a ponte e rompe pelo meio da densa vegetação, na direcção de Charalá, deixando para trás postos de venda de areia e anúncios a restaurantes cuja especialidade é o cabrito. Desço em Las Cascadas e, depois de flanquear um portão, em ferro e bambu, embrenho-me por um caminho de terra batida, fitando uma casa com um bonito alpendre por onde se passeiam, indiferentes à minha presença, patos e galinhas.

- Tem cuidado, o terreno está muito escorregadio por causa da chuva.

Escuto Lillian, sorriso e olhar meigos, e ando ao longo de um carreiro estreito, pelo meio de um cenário intensamente verde onde se recortam, de quando em quando, os tons alaranjados das anacos, as árvores que conferem ainda mais beleza a este território órfão de visitantes nesta manhã em que a neblina teima em não se desprender. Exceptuando dois ou três cavalos e três ou quatro vacas, pastando indolentemente num terreno protegido por uma cerca, ou um ou outro pássaro riscando o céu cinzento, nada mais se atravessa no meu percurso sonhador, a caminho das cascatas de Juan Curi.

Sem qualquer grau de dificuldade, venço o trajecto em menos de vinte minutos e, com o som da água a cair de uma altura de quase 200 metros cada vez mais próximo, o único a quebrar aquele mergulho no silêncio, respiro uma serenidade que se exacerba no momento em que, após descer umas escadas de madeira, se me depara aquela cascata de emoções que os mais destemidos ousam em descer suportados pela segurança de uma corda e outros apetrechos profissionais.

As nuvens fundem-se com os montes, com a vegetação, por ali fico, ébrio de satisfação, escutando o borbulhar da corrente, a magnificência de um quadro de cores tão vivas, sentado numa das rochas que bordeja as pequenas lagoas onde dá vontade de entrar para sentir o contacto com a água que, através de lençóis de borrifos, jorra sobre o meu rosto.

À boleia, com um polícia, regresso a San Gil a meio da manhã, a tempo de apanhar outra buseta, agora com destino a Barichara, aclamada por Majerli e tantos outros milhões de colombianos como a vila mais encantadora do país, o que aumenta exponencialmente as minhas expectativas à medida que os campos agrícolas ficam para trás e se avistam a cúpula e as torres sineiras da igreja, encimadas por nuvens que parecem feitas de algodão, como se alguém ali as tivesse colocado para conferir ainda mais bucolismo ao lugar.

Formigas ao almoço

Deixo-me ficar na praça principal, vendo os meninos a jogar à bola enquanto são observados pelas meninas, todos nos seus trajes escolares, o verde predominando, e mais para diante um grupo de adultos, homens e mulheres, que se entregam com prazer a uma aula de aeróbica sob um céu que, aos poucos, vai abrindo as suas cortinas para deixar ver o azul. À volta, reina o silêncio, apenas perturbado pelos passos tranquilos de turistas espanhóis, franceses, holandeses e, em maior número, de colombianos. Maria Leandra Valentina vem de Medellin e não esconde o orgulho que sente naquela povoação que, como se estivesse num museu, mostra a um casal de Rouen, amigos de longa data.

- Nada me dá mais prazer do que revisitar Barichara. E como fico feliz por poder fazê-lo nestes tempos de paz. A Colômbia é um país lindíssimo, é um paraíso na terra, mas é preciso ter sempre cuidado.

Decido-me a errar por estas ruas empedradas, tão limpas e tão inspiradoras, com as suas casas imaculadamente brancas, decoradas com janelas de madeira de cores fortes, com os seus telhados uniformes, tão bem conservados que ninguém desconfia da sua longevidade de 300 anos, num tempo em que, como tantos outros lugares, foi colonizada pelos espanhóis. Considerada monumento nacional desde 1978, Barichara é um dos cenários preferidos para a filmagem de telenovelas, um povoado que vive no passado e onde, durante muitas horas do dia, o turista sente dificuldade em cruzar-se com alguém nas suas artérias repletas de histórias e lendas.

Uma delas, remontando a 1702, fala de um lavrador a quem apareceu, em cima de um rochedo, na sua quinta, a Virgem Maria. Verdade ou não, os locais mandaram erguer uma pequena capela para comemorar o milagre e, estranhamente ou talvez não, apenas precisaram de esperar três anos para receberem uma nova aparição, a do capitão espanhol Francisco Pradilla y Ayerbe que logo fundou a Villa de San Lorenzo de Barichara, designação que deriva da palavra guane barachalá, “um bom lugar para descansar”.

E é de repouso, antes de continuar a percorrê-la, que sinto urgência, rumando à Calle 8 para um almoço no Color de Hormiga, disposto a provar uma especialidade cuja tradição remonta a mais de 500 anos, quando o povo indígena guane, convicto do seu poder afrodisíaco e das suas propriedades curativas, devorava formigas gigantes. E, embora pouco crente nestes poderes, dou-me por muito satisfeito quando o meu filet mignon chega à mesa, decorado, por cima de um molho, com um bom número de formigas estaladiças que acompanho com um copo de vinho enquanto perscruto as reacções dos poucos clientes que me acompanham, a curta distância, nesta iguaria gastronómica, à venda em diferentes lugares de Barichara mas sem a qualidade do Color de Hormiga.

Se sente repugnância em alojar no estômago uma colecção de formigas, mais tempo lhe sobra para apreciar o que Barichara tem de melhor, a sua arquitectura, se bem que na vila o tempo parece deter-se ou passar mais lentamente. De volta ao Parque Principal, depois de receber um olhar dócil de duas meninas que apreciam mais gelados do que insectos, penetro na imponente Catedral da Imaculada Conceição, uma elaborada estrutura do século XVIII, em arenito, que, integrada numa visão global de Barichara, representa um interessante contraste com as suas casas caiadas de branco - e facilmente leva o viandante a reflectir sobre tamanha grandeza se comparada com a reduzida dimensão do local.

Megalomania à parte, vale a pena espreitar o seu interior e esperar pela luz crepuscular do fim de tarde para ver como as suas tonalidades douradas se transformam, subitamente, em laranja-forte, sem deixar de reparar no pormenor, tão pouco habitual em igrejas coloniais espanholas, de exibir um clerestório (uma segunda fila de janelas na parte superior da nave).

Já no exterior, vejo o mundo passar no Parque Principal, o coração da vila, os idosos sentados nos bancos, na sua indolência, a fonte em pedra, tudo embelezado com palmeiras e plantas tropicais e, lembrando-me por momentos de que tenho de regressar a San Gil, subo, não sem alguma dificuldade, a Calle 6, uns 400 metros até chegar à Igreja de Santa Bárbara, alvo de restauração desde o início da década de 1990 (apenas a fachada sobreviveu a um terramoto), de onde a panorâmica sobre Barichara, o Canyon Suárez e todo o vale é inigualável.

Um pouco mais para trás, vagueio pelo interessante Parque para as Artes, observando obras produzidas por escultores locais, e pelo anfiteatro ao ar livre onde esporadicamente têm lugar concertos ao vivo. Caminhando para ocidente, descubro outra estrutura religiosa, a Capela de Jesus Ressuscitado, para um verdadeiro concerto de cigarras na pequena praça contígua antes de me cruzar com o coveiro do cemitério próximo.

- O que quer que lhe diga? Interessante? Os que estão lá dentro nada me dizem e os que estão cá fora têm pouca ou nenhuma vontade de lá entrar.

Ambiente festivo

De Barichara, poderia seguir, ao longo do caminho real, até Guane, percorrendo a estrada empedrada construída e reconstruída vezes sem conta pela população indígena. São apenas nove quilómetros que se cumprem em menos de duas horas mas o cansaço demove-me da ideia, optando por chegar a esta pequena aldeia de buseta, no dia seguinte, ao início de uma manhã de um sol radioso.

Ainda mais do que Barichara, o pueblo, com pouco mais de mil habitantes, parece adormecido e, porventura por verem menos turistas, as pessoas dispensam uma atenção ainda mais afectuosa. Os locais param, viram-se e seguem com o olhar os poucos visitantes – apenas vi um casal francês acompanhado de uma criança; e gostam de se deixar fotografar, sorridentes, como Valência, uma simpática senhora com quem me cruzei nas ruas empedradas antes de uma visita à Igreja de Santa Lucía, erguida em 1720.

Depois, não resisti a sentar-me, acompanhado de mais um tinto, na aprazível praça onde se erguem palmeiras, ora trocando dois dedos de conversa com mães que empurram os filhos em carrinhos, ora com idosos ainda com mais tempo do que eu. E, por força da atmosfera que se respira, rapidamente me vi envolto numa melancolia nostálgica da qual apenas me abstraí à chegada, ao início da tarde, ao agitado Parque La Libertad, em San Gil, a uma hora em que a Catedral de Santa Cruz, de portas abertas para receber um funeral, resplandecia sob os raios dourados do sol.

Aproveitando o fim-de-semana, deixo-me fascinar pelo ambiente festivo que emana do parque, com as suas árvores seculares onde os pais, vigiando os filhos, se sentam à sombra, os homens vendendo gelados ou espigas de milho, as mulheres alugando telemóveis ao minuto; reencontro jovens que conheci no Habana, que me cumprimentam respeitosamente, passo os olhos pelo casario e ainda tenho tempo para me perder pelo místico Parque El Gallineral, uma reserva natural numa ilha de configuração triangular entre os braços da Quebrada Curiti e do rio Fonce, uma área de quatro hectares com quase duas mil árvores (na verdade um jardim botânico), muitas das quais deixando cair as famosas barbas de viejo que filtram o sol e tornam ainda mais belo um espaço tão verde e tão apaziguador, um cenário bíblico onde deixo morrer a tarde.

Logo que a noite cai, regresso ao El Maná com o sentimento de estar de volta a casa. As empregadas vestem, como habitualmente, os seus polos cor-de-rosa, a comida sabe-me ainda melhor do que dois dias antes e a forma hospitaleira como me recebem, característica tão singular deste povo, torna a visita ainda mais emotiva e, definitivamente, faz-me esquecer a primeira impressão. Aproxima-se a hora de partir para o terminal. Santa Marta, a muitas horas de distância, espera-me.

- Feliz viaje, deseja Majerli.

Bebo o último tinto, olho o céu nocturno e enfio-me numa buseta.      


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GUIA PRÁTICO

A Colômbia, com um clima que sofre poucas variações, dada a sua localização geográfica, próximo da linha do Equador, pode ser visitada em qualquer altura do ano. Sem ter, propriamente, uma temporada alta ou baixa, os períodos de maior afluência de turistas correspondem aos meses de Dezembro e Janeiro, à época da Páscoa e das férias escolares (em Junho e Julho).

Ainda assim, deve considerar que a época das chuvas ocorre entre Dezembro e Março e em Julho e Agosto, sem ignorar que a precipitação pode ser uma realidade ao longo de todo o ano. No caso de San Gil e Barichara, ambas localizadas a mais de mil metros de altitude, a temperatura é temperada, uma média de 24 graus (mínima de 15 e máxima de 32) ao longo do ano - em Abril e Maio e em Setembro e Outubro são os meses em que, de uma forma geral, chove mais.

Se, porventura, encarar o país numa perspectiva hedonista, como adepto de festas e de festivais, a melhor altura para visitar a Colômbia é entre Dezembro e Janeiro.

Como ir
A tarifa mais em conta, próxima dos mil euros, para a ligação entre Lisboa e Bogotá, é proporcionada pela Iberia, com uma curta escala em Madrid e um total de 16 horas de voo, tanto na ida como no regresso. Outras companhias aéreas, como a Lufthansa e a KLM, também servem aquela cidade colombiana e não perde nada em fazer uma consulta aos valores praticados pela TAP, em cooperação com a LAN por exemplo.

Desde Bogotá (www.terminaldetransporte.gov.co), na Diagonal 23, 69-60, próximo da Avenida de la Constitucíon, a cinco quilómetros do centro da cidade, saem vários autocarros por dia com destino a San Gil, um trajecto de quase 300 quilómetros que leva entre seis a sete horas a ser percorrido e com um preço a rondar os 15 euros. Uma vez em San Gil, terá de apear-se no terminal intercidades, que dista três quilómetros do centro, na estrada para Bogotá, onde deverá recorrer a um autocarro urbano ou a um táxi (pouco mais de um euro). Para chegar a Barichara, utilize o terminal local, na esquina da Calle 15 com a Carrera 10, adquirindo o bilhete antes de se instalar na buseta que, por menos de dois euros, o deixa, ao fim de 45 minutos, no destino, um serviço que funciona entre as 5h e as 18h30.     

Onde comer

San Gil pode não ser o melhor lugar na Colômbia para satisfazer o seu apetite mas há alguns restaurantes cuja qualidade nada fica a dever a outros em diferentes pontos do país.

Se o orçamento não lhe permitir sentar-se numa mesa e ser servido por empregados afáveis, não perca muito tempo a dirija-se, sem mais demoras, à Plaza do Mercado (Carrera 11, entre as Calles 13 e 14), um mercado coberto onde se pode deliciar com comida corriente, tamales(uma massa de milho cozido, acompanhada de carne de porco ou de frango, cebola, ervilhas, ovo cozido, passas e outros ingredientes que variam segundo a região e a tradição familiar) e saborosos sumos de fruta.

Com um pouco mais de dinheiro, não deixe de dar um salto ao El Maná, na Calle 10, 9-12, onde não pagará mais de quatro euros por um prato rico em sabores, quer seja truta grelhada da montanha, carne asada ou frango com molho de cajá, todos eles servidos em doses familiares.

San Gil, sem apresentar uma vasta oferta gastronómica, também garante um grau de satisfação elevado para os vegetarianos e os carnívoros: os primeiros devem acorrer ao Saludable Delicia, na Calle 11, 8-40, para desfrutar de comida saudável, como saladas e sandes, e os segundos ao Carnes y Carnes, na Carrera 12, 8-09, para apreciarem a soberba carne de vaca, de frango ou de porco (também têm marisco), na margem sul do rio e sem qualquer sinalização a identificar o espaço – o nariz, mais do que um mapa, ajuda a descobrir o restaurante. No Saludable Delicia, os preços variam entre os dois e os dez euros e no Carnes y Carnes entre os seis e os doze.

Se San Gil não lhe oferecer uma ementa que preencha as necessidades do seu estômago, não precisa de mais de 45 minutos para entrar num mundo que o faz esquecer a sua vivência anterior. Em Barichara, os amantes da boa comida vão, certamente, sentir-se em casa, como se, após uma viagem curta de autocarro, acabassem de entrar numa espécie de paraíso gastronómico. Nos últimos anos, coincidindo com o incremento do turismo, vários restaurantes gourmet, proporcionando uma mistura de nova cozinha colombiana e de pratos tradicionais, abriram as suas portas para obrigar os turistas a regressar, se não pela beleza da vila, pelo menos pela autenticidade da sua cozinha.

O Restaurante La Brasa, cuja especialidade é o cabro con pepitoria (cabrito com sangue e órgãos), na Carrera 6, 6-31, não pode nem deve ser desprezado, e muito menos o Color de Hormiga, na Calle 8, 8-44, por tudo o que se depreende (ou apreende) do corpo principal do artigo, mas também pela carta de vinhos, pelas sobremesas e pela atmosfera.

Finalmente, se é um apaixonado de paella ou de marisco, a alternativa mais credível passa por uma visita ao Algarabia, na Calle 6, 10-96, gerido pelo espanhol Francisco e pela sua mulher, colombiana, Sofia, com toda a amabilidade que os caracteriza e o toque culinário que emana da confecção da comida.    

Onde dormir

Barichara não é, propriamente, um lugar com preços acessíveis (a comparação com o país é inevitável) para dormir mas é, para todos os efeitos, um recanto onde apetece ficar mais do que uma noite, a repousar, indiferente ao mundo noctívago que, no caso desta vila, é praticamente inexistente, excepção feita a algumas esquinas onde se vende aguardiente(um licor com sabor a anis), cerveja e a especialidade local, chicha de maíz, uma bebida alcoólica feita à base de milho.

Durante a época alta, entre 20 de Dezembro e 15 de Janeiro e no período da Semana Santa, os preços registam um aumento de 30% ou mais e, se não fizer uma reserva com antecedência, pode deparar-se com sérios problemas para arranjar um quarto disponível.

Uma vez desperto para a realidade, a melhor opção passa pela La Nube Posada (www.lanubeposada.com/), na Calle 7, 7-39, um hotel-boutique com apenas oito quartos numa elegante casa colonial que abriga também um dos melhores restaurantes gourmet da vila e, entre outras facilidades, um espaço destinado a spa. Os preços para um quarto duplo variam entre os 115 e os 125 euros (época baixa) e os 130 e os 140 (época alta), muito mais em conta do que a suíte, entre os 480 e os 560 euros.

Para alternativas menos dispendiosas, tem a Hospedaria Aposentos, na Calle 6, 6-40 (15 euros por pessoa) ou a La Mansión de Virginia, na Calle 8, 7-26, e o Hotel Coratá, na Carrera 7, 4-08, que cobram aproximadamente 40 euros por um duplo.

Para orçamentos ainda mais reduzidos, San Gil é o lugar a ter em mente, destacando-se a Macondo Guesthouse (www.macondohostel.com/), o primeiro hotel a abrir na cidade e que recentemente se mudou da Calle 12 para a Carrera 8, 10-35 – o preço anda entre os oito (dormitório) e os 30 euros (duplo com casa de banho privativa).

Ao longo da Calle 10 pode encontrar pequenos hotéis ainda mais baratos e, com um pouco de tempo, espreitar as condições oferecidas pelo Santander Alemán (Calle 12, 7-63), Hotel El Viajero (Carrera 11, 11-07) e, embora mais caro, o Hotel Mansión del Parque, na Calle 12, 8-71, numa das esquinas do sempre concorrido Parque Central.   

Informações
Um euro equivale a 2600 pesos colombianos e é perfeitamente possível fazer umas férias baratas neste país da América do Sul.
Os cidadãos portugueses não carecem de visto para entrar na Colômbia, necessitando apenas de apresentar um passaporte com o mínimo de seis meses de validade que será carimbado no aeroporto (ou em qualquer ponto de entrada) e permite ao visitante permanecer no país por um período de 60 ou 90 dias (a extensão é fácil e pode ir de um a seis meses mas implica a presença, ao fim de cada trinta dias, junto do Departamento Administrativo de Seguridad (www.das.gov.co/), que tem delegações na maioria dos grandes centros urbanos e até em cidades mais pequenas.
Mantenha na sua posse um formulário que terá de preencher à chegada, sob pena de ser multado na hora de partir, e verifique se o passaporte é carimbado no momento da saída, para não enfrentar problemas se um dia pretender regressar.^

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