Fugas - Viagens

  • No Verão, as margens do rio Umeä fervilham de vida com a presença de muitos jovens
    No Verão, as margens do rio Umeä fervilham de vida com a presença de muitos jovens Sousa Ribeiro
  • A inauguração do Väven (foto de baixo) constitui um dos pontos altos de Umeä-2014 e o seu exterior será contemplado com uma estátua de Stieg Larsson
    A inauguração do Väven (foto de baixo) constitui um dos pontos altos de Umeä-2014 e o seu exterior será contemplado com uma estátua de Stieg Larsson Sousa Ribeiro
  • A exposição fotográfica sobre os Roma
    A exposição fotográfica sobre os Roma Sousa Ribeiro
  • Sem ser deslumbrante, Umeä possui carácter e exerce sobre quem a visita um certo magnetismo.
    Sem ser deslumbrante, Umeä possui carácter e exerce sobre quem a visita um certo magnetismo.
  •  Suécia, Umeå, uma das Capitais Europeias da Cultura. Centro da cidade com a câmara municipal em destaque
    Suécia, Umeå, uma das Capitais Europeias da Cultura. Centro da cidade com a câmara municipal em destaque DR/visitumea.se
  •  Suécia, Umeå, uma das Capitais Europeias da Cultura. Aurora boreal vista na região
    Suécia, Umeå, uma das Capitais Europeias da Cultura. Aurora boreal vista na região DR/visitumea.se

Porta de entrada na Lapónia sempre aberta para a cultura

Por Sousa Ribeiro

Umeå, capital europeia em 2014, a par com Riga, vive em perfeita harmonia no passado, no presente e no futuro. Com pouco mais de cem mil habitantes, a cidade mais populosa do Norte do país é um ninho de estudantes universitários que se encarregam de encher as suas ruas de vida, mais ainda num ano especial, com uma agenda cultural tão preenchida.

-Aquele jardim é novo!

As duas jovens, sentadas à minha frente no autocarro vindo de Estocolmo, vão conversando animadamente em inglês enquanto lançam olhares através da moldura da janela que deixa ver um céu de um cinzento uniforme. Um pouco por todo o lado, e não apenas no espaço contíguo à universidade que a sueca e a inglesa agora fitam, a cidade mostra traços de uma transformação que perde brilho à luz mortiça da manhã que se espreguiça. Pouco passa das seis, Umeå dorme profundamente envolta em nuvens e silêncio e só os vidros de uma ou outra garrafa espalhados pela rua deserta confirmam que a vida, com todos os seus excessos, pauta a sua existência agora dissimulada.

A bonita estação de comboios, com o seu telhado verde, recorta-se contra a abóbada pesada, a praça em semicírculo, composta por exíguos espaços comerciais, vive a sua solidão matinal e só ao fim da Radhusespl, quando o elegante edifício da câmara se anuncia, surgem os primeiros sinais de presença humana. Todos os anos, durante três dias, Umeå recebe um importante mercado e os vendedores, provenientes de aldeias próximas ou de países mais exóticos, vão montando as suas tendas, que não tardarão a atrair os olhares dos transeuntes.

- É uma cidade jovem, cheia de vida mas – e ergue os olhos – o frio faz-me sentir saudades das Filipinas.

Com o seu sorriso fácil, Cris Degracia Holmgren, casada com um sueco e a residir em Umeå há oito anos, convida-me a provar algumas das delícias locais que, com esmero e com a ajuda da irmã, Jessica Degracia, vai colocando na bancada ainda órfã de visitantes. Caminho na direcção do rio, aceito com prazer a serenidade do Döblens Park, de onde avisto a Kyrkbron, a Tegsbron e a Gamla bron, as pontes que cruzam o rio Umeå, e demoro-me um pouco mais a admirar o exterior da mais importante igreja da cidade e a exposição ao ar livre dedicada aos Roma, uma admirável apresentação de rostos a preto e branco que clama o respeito pelas minorias – a despeito de um crescente movimento nacionalista, a Suécia permanece com um país aberto aos exilados políticos, acolhendo em média, anualmente, cinco centenas de refugiados dos mais diversos quadrantes.

- Não consigo perceber, num país como a Suécia, a lógica nacionalista e as suas manifestações de racismo. Fui educada a respeitar as diferenças e tenho esperança de que as próximas gerações erradiquem de uma vez por todas este sentimento xenófobo que deveria envergonhar todos os suecos – enfatiza Terese Jonsby, já com mais de 35 verões festejados, muitos deles dedicados à sua paixão pela pintura.

Lanço um derradeiro olhar às fotografias e regresso ao centro com a frase a martelar-me o cérebro: “Eles estão a olhar para ti porque querem que tu olhes para eles.” As artérias principais começam a encher-se de gente, os aromas a comida tailandesa perfumam a atmosfera, os vendedores mantêm-se serenos mesmo quando os potenciais compradores olham os seus produtos com indiferença. Junto ao posto de turismo, sentados num banco, um casal de idosos rodeia-se de cerveja.

- Roger!

Ele apresenta-se mas acrescenta em tom de brincadeira:

- Moore! Roger Moore!

Nem ele nem Irene Eliasson aguardam o momento de abertura do espaço que promove Umeå como uma das capitais europeias da cultura em 2014; tão-só esperam que o conteúdo das garrafas se esgote para irem às suas vidas. A mulher, com 72 anos, assume um tom nostálgico:

- Umeå sofreu uma profunda renovação nos últimos anos que, em grande parte, se fica a dever ao elevado número de estudantes universitários (cerca de 30 mil e mais de quatro mil funcionários) que vive na cidade. Quando eu era criança, numa época em que, como muitas das minhas amigas, usava tranças e tinha apenas um vestido, todos se conheciam. Os tempos são diferentes mas eu continuo a gostar de Umeå, da sua agitação, da sua juventude espontânea e divertida, vivendo intensamente o mais belo período das suas vidas. E este ano, mais do que nunca, sinto-me orgulhosa pelo trabalho desenvolvido, perante tantas e tão diversificadas manifestações culturais que atraem mais visitantes do que nunca.

Na cidade que é considerada a porta de entrada para a Lapónia sueca, uma outra porta se abre, a do posto do turismo, e eu não tardo a cruzar o meu olhar com o de Erja Back, as rugas marcando-lhe um rosto emoldurado por uma expressão dócil.

- Definitivamente! Há um considerável aumento no número de visitantes e os hotéis estão quase sempre cheios. A expectativa inicial apontava para um incremento de turistas na ordem dos 10 a 15% mas, a julgar pela tendência dos primeiros seis meses, estou convicta de que, até finais de Dezembro, essa estimativa será superada.   

Erja Back, natural de Umeå, estudou e viveu sempre nestas paragens. “É uma cidade onde é muito fácil viver e, ao mesmo tempo, uma cidade que se percorre a pé sem qualquer esforço. Em Umeä não é necessário ter carro, tudo está situado a curta distância. Mesmo os espaços nos arredores, como o lago Nydala ou o rio Umeå, podem ser alcançados de bicicleta — e até o mar, a apenas 18 quilómetros de distância. Por outro lado, os índices de criminalidade estão entre os mais baixos em toda a Suécia. Umeå é cool e hip, um lugar ao qual os muitos jovens emprestam grande energia, fazendo com que as coisas aconteçam e se sucedam as actividades culturais.

A cultura em oito épocas

Inspirada no calendário sami, uma vez que Umeå faz parte do Sápmi (o território habitado por aquele povo indígena que se estende da Noruega à Rússia, passando pela Suécia e pela Finlândia), a organização dividiu os eventos em oito fases, quatro das quais já fazem parte do passado (época das preocupações, época do despertar, época do regresso e época do crescimento), contemplando um grande número de exposições, acontecimentos desportivos e festivais, entre os quais o popular House of Metal que, todos os anos, no início de Fevereiro, tem lugar na Folkets Hus, a Casa do Povo, juntando milhares de fãs do heavy-metal numa cidade onde — como em nenhuma outra, em todo o país —, se exacerba tão fortemente o culto deste estilo musical — uma das bandas suecas mais famosas, os Refused, começaram a tocar em Umeå.

Ontem, 11 de Julho, arrancou a época da contemplação, que tem como ponto alto o festival de música UxU (a NorrlandsOperan faz história com uma versão única e ao ar livre de Elektra, de Richard Strauss, em colaboração com os catalães La Fura dels Baus), um teatro de Verão no Kulturcentrum (incorpora acrobacia, fogo e dança), um projecto designado Art Camp, com vários artistas ocupando parques de campismo para exporem os seus trabalhos, um festival de música folk e blues (em Holmön terá lugar o 20.º festival da canção) e alguns eventos desportivos que abrangem futebol, ciclismo e atletismo.

Umas gotículas mancham o empedrado da rua mas os meteorologistas anunciam subida das temperaturas e dias de um sol radioso. As tendas registam agora uma afluência considerável, os pequenos restaurantes de rua já poucas cadeiras têm vagas, a cerveja começa a substituir o café, a cidade está mais desperta do que nunca. E assim promete continuar até ao final do ano. Entre 29 de Agosto e 9 de Outubro, decorre a época das colheitas, incluindo no programa circo contemporâneo, artistas de rua, um festival de rock e de jazz e, com o início de novo ano escolar, o projecto Fair City, focado na educação do futuro. O cartaz inclui ainda, durante esse período, um festival cultural chinês e a semana da moda, culminando com uma exibição de tesouros sami, em Lycksele, cidade também pertencente à província de Västerbotten e onde funciona um campus universitário.

Umeå é, definitivamente, uma cidade com os olhos postos no futuro e se a cultura é, há já alguns anos, uma parte essencial no seu dia-a-dia, a arquitectura vai conquistando também o seu espaço, com a inauguração do ultramoderno Väven, nas margens do Umeålven, um edifício que é já um ícone para os locais. Desenhado pelos arquitectos da mundialmente famosa firma Snohetta, o Väven irá acolher um museu, salas de música, de arte, artesanato, dança, bem como um hotel e alguns restaurantes.

Sem ser deslumbrante, Umeå possui carácter e exerce sobre quem a visita um certo magnetismo que nem um dia triste atenua. É convidativa na sua sobriedade. Discreta e exuberante. Difícil de definir. Alguém escreveu, não me recordo quem, que aqueles que chegam à cidade não tardam a pronunciar a sua sentença: “Há algo de especial em Umeå”. A grande questão, podia ler-se ainda, é apontar exactamente o que é “algo especial”.

A inauguração do Väven, nos últimos meses do ano, constitui um dos momentos supremos de Umeå-2014 e o seu exterior será contemplado com uma estátua de Stieg Larsson, uma das maiores celebridades suecas, escritor e jornalista, falecido há 10 anos, com a idade de 50. O autor da trilogia Millenium, com mais de 60 milhões de exemplares vendidos e traduzido em mais de 50 línguas, cresceu em Umeå e supõe-se mesmo que Lisbeth Salander, uma das personagens da sua obra, é baseada numa rapariga típica da cidade.

Afasto-me um pouco do centro, não muito, à descoberta do fascinante Guitars, o museu que recebe cerca de 500 guitarras eléctricas e outros objectos da cena musical desde a década de 1950. Umeå respira música e a última época, a da viagem, começa com um festival pop, prossegue com ópera e culmina com a festa virada para o futuro, Future flows through us. Pelo meio, anónimos e famosos, locais e turistas, todos poderão assistir ao espectáculo de uma cidade iluminada, o festival Umeå Autumn Lights.

Em Umeå, o ontem, o hoje e o amanhã vivem em perfeita harmonia. Sente-se respeito pelo passado, pelo presente e pelo futuro.

- Sim, Umeå tem tudo o que desejo, de nada sinto falta nesta cidade.

Despeço-me de Erja Back, viro-me para a porta e apercebo-me de que o sol espreita, reflectindo os seus raios tímidos na janela do posto de turismo. Antes ainda de a flanquear, pondo o pé na rua, oiço pronunciar o meu nome. Erja Back sorri, um sorriso malicioso:

- Na verdade, sinto apenas falta de uma coisa em Umeå: das noites quentes que tens em Portugal. Mesmo quando, durante o dia, os termómetros chegam aos 25 graus, o que acontece cada vez com mais frequência no Verão, à noite a temperatura cai para uns 15.

Viajo para norte, para lugares ainda mais remotos, abalado por uma firme certeza: nem serão quentes nem serão frias. Porque, por esta altura, nestes territórios são solitários, a noite simplesmente não cai. O dia perpetua-se como o futuro de Umeå.

GUIA PRÁTICO

Como ir

A opção mais em conta, durante o mês de Julho, para um voo entre Lisboa e Estocolmo é proporcionada pela Lufthansa, com uma escala em Frankfurt — a ligação à capital sueca é feita pela Scandinavian Airlines. A companhia aérea alemã oferece uma tarifa (ida e volta) de 307 euros, apenas menos 14 do que a TAP, com a vantagem desta última viajar directamente entre Lisboa e Estocolmo. Com um pouco de tempo e antecedência (não é o caso em Julho), a Vueling, com uma paragem em Barcelona, pode constituir uma alternativa menos dispendiosa. Desde Estocolmo, pode chegar a Umeå recorrendo ao comboio, ao autocarro, ao avião ou, ainda mais prático, alugando um carro. De comboio (pode consultar o site www.sj.se), há várias ligações entre as duas cidades mas, para encurtar o tempo da viagem (mais de 600 quilómetros), o ideal é utilizar o serviço de alta velocidade: saída da capital às 16h22 e chegada a Umeå às 22h53 horas e, no sentido contrário, partida às 15h05 e chegada a Estocolmo às 21h38 horas (o preço para os dois trajectos em segunda classe é de 130 euros). De autocarro, num percurso que demora entre nove e dez horas, fica um pouco mais barato (87 euros) e oferece a vantagem de viajar de noite (poupando numa dormida). A empresa Ybuss (no site www.ybuss.se conseguem-se por vezes tarifas reduzidas, como 15 euros por percurso) liga as duas cidades três vezes ao dia desde Estocolmo (8h20, 13h30 e 21h15 horas) e duas a partir de Umeå (8h e 20h25). De avião, com a Norwegian (www.norwegian.com), pode chegar em apenas uma hora a Umeä, por um preço ligeiramente inferior a 100 euros (ida e volta).

Quando ir

A Suécia pode ser visitada em qualquer época do ano mas muitos preferem fazê-lo no chamado Midsummer, um período que vai de Junho a meados de Agosto (quando começa o Outono) e que acolhe a maior parte dos eventos culturais. Nessa altura, um pouco por todo o lado, o país fervilha de vida, as esplanadas enchem-se de gente e, especialmente a norte de Umeå, o sol brilha até tarde e as noites não se sucedem aos dias. O Inverno, embora com condições atmosféricas adversas (as alterações climáticas têm provocado, nos últimos anos, mais chuva do que neve e verões mais quentes do que habitualmente), tem também os seus encantos, como os mercados de Natal e actividades tão do agrado das crianças na região da Lapónia.

Onde comer

Umeå, com pouco mais de cem mil habitantes, o que faz dela a urbe mais populosa do Norte da Suécia, tem alguns bons restaurantes (o famoso chef Mathias Dahlgren nasceu em Umeä) mas há dois que se destacam claramente da maioria: um deles o Rex Bar och Grill (www.rexbar.com), na Radhustorget (nas traseiras do edifício que no século passado abrigava a câmara municipal), com uma ementa diversificada de pratos de carne (incluindo rena) e uma deliciosa mistura entre a cozinha tradicional do Norte da Suécia e os sabores franceses; o outro, o Koksbaren (www.koksbaren.com/), na Radhusesplanaden, 17, distingue-se pelos seus petiscos num ambiente relaxante (funciona também como bar) e, ainda mais, pelas suas carnes grelhadas em forno a carvão.

Onde dormir

Para quem não abdica de luxo, um dos melhores hotéis de Umeä é o Confort Hotell Winn (www.choice.se), na Skolgatan, 62, um elegante espaço antes ocupado pelo Royal Umeå, com um conjunto de facilidades que inclui sauna e um restaurante que privilegia a cozinha internacional. Os preços para um quarto duplo variam entre os 85 e os 150 euros, bem mais do que cobra o STF Vandrarhem Umeå (www.umeavandrarhem.com/), na Västra Esplanaden, 10, um albergue de juventude com óptima localização e dormitórios a 20, quartos individuais a 30 e duplos a 50 euros.

A visitar

Situada a curta distância de Umeå, a ilha de Holmön, considerado o local mais soalheiro de toda a Suécia, tem um interessante museu náutico (barcos feitos e usados na região nos últimos 500 anos) e uma vasta colecção de artesanato tradicional, bem como alguns bons restaurantes no cais e praias óptimas para nadar. Entre meados de Junho e finais de Julho, Holmön vive dias agitados, com a realização de festivais, provas de remo entre a ilha e a Finlândia (que dista apenas 36 quilómetros) e um número razoável de actividades ao ar livre (uma prova de atletismo feminina ou passeios para observação da vida animal). As ligações entre esta ilha do arquipélago de Holmö (norte do Mar Báltico) são feitas a partir de Norrfjärden, a menos de 30 quilómetros de Umeå (o ferry opera duas ou três vezes por dia e o autocarro 118 liga a cidade ao porto marítimo).

A escassos vinte minutos a pé (pode utilizar os autocarros 2 e 7, desde o centro de Umeå), o viandante encontra Gammlia, um agrupamento de museus em que se destaca o Västerbottens, que traça a história da província desde tempos pré-históricos até aos nossos dias e exibições interessantes que incluem fotografias dos sami e a extraordinária colecção de esquis de tempos imemoriais — o mais antigo do mundo, com 5200 anos, pode e deve ser admirado. Mesmo ao lado, ficava, até há bem pouco tempo, o Bildmuséet, um museu de arte-moderna (mudou-se para a zona ribeirinha da cidade) então rodeado pelo Friluftmuséet, uma aldeia histórica a céu aberto por onde homens e mulheres se passeiam em trajes que são réplicas da indumentária usada há mais de 50 anos, enquanto revelam ao visitante detalhes desta ancestral forma de vida. Gammlia engloba igualmente o Fiske och Sjöfartmuseum, com a sua temática náutica, bem como uma típica padaria onde pode (e deve, uma vez mais) assistir a demonstrações da arte de fabricar o tunnbröd, um pão pouco espesso que faz parte da dieta dos habitantes desta região.

Informações

Os cidadãos portugueses apenas necessitam de passaporte ou cartão de cidadão para visitar a Suécia. Uma coroa sueca corresponde a 1,2 euros.

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