Por fim, a corda que ainda nos prendia a solo firme é desamarrada e, muito lentamente, começa-se a ver o chão a afastar-se. Depressa concluo que a designação voo de balão não será mais apropriada. Até porque, como frisa Aníbal, “o balão não é um dirigível”. O que se controla não é a direcção mas a ascensão. “Posso levar alguém a tocar nas nuvens e logo a seguir a tocar na água de um lago ou a varrer as copas das árvores”, descreve Aníbal, ao mesmo tempo que se movimenta pelo balão com a segurança de poucos.
Por tudo isso, será talvez mais correcto falar em flutuação. Porque é exactamente isso que se sente. É como se estivéssemos a flutuar, no caso entre cegonhas que durante os primeiros metros ainda nos acompanham numa espécie de bailado. Depois, à medida que continuamos a subir, deixamos as aves cada vez mais para trás. Como tudo o resto. E, a esta distância, nada se parece mover. Nem nós. Tal como se estivéssemos a assistir a um filme, o silêncio parece impor-se. E mesmo quando se fala, parece que se fala cada vez mais num murmúrio. “Já fiz muita coisa, mas nunca tive experiência igual”, desabafa Lourdes, num tom de voz que denuncia a completa e perfeita serenidade que sentirá. “É tudo tão bonito!”, diz, carregando no “tão”.
Hoje, não há lugar a tocar nas nuvens, embora uma massa cinzenta ao longe sirva de prenúncio a um fim de dia invernoso. “Sem equipamento de apoio, pode-se subir até aos dois mil metros; depois disso depende das condições físicas dos passageiros.” Mas sob as nossas cabeças as poucas nuvens que avistamos não só estão bem altas como desfeitas em farrapos. No entanto, ainda se pode varrer as copas das árvores ou quase tocar na água da barragem. Hugo trata de corrigir a altura do balão de forma a encontrar um corredor de vento que o leve ao seu destino. Num dia como aquele em que vivemos a experiência, parece mais ser uma brisa que nos leva, tal é a placidez da viagem que quase nos leva a suster a respiração.
Sem quase se dar por isso, vamos caindo e caindo. Cada vez mais. Até que, por fim, estamos a poucos centímetros da recortada barragem que presta serviço à Herdade dos Grous, em cuja propriedade acabaremos por cair. Por uns parcos segundos, não se percebe se estará tudo bem ou se ainda iremos a banhos. Mas o balão parece suster-se magicamente imóvel sobre a barragem, reflectindo as suas vivas cores no espelho de água. E quando já nos havíamos habituado a esta posição, volta a subir para um pouco mais à frente fazer outro voo rasante, desta vez às flores que por esta altura já salpicam todo o Alentejo. Espera-se que a qualquer instante Hugo diga para nos prepararmos para a queda, desejando por outro lado que o piloto volte a insuflar o balão de ar quente e que esta experiência dure ainda mais um pouco. Mas o carro de resgate já vem a caminho.
Hugo tem duas possibilidades: poisar agora, em terreno plano, ou sobrevoar as árvores que temos pela frente sem saber se a seguir encontrará as mesmas condições para a queda. “Prefiro jogar pelo seguro”, adianta. “Não vale a pena estragar um voo tão bom por apenas mais um ou dois minutos.” Assim, dizem-nos por fim para assumirmos a posição: agachados de costas para o solo onde se irá embater dentro de segundos e agarrados às cordas que temos à frente. Tal como Hugo previra, não foi ao primeiro embate – toquezinho será o termo mais apropriado ao que se sente – que o cesto poisou. Tocou uma vez no solo. E outra, mais outra vez. Por fim, de volta a terra firme. E depois da logística da saída — que tem de ser feita por uma determinada ordem para evitar que a cesta, ainda sujeita à força do balão insuflado, se vire.