Fugas - Viagens

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    Antibes, praia Renato Cruz Santos
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Côte d’Azur: Quem pintou esta paisagem?

Por Luís Octávio Costa

O pó de perlimpimpim de Nice está dos detalhes. Está na luz — 300 dias de sol por ano — mas também na arte de viver. Vamos pela Riviera francesa também com passagem por Cannes (sem festival) e outras descobertas luminosas.

Nice, uma cidade com varinha de condão

A placa assinala com letras torneadas: “Fabrique de Baguettes Magiques”. No interior, David Mournard perde-se entre ferramentas, frascos, documentos secretos e ramos, troncos e galhos retorcidos, madeira mágica e um estreito corredor que nos conduz a um pátio, uma mini-floresta que parece habitada por duendes e druidas. Só há uma tradução possível: Fábrica de varinhas de condão. “Faço uma ou duas entre o restauro de móveis”, conta David. “Quando acontece algo bom digo que a culpa é delas”.

Era uma vez uma fábrica de varinhas de condão em Nice, uma cidade onde acontecem coisas boas — e a culpa nem sempre é delas —, que tem 300 hectares de parques e de jardins (e que decidiu ser “ cidade verde do Mediterrâneo”), que usufrui de uma costa com dez quilómetros (e cerca de 7,5 de uma sedutora praia de seixos que nos acompanha e que parece não nos querer deixar ir embora), que é a quinta cidade francesa mais populosa (350 mil habitantes; 50 por cento com menos de 40 anos), que tem a maior concentração de museus depois de Paris, que é a capital da Riviera francesa (o segundo destino turístico francês mais procurado, depois de Paris; e o segundo aeroporto francês mais utilizado, agora com um voo easyJet directamente de Lisboa), que é dinâmica e cosmopolita e que ao mesmo tempo sabe conservar os nomes antigos das ruas, os letreiros de madeira das lojas “mais antigas do mundo”, o interior (e, literalmente, o recheio) da Maison Auer, onde a rainha Vitória se abastecia de chocolates e de frutas cristalizadas, que tem um sotaque próprio (é “Nizza” para os italianos que governaram até 1860 e um agradável “nice” para os ingleses que há mais de um século transformaram a cidade na era vitoriana).

O pó de perlimpimpim de Nice está dos detalhes. Está na luz, naturalmente — estatisticamente são 300 dias de sol por ano. Está na inesgotável Promenade des Anglais, construída a partir de 1822 (Património da Humanidade para a UNESCO), que vive intensamente a vida dos seus habitantes e que nos atrai como um íman para as suas cadeiras azuis alinhadas em grupos e viradas para o mar de cores indescritíveis (que fascinou Henri Matisse), para uma multidão de seixos e para uma energia luminosa que contagia toda a cidade. Os ingredientes mágicos estão na vista da colina florida Le Château, onde Nice nasceu (nos parques e na cascata que lá se escondem). Estão nos enquadramentos e nas molduras de palmeiras. Estão na Casa Bestagno, loja de guarda-chuvas fundada em 1850 que parece ter sido montada, peça a peça, para parecer vintage. “No Inverno, os fundadores vinham todos os anos a pé do Lago Maggiore. E pelo caminho reparavam guarda-chuvas”, explica à Fugas Gino Bestagno, com um espaço na Rue de la Préfecture que parece retirado de uma casa de bonecas. Estão no delicioso mercado de flores e legumes e na imperdível feira de antiguidades — e na deliciosa banca de posters originais de publicidade junto à casa que já foi de Matisse.

Há algo em Nice que nos faz pensar num top. Top das cidades europeias que nos fazem ir e voltar vezes sem conta. Um, dois, três, diga-lá-outra-vez: Madrid, Paris, Berlim... E, na verdade, nenhuma delas tem um relógio municipal tão certeiro (um tiro de canhão todos os dias à hora certa, 12h00). Nenhuma delas exibe nas suas ruelas mais pitorescas tantas Vespa vintage por metro quadrado. E qualquer uma dela gostaria de se gabar de ter esta costa, a Baía dos Anjos — sem praias privativas como os vizinhos de Cannes, onde o comum mortal só pisa a areia quando o rei faz anos (“Por aqui, se as privatizassem, provocariam uma revolução”, dizem os orgulhosos habitantes de Nice).

Nice sabe estar. É uma cidade tradicional e original que partilha as virtudes de algumas capitais cosmopolitas, conseguindo esconder alguns dos defeitos dos seus “concorrentes”, mais cansados, desalinhados e poluídos.

O trabalho de Nice passa por ter 125 quilómetros de ciclovias (o projecto lés vélos blues, com um mapa disponível para iPhone, tem 175 estações separadas por apenas 300 metros), mais de 200 carros eléctricos (disponíveis em 70 locais) e uma linha de metro à superfície (usada por 110 mil passageiros por dia) com 8,7 quilómetros que revolucionou diversas zonas pedonais e que se faz (por 1,50 euros) na companhia de um museu a céu aberto composto pelas obras de 13 artistas contemporâneos (prevê-se que a segunda linha, que ligará o aeroporto ao centro da cidade, esteja pronta em 2017 e que chegue ao velho porto em 2019). O trabalho da cidade passa por um espaço nobre como La Promenade du Paillon, um parque urbano com cerca de 12 hectares no coração da cidade (que une Promenade des Anglais ao Museu de Arte Moderna e Contemporânea, MAMAC, que em Junho inaugura uma exposição de Julião Sarmento) com um sem número de espaços verdes e interactivos, diversões em materiais sustentáveis e refrescantes geringonças de água cronometradas. E esse trabalho reflecte-se nas zonas da cidade que se complementam e que se entrelaçam, esbatendo as suas fronteiras. Rodeado por edifícios ocre, o velho porto de Nice é um dos exemplos da requalificação e do rejuvenescimento. À vista desarmada (da colina Le Château), e palco para luxuosos iates e pequenos barcos de pesca, neste rectângulo perfeito coexiste a memória de espaços como o restaurante L’Ane Rouge, frequentado em tempos por Marc Chagall (cuja cozinha é hoje liderada pelo perfeccionista Michel Devillers), e também o futuro artístico promovido por galerias como a Maud Barral, instalada numa antiga oficina de motores de barcos e membro da Associação Botox’s, que existe para promover a arte contemporânea na Côte d’Azur.

O porto faz paredes meias com uma série de lojas de antiguidades e projectos de recuperação de objectos vintage. A palavra chave é Bonaparte (Napoleão morou aqui entre em 1794), uma zona a que os locais se habituaram a chamar de “pequeno Marais” (Nice orgulha-se de ser gay-friendly) e onde florescem todo o tipo de bares, gelatarias, lojas de roupa e adereços e pequenos negócios alternativos (como uma fábrica de varinhas de condão, mesmo junto à Place Garibaldi, a praça dos aperitivos; e pátios dedicados exclusivamente à venda de artigos em segunda mão). Isto sem esquecermos que a alguns passos de distância podemos mergulhar no mundo da alta costura e espreitar as tendências de cerca de 50 dos mais prestigiados rótulos (Galeries Lafayette, Louis Vuitton, Chanel, Hermès, Cartier, Armani...).

Sem perdermos de vista o bairro Bonaparte, esgueiramo-nos por entre a velha Nice, que um dia reuniu um concílio para decidir as cores das suas ruas estreitas (ganharam o ocre e o verde), das pequenas colinas de escadas, das vielas sombrias, dos pátios luminosos e de uma arquitectura que varia entre a arte barroca, os edifícios Belle Epoque, a Art Deco, a arquitectura da Sardenha e o estilo genovês.

Cada rua é identificada por duas placas: a de cima com o nome actual; a de baixo com o nome original e um pouco de história. Há letreiros pintados que sobrevivem nas fachadas do comércio tradicional, há nomes de influência italiana, há cheiros que invadem as ruas — o vinho da adega Caves Caprioglio, a torrefacção no Indiane, os raviolis Cappellettis, as tábuas sortidas do Lou Pilha Leva, o peixe fresco na Place Saint-François, o duelo de talhos na rua Pairoliere, a Merda de Cão (gnocchi com recheio de pesto e alho) do restaurante Acchiardo...

Outra das grandes tentações tem um rótulo. Chama-se cuisine niçoise e é servida em restaurantes com esta marca registada e acompanhada pelo slogan Cuisine Nissarde, le respect de la tradition. A culinária pretende reflectir a arte de saber viver que se respira na cidade e o uso de produtos regionais (a par do azeite e das ervas aromáticas). Para além disso, Nice é a única cidade da França a ter um vinhedo coberto por uma designação de origem controlada dentro das suas fronteiras (título conquistado em 1941) — nas encostas Bellet, uma das mais antigas variedades de uvas de França produz excelentes brancos, tintos e rosés, cuja reputação precede-os para além da região.

As varinhas de condão estão espalhadas pela costa, junto ao mar, no encalço de Festival de Cinema de Cannes, que fica a uns minutos de distância, das frescas impressões digitais de Pablo Picasso, de Chagall, de Miró e de Giacometti, algures entre Saint-Paul de Vence, Vallauris e Juan les Pins, que estão mesmo aqui ao lado, do Mónaco, de Itália...

 

A verdadeira Cannes (sem a palavra festival)

Ernest Buttura, Joseph Contini, Adolphe Fioupou... No século XIX, esta geração de pintores viu à distância — e pintou — Cannes, uma pequena cidade de pescadores dispersa na paisagem. Ainda hoje, o Musée de la Castre mostra como tudo era antes e como tudo mudou quando, em 1834, o destino colocou Cannes na rota de Lord Brougham, que não atracou em Nice devido a uma epidemia de cólera. Quase por acidente, o chanceler inglês ficou em Cannes e elogiou de tal forma esse pedaço de terra que a aristocracia inglesa, curiosa, o inundou, aproveitando as maravilhas de um Inverno ameno. Esse é o antes. O depois são mansões nos quatro cantos da cidade — perdão, da modesta vila piscatória — que num ápice viu nascer na sua baía curva (como que desenhada a pincel) a famosa Promenade de la Croisette, as fileiras de palmeiras, os bancos de ferro, a iluminação a gás e a primeira de muitas praias privativas.

Já podemos sair do museu. Essa Cannes ainda existe — vemo-la da torre do Musée de la Castre. E essa talvez seja a verdadeira Cannes — talvez mais até do que a Cannes que normalmente ouvimos associada à palavra “festival” —, a cidade do sol e do mar (os locais e os menos locais dizem que estes são os seus melhores produtos de beleza), das cadeiras viradas para o Mediterrâneo, das canas de pesca espetadas na areia, dos barcos de madeira entre iates milionários, dos contrastes pitorescos, dos hotéis-palácio Belle Époque e Art Deco (a começar pelo imponente Carlton) e dos aromas que sentimos quando paramos para acompanhar o ritmo da “Croisette” — alheios ao facto de ter sido esta a fonte de inspiração para o perfume mais famoso do mundo, o Chanel Nº 5.

A baía, uma das mais famosas do mundo, ganhou boutiques de luxo, hotéis-palácio, um Palácio dos Festivais (1947), que anualmente reúne a crème de la crème do cinema, prosperidade e fama internacional. Mas a cidade não esqueceu as suas origens populares, o rigor e a descontracção do jogo da petanca na Place de l’Etang, as escadas retorcidas e as vielas do Suquet e a agitação do Marché Forville, inaugurado em 1870 e apelidado de “barriga de Cannes”, dada a sua importância para o quotidiano das pessoas que ali vivem. Todos os dias (excepto à segunda-feira, altura em que o espaço se transforma numa movimentada feira de antiguidades) é possível apreciar o frescura dos bolbos de funcho, abrir ouriços do mar (e comer o recheio com uma colher de chá), tentar distinguir queijos (pela forma, cor ou cheiro) e esperar ansiosamente pela nossa porção de “socca”, uma espécie de panqueca de grão-de-bico, água, sal e azeite preparada em forno de lenha. Não se esqueçam de polvilhar com pimenta.

Em Cannes, o cinema é como um tempero. São elementos indissociáveis — a cidade recebe 2.5 milhões de visitantes por ano e muitos deles vão porque o seu actor preferido já lá esteve ou ainda lá está. A sombra do cinema está em todo o lado, é indispensável, obrigatória para o prato ficar completo (visitas guiadas a seis euros por pessoa). São as passadeiras vermelhas em sítios inusitados, são as fotografias das estrelas que já passaram por aqui (e por aqui, por ali e também por aqui), são os moldes das mãos gigantes de Sylvester Stallone a alguns metros das mãos de Akira Kurosawa (muito procurado pelos muitos turistas asiáticos), são os murais gigantes que homenageiam Charlie Chaplin e o poster do filme The Kid, Buster Keaton, Jacques Tati e Marylin Monroe. São os preparativos quase carnavalescos para um festival que nasceu em 1939. E somos nós, que nos podemos transformar numa “Bond girl”, nos “anjos de Charlie” ou num “jedi” — basta encaixar a cabeça nos moldes de ferro “plantados” ao longo da baía.

Apanhamos um ferry (travessia de 15 minutos; 13 euros por pessoa) e afastamo-nos dela. Lentamente, aproximamo-nos das Ilhas Lérin (Saint-Honorat e Sainte-Marguerite) e da verdadeira máscara de ferro. Enquanto a primeira ilha, mais pequena e recatada, se mantém indiferente aos iates e às beldades que se banham nas suas águas (é possível conviver com os monges, os únicos habitantes da ilha que produzem vinhos e licores como o Lérina e o Lerincello), a segunda, virada para Cannes, continua a esconder de milhares de visitantes a verdadeira identidade do seu mais famoso morador: o homem da máscara de ferro.

Entre eucaliptos e pinheiros centenários, a principal atracção é uma das masmorras do Fort Royal, um vasto complexo de fortificações do século XVI ocupado pelos espanhóis durante a Guerra dos Trinta Anos, onde esteve presa a mais enigmática personagem da história francesa. Seria o irmão gémeo de Luis XIV? O seu irmão bastardo? Ou o seu verdadeiro herdeiro, o duque de Beaufort? Há uma teoria escondida atrás de cada porta, quase tantas quantas as esculturas da iniciativa Land Art (peças criadas em regime de residências artística unicamente com materiais encontrados na ilha) que vão dando vida a este santuário de pássaros e outras espécies de animais e plantas.

Fim de tarde. Navegamos em direcção a Cannes. Por momentos recuamos no tempo.

 

Vallauris, Juan les Pins, o nosso guia chama-se Picasso

Começamos aqui — como podemos começar por ali, porque o rasto de Picasso, da tinta, dos pedaços de madeira retorcida, da argila húmida também está ali, sente-se, é omnipresente. Começamos em 2014, pelo fim, por Vallauris. No cimo desta pequena avenida (Vallauris tem mais do que esta “avenida”?) fica o Museu Nacional Picasso, um achado. Uns metros abaixo está escondida a Galeria Madoura, uma cápsula do tempo. Aqui, a meio da avenida é fácil não darmos pelas portas da antiga barbearia, de fachada verde e preta, a barbearia onde Picasso costumava ver-se ao espelho.

Esta história só não aconteceu em Espanha por culpa de Franco. Homem de poucos estudos, Eugenio Arias aprendeu a arte do tio, barbeiro. O pai era alfaiate, a mãe guardava ovelhas e ele começou a trabalhar aos onze anos na barbearia, onde se encaixavam uma pequena biblioteca e várias discussões sobre teatro e as artes em geral. Eugenio teve vários clientes camaradas e juntou-se à Resistência, onde conheceu Picasso. Em 1948, depois da guerra, estabeleceu-se em Vallauris, onde Picasso tinha uma das suas casas.

Arias descrevia o artista como o seu segundo pai. E o seu “segundo pai” ofereceu ao filho adoptivo um automóvel para ter a certeza de que ele nunca falharia um compromisso (e um corte de cabelo, que nunca foi basto). Pablo Picasso foi o seu padrinho de casamento e preferiu sempre expor os seus quadros e esculturas na sua barbearia do que vendê-los a coleccionadores alemães ou japoneses. E quando Franco morreu, em 1975, Arias regressou a Buitrago, localidade espanhola que ainda hoje alberga outro Museu Picasso.

Este ficou aqui, a meio desta pequena avenida, em Vallauris. O espaço da barbearia tem duas áreas. Uma, fechada, à espera de melhores dias, acumula objectos, cadeiras, espelhos e memórias. A outra foi alugada há cerca de um ano pela artista brasileira Irene Hamilton, há dez anos em França e há um nesta cidade de artistas e de cerâmica — porta sim, porta sim. “Pierre, filho de Eugenio, queria alugar, mas não queria tirar nada”, disse à Fugas. “Insisti porque vi que este era um bom sítio para pintar”.

A melhor maneira de descobrir esta região, com uma forte tradição na cerâmica, é mesmo na companhia de Picasso, o seu mais famoso embaixador — e fazer de conta que algures durante a visita o encontraremos com o pé numa roda de oleiro. A popularidade das suas peças levou a Vallauris visitantes famosos e uma série de artistas. Ainda hoje artesãos e artistas confundem-se na pitoresca avenida Georges Clemenceau, onde convivem lojas, ateliers e galerias de arte (e os restos mortais de uma barbearia).

Picasso é omnipresente. No Museu Nacional (especialmente por causa de “Guerra e Paz”, o seu incrível trabalho que reveste o interior ogival da capela românica), na praça com a estátua de bronze de um homem com um carneiro ao colo (uma das poucas estátuas do pintor numa praça pública, junto à igreja onde casou com Jacqueline Roque; e onde Rita Hayworth casou com o príncipe Aly S. Khan) e na galeria Madoura, onde ainda hoje Picasso parece estar vivo e com as mãos sujas.

Em 1946, Picasso visitou uma exposição de cerâmica em Vallauris e foi convidado por Suzanne e Georges Ramié, donos da marca Madoura, a fazer três peças. Picasso concordou, deixou as peças a cozer e voltou um ano depois, tendo-se apaixonado pela qualidade dos acabamentos. O artista pediu para fazer mais e foi ficando — produziu 633 peças em edições limitadas de 25 a 500 exemplares e com o selo Madoura. Hoje, aos poucos, a galeria revela algumas peças e um capítulo da história de Picasso, cujo espaço de trabalho foi conservado até ao mais pequeno pormenor — até à mais pequena ferramenta.

Podemos começar por aqui. Ou podemos começar em Antibes Juan-les-Pins (a poucos minutos de Vallauris), no coração da Riviera francesa, entre Nices e Cannes. Dizem que num dia de vento mistral pode avistar-se Córsega. Talvez essa tenha sido a fonte de inspiração de tantos escritores e artistas plásticos. Para descobrir Antibes Juan-les-Pins basta olhar à volta, apontar para o Castelo Grimaldi e serpentear através de uma cidade que durante séculos desempenhou um papel importante como ponto estratégico comercial e militar. Por isso, sofreu na pele sucessivas guerras, invasões, epidemias e renovações. Foi reconstruída com as mesmas pedras sobre pedras, empilhadas uma e outra (e outra) vez sem sentido estético — pedras com nomes romanos que às tantas foram encaixadas no puzzle de pernas para o ar para afastar o mau olhado. Desafio para turista: uma dessas pedras invertidas está numa torre e tem inscrito o nome original da cidade (Antípolis, a cidade do outro lado).

Do lado de cá, é obrigatório chegar ao Castelo Grimaldi, que em 1926 foi comprado (e resgatado) pelo município e que em 1946 foi a casa de Picasso. Durante seis meses, o espanhol pintou, desenhou e esculpiu e teceu. “Se quer ver a fase Antibes de Picasso tem de a ver em Antibes”, diz-se por aqui. Pode dizer-se que a fase Antibes de Picasso começou no velho cais. Sem telas suficientes, Picasso regressava ao castelo com pedaços de madeira de barcos e outros materiais (até quadros com outras assinaturas ou as paredes do castelo, que abandonou devido à humidade) que usava como suporte para as suas façanhas. Muitas peças ficaram naquele que hoje é um dos museus Picasso (no terraço convivem esculturas de Germaine Richier, Joan Miró, Bernard Pagès, Anne e Patrick Poirer), o primeiro em todo o mundo dedicado ao artista.

O turismo local oferece o mapa “a Riviera dos pintores” onde estão assinalados os locais onde artistas como Pablo Picasso, Eugène Boudin e Claude Monet tinham instalados os seus cavaletes quando pintaram.

 

Saint-Paul de Vence, o labirinto das artes

Marc Chagall viveu até aos 97 anos. Morreu em Saint-Paul de Vence, uma das mais antigas cidades medievais da riviera francesa. Enfeitada com seixos e moedas, a campa do pintor judeu está num pequeno cemitério com vista privilegiada sobre o vale — e alguns hectares de vinha — que inspirou o próprio Chagall, que aqui viveu 19 anos. Foi na década de 20 que Saint-Paul de Vence foi descoberta pelos artistas, no topo de uma colina. E a sua fase dourada aconteceu entre os anos 50 e 60, altura em que actores, realizadores e outras vedetas descobriram as suas encostas graciosas, os seus refúgios e os curtos caminhos para o mar azul.

Saint-Paul de Vence é pequena como um dedal. Percorremos as suas ruas num par de horas ou respiramo-las num par de dias. Apreciamos o estilo dos mestres da petanca (podemos ter aulas deste elegante jogo ou alugar um conjunto por dois euros/pessoa), perdemo-nos no número de ferraduras do cavalo Lucky (obra de Rémi Pesce), no número de estátuas e esculturas que nos acompanham e também no número de galerias (última contagem: 50) e de ateliers (mais de 30) que se acotovelam dentro da muralha de uma cidade com cerca de três mil habitantes e um raio de um quilómetro. Pausa (por gula, confessamos). Descemos ao espaço La Petite Cave, provamos um bom vinho (Bandol Rosé) e outras delícias de tomate seco, azeitona e sumo de limão antes de retomarmos as estreitas vielas medievais (nova pausa na capela decorada por Jean-Michel Folon) cheias de recantos, turistas e experiências artísticas. Saint-Paul de Vence merece ser visitada pelos encantos de uma castiça localidade da Provença. Mas também por ser uma lenda.

Se nos afastarmos um pouco, facilmente encontraremos a Fundação Maeght, um exemplo único de uma fundação privada na Europa e de um museu que se deixou envolver pela natureza. Inaugurado em 1964, este conjunto arquitectónico (até ao dia 9 de Junho é possível ver a exposição “A arte e a Arquitectura de Josep Lluís Sert”, que assina o edifício e a envolvente) foi pensado e financiado por Marguerite e Aimé Maeght para apresentar a arte moderna e contemporânea em todas as suas formas. Aqui, somos recebidos por uma colecção de artistas que colaboraram de perto com o arquitecto espanhol na concepção deste espaço de espaços. Pela capela com vitrais de Georges Braque, pelo interminável mural de Tal-Coat, pelo som do lago de Bury e pelo impressionante mural de mosaico de Chagall. A Fundação, a comemorar o 50.º aniversário, exibe ainda o pátio Giacometti, mesmo ao lado do labirinto de Joan Miró, povoado por esculturas e pelo humor do artista de Barcelona.

 

GUIA PRÁTICO

Como ir
A Fugas viajou no dia de lançamento do voo Lisboa-Nice da easyJet (duração de 2h10).

Onde dormir

Hôtel Novotel Cannes Montfleury
25 avenue Beauséjour, Cannes
www.novotel.com

3.14
5, Rue François Einesy, Cannes
www.314cannes.com

Hôtel Juana
La Pinède - 19 av. Georges Gallice, Juan-les-Pins
www.hotel-juana.com

Hôtel La Vague de Saint Paul
Chemin des Salettes, St Paul de Vence
www.vaguesaintpaul.com

Hotel Windsor
11 Rue Dalpozzo, Nice
www.hotelwindsornice.net

Onde comer

3.14
5, Rue François Einesy, Cannes
www.314cannes.com

Bistrot Terrasse Hôtel Juana
La Pinède - 19 av. Georges Gallice, Juan-les-Pins
www.hotel-juana.com

Nacional
Place Nationale - Vieille ville d’Antibes
www.restaurant-nacional-antibes.com

Hôtel La Vague de Saint Paul
Chemin des Salettes, St Paul de Vence
www.vaguesaintpaul.com

Attimi
10 Place Massena, Nice
www.attimi.fr

L’Âne Rouge
7 Quai des 2 Emmanuel, Nice
www.anerougenice.com

Luc Salsedo
14 Rue Maccarani, Nice
www.restaurant-salsedo.com

Acchiardo
38 Rue Droite, Nice

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