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Viseu e vinhos do Dão para degustar o ano inteiro

Por José Augusto Moreira

A caminho de Viseu andaram celtas, lusitanos, romanos, muçulmanos e cristãos. Os vestígios dessa história, a gastronomia, os vinhos e uma urbe animada e festiva despertam novas paixões para o caminho.

A proposta é simples: Viseu tem uma história e património milenares, gastronomia e vinhos a condizer e uma vida nocturna e animação capazes de despertar paixões. Há, portanto, que desfrutar por ruas e ruelas do velho burgo, onde vestígios dos tempos convivem com os bares e animação contemporânea; saborear a farta gastronomia regional e os vinhos únicos e de eleição que o Dão tem para oferecer. Para provocar a paixão, a cidade tem também um recheado programa de actividades culturais e de animação do centro histórico que se prolongam por todo o ano.

E é precisamente com um episódio de paixão que está gravada a simbologia do brasão da cidade. Retrata, segundo a lenda, o desvario de Ramiro II, rei das Astúrias e Leão que no século X residia em Viseu. Cego de paixão depois de ter visto a moura Zahra, decidiu raptá-la para com ela se refugiar num castelo à beira-mar, esquecendo por completo a fidelidade a D. Urraca, sua mulher.

Em retaliação, o irmão (ou pai) de Zahra, o rei mouro d’Algozar que reinava então no castelo de Gaia, desloca-se a Viseu com os seus exércitos levando consigo D. Urraca para as margens do Douro. É aí que Ramiro II procura depois resgatar a esposa que, traída, o rejeita, com todos os episódio sangrentos que daí decorrem.

Ao que parece, nem tudo terá sido lenda, contando os historiadores que Zahra terá mesmo sido roubada por Ramiro e convertida ao cristianismo, enquanto D. Urraca teve um filho da ligação com o rei mouro, Algozar Ramires, que foi o fundador do Mosteiro de Santo Tirso.

Lenda ou realidade, o brasão de Viseu acaba por simbolizar também uma das mais marcantes características da história da cidade, sempre no centro dos avanços e recuos nas lutas entre cristãos e muçulmanos pelo domínio da península. Testemunho disso são os vestígios das estruturas defensivas espalhados pelas zona histórica, cujos limites só estabilizaram com a construção da muralha Afonsina (século XV) e que acaba por definir a malha urbana que hoje constitui o núcleo antigo da cidade. Das suas sete portas de entrada restam actualmente duas: a Porta dos Cavaleiros e a Porta do Soar, a mais preservada na sua imponência granítica e classificada como monumento nacional. Das outras cinco restam ainda alguns vestígios.

Fora da velha muralha, a cidade moderna é hoje delimitada pelas amplas rodovias e as já famosas rotundas, proporcionando acesso fácil e cómodo a toda a região do Dão, cujos vinhos e adegas evidenciam o dinamismo e qualidade que os empurram de novo para o topo das preferências de críticos e apreciadores. Outro apaixonante atractivo são as instalações termais, cujas sessões de vinoterapia constituem hoje uma característica distintiva e crescentemente apreciada.

Vinho e animação nocturna

Foi precisamente com uma mostra das virtudes da vinoterapia, no spa do Hotel Montebelo, que começou o fim-de-semana demonstrativo das paixões que Viseu e o Dão podem despertar. Seguiu-se uma passagem pelo curioso Bar do Gelo, onde à temperatura de oito graus negativos, e com mobiliário e assentos em blocos de gelo, se conversa e bebe um copo como em qualquer outro bar. A diferença é que as bebidas são guardadas em caixas térmicas para que não congelem.

Do frio passou-se ao aconchego dos vinhos, com uma prova no Solar dos Vinhos do Dão, um distinto palacete que até há uns anos foi sede do Paço Episcopal e depois alvo de especiosa recuperação com projecto do arquitecto Souto Moura. Além do Parque do Fontelo, que lhe é adjacente, merece bem a visita. Se for com prova de vinhos, tanto melhor.

Provaram-se brancos com Encruzado, que é a casta-emblema nos brancos da região e proporciona vinhos únicos. Não só pelas características de equilíbrio e sabor, mas também pela sua invulgar capacidade de envelhecimento e evolução. Há brancos do Dão com décadas de garrafa que são autênticas preciosidades.

No dia seguinte a prova seria dedicada aos tintos com Touriga Nacional, a casta que o Dão deu ao país e ao mundo, mas que continua a ter na região uma expressão e qualidades distintivas. Vinhos concentrados, frescos e elegantes como só uma região granítica e envolvida por maciços montanhosos pode proporcionar. Para lá de uma altitude média acima dos 400 metros, há por aqui um cruzamento de influências mediterrânica, atlântica e continental, a proporcionar um ambiente que não tem paralelo em qualquer outra região. E isso reflecte-se no conteúdo das garrafas.

Outra das marcas da qualidade do Dão é a que decorre de uma espécie de imunidade às castas de fora da região. São vinhos com castas autóctones e apuradas ao longo de muitos anos, e isso nota-se também nos vinhos. Não por acaso que, a seguir ao Douro, que foi pioneiro mundial, o Dão é a segunda região mais antiga do país, com denominação há mais de um século (1908).

Outro dos apaixonantes atractivos de Viseu é a cozinha regional — e é mesmo com paixão que se janta no Restaurante Santa Luzia, já na saída que liga a Lamego e São Pedro do Sul. Cozinha farta e com orgulho em servir os melhores produtos da região, vinhos incluídos. Soberbo o cabrito assado. Na mesma linha o Muralha da Sé, no centro histórico, igualmente exímio nos pratos da tradição e com excelente localização.

Para a digestão, o rumo é a zona histórica, com epicentro na zona da Sé, onde bares, esplanadas, espaços de convívio e animação se enchem de vida e gente nova. Há muita escolha e diversidade de oferta. E também iniciativas bem criativas, como a sexta-feira negra, que nessa noite cruzou circuitos artísticos, alternativos e marginais num espaço devoluto nas imediações da Sé.

O circuito terminou, pois claro, com um copo de Dão no Palato, um bar de vinhos onde, além de saborosos petiscos, se podem apreciar os melhores vinhos pela noite dentro.

Natureza gastronomia

Um retemperador passeio no troço mais urbano da Ecopista do Dão foi o alerta para a ampla oferta de parques e espaços ajardinados que pontuam a cidade, do frondoso Fontelo à Cava de Viriato e Parque da Cidade. Para que se tenha uma ideia da dimensão, o orçamento da autarquia reserva actualmente dois milhões de euros só para as despesas de manutenção com espaços verdes.

Quanto à ecopista, estende-se por um percurso de 49km, no troço da extinta via férrea Santa Comba Dão-Tondela-Viseu, proporcionando passeios de bicicleta ou a pé em contacto com a natureza e os rios Dão e Paiva. A logística inclui espaços para alojamento e aluguer de bicicletas e um site com toda a informação.

A visita à Quinta de Lemos serviu para mostrar a excelência das mais modernas produções vinícolas da região, onde com uma agricultura e tecnologia de vanguarda se produzem vinhos de qualidade mundial. Além da visita à adega e cuidada cave cavada contra o granito — onde estagiam 100 mil garrafas que são vendidas em 20 países — os turistas podem agora desfrutar também de um restaurante gastronómico. Abriu portas há uma semana e tem a chancela do chef Diogo Rocha, um dos mais talentosos chefs da nova geração, que aposta numa cozinha com produtos da quinta e da região. O nível é de excelência, não será é para todas as bolsas.

Um passeio guiado pelas ruelas da zona histórica serviu não só para viajar até às origens e percurso da cidade até aos tempos modernos, como também para demonstrar as virtualidades do turismo histórico e arqueológico. Os percursos são criados e guiados por especialistas (www.neverending.pt) e servem para mostrar como a cidade evoluiu desde tempos pré-históricos, à convivência entre celtas e lusitanos, à fixação dos romanos, passando pelas invasões bárbaras, as lutas entre cristão e muçulmanos, a prosperidade das descobertas, do ouro do Brasil e o esplendor do barroco.

Tudo isto é ainda visível em pormenores espalhados pelas ruelas do centro histórico, revelando uma cidade que sempre teve na actual zona da Sé a sua centralidade. Da cidade romana de Veseum do século I, à original muralha do século III e à centralidade política adquirida no século XII e que levou D. Henrique e D. Teresa a aqui se instalarem, no paço onde hoje está a Sé.

Por isso há quem sustente, fundamentadamente, que foi precisamente aqui que nasceu Afonso Henriques. A questão é que a cidade viria a colocar-se do lado da mãe na luta pela fundação de Portugal, em que saiu derrotada. E como dos fracos não reza a história...

Com ou sem paixão histórica, aí está um aliciante mais para revisitar as origens pelas ruelas de Viseu.

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