Portugal tem uma presença histórica em Paris que é mais fácil sentir do que identificar para lá do mundo da comunidade imigrante. No entanto, ciclicamente, essa marca portuguesa irrompe em França, mais ou menos episodicamente, fruto de modas politicamente induzidas ou da real inserção da comunidade lusa neste país.
Alguns exemplos dos mais recentes: o inesperado sucesso, no Verão do ano passado, do filme A Gaiola Dourada, de Ruben Alves; a atenção que as artes portuguesas têm registado no Théâtre de la Ville de Paris no festival Chantiers d’Europe, dirigido pelo luso-descendente Emmanuel Demarcy-Mota; os livros de José Saramago, Gonçalo M. Tavares e João Ricardo Pedro nas livrarias; os filmes de (e livros sobre) Manoel de Oliveira na Cinemateca; a pintura de Amadeo e os desenhos de Siza no Centro Pompidou; artistas de diferentes gerações nas galerias de arte; os pastéis de nata na loja Comme à Lisbonne; a recente edição da BD Portugal, de Cyril Pedrosa, e do livro Cristiano Ronaldo, Orgueil, Gloire et Préjugés [Orgulho, Glória e Preconceitos], de Marco Martins e Antoine Grynbaum; a chegada vitoriosa do luso-descendente Yohann Diniz à meta dos 50kms marcha nos últimos Europeus de Atletismo em Zurique, empunhando uma bandeira de Portugal…
Portugal está na moda em Paris? Há quem diga que sim; há quem diga que nada disto é diferente do que acontece com outros países e outras comunidades.
Que marcas físicas existem desta presença? E que imagem têm os portugueses junto dos habitantes da capital francesa?
Num trabalho recente (ver edição de 15 de Agosto), o PÚBLICO dava conta de que o velho estereótipo do imigrante português — o homem de bigode a trabalhar nas obras; a mulher de buço a limpar as casas — se mantém. Mas também é verdade que as novas gerações vêm baralhar o quadro. Mesmo se a personagem do adolescente de A Gaiola Dourada tenta esconder a origem dos pais imigrantes…
“A imagem do português em França ainda não mudou muito. A portuguesa ainda é a mulher da limpeza, mas é um luxo, é aquela que todos os franceses querem ter”, diz à Fugas Ruben Alves, na casa que foi o cenário principal de A Gaiola Dourada, junto ao Arco do Triunfo.
“Com o meu filme, tentei fazer com que a cultura portuguesa pudesse ser uma coisa mais grande-público, porque a representação, hoje em dia, de Portugal em França só se faz ou pelo futebol, pelo Cristiano Ronaldo, ou então pela cultura mais elitista”, acrescenta o realizador da obra que foi vista por mais de dois milhões de espectadores entre a França, Portugal e o resto do mundo.
“Ser português em Paris é uma imagem que vai mudando de ano para ano”, nota Hermano Sanches-Ruivo, vereador português na Câmara de Paris, reeleito este ano na lista do Partido Socialista. Este imigrante nascido em Alcains e radicado em França desde criança, nos anos 1970, utiliza uma curiosa imagem para descrever esta realidade. “Isto é um mil-folhas, e estamos a cada momento a cozinhar uma nova folha no interior.”
E Sanches-Ruivo assinala que a grande diferença dos portugueses — que, na região metropolitana Île de France, ascenderão a perto de 700 mil habitantes, 120 mil dos quais dentro de Paris — perante as outras nacionalidades, espanhóis, italianos e polacos, que também aqui chegaram por razões económicas, é a sua “capacidade de integração, mas sem serem assimilados”. “Aqui, o gueto nunca existiu. E essa ideia de os portugueses só conviverem com portugueses é mais o resultado da importância da família, e da solidariedade que ela implica”, acrescenta o autarca.
Miguel Magalhães, adjunto do director do Centro Gulbenkian em Paris, diz que “Portugal continua na moda em França”, e que isso se observa na atenção com que os parisienses seguem a programação da instituição. “Os estereótipos estão a ser ultrapassados. E nota-se o fascínio da terceira geração pelas suas origens”, acrescenta Magalhães, citando, como exemplo, o êxito da publicação de BD Portugal, de Cyril Pedrosa, ou da produção de filmes como As Ondas de Abril, sobre o 25 de Abril de 1974.
Mas esta realidade “portuguesa” que presentemente se vive em Paris, se é um fruto directo do fenómeno da imigração registada a partir dos anos 1960, é também resultado de uma narrativa mais longa, e que se inscreve na própria história da Europa, desde o século dos Descobrimentos. É este o tema do livro Les Portugais à Paris, de Agnès Pellerin (edição Michel Chandeigne, 2009), que faz um levantamento exaustivo da presença dos portugueses na capital francesa através dos tempos.
É este trabalho que serve de base ao roteiro que aqui propomos na descoberta das marcas portuguesas em Paris, e que têm uma expressão física na cidade.
Instituições
Embaixada
3, Rue de Noisiel (16.º Bairro)
Consulado
6, Rue Georges Berger (17.º Bairro)
São os lugares da representação oficial e diplomática do país e, como tal, seguem a regra destas instituições, sendo instaladas em zonas residenciais e de prestígio, de preferência em edifícios com patine histórica. Situados ambos a noroeste do Sena, o edifício mais antigo é o da Embaixada, desenho do arquitecto Louis-Marie Parent, que remonta ao início do século XX. Foi adquirido pelo Estado português em 1936, sofreu o impacto da Guerra e foi restaurado em 1945/6 pelo arquitecto Raul Lino.
O Consulado está instalado, desde 1999, em dois prédios geminados na Rua Georges Berger (engenheiro que foi o comissário-geral da Exposição Universal de Paris em 1899). O mais antigo (n.º 6) vem do tempo de Haussmann, o barão urbanista que foi responsável pela “reconstrução” de Paris no terceiro quartel do século XIX. O n.º 8 é um típico edifício arte nova do início do século XX.
Uma terceira instituição oficial é o Instituto Camões — fica no n.º 26, Rue Raffet, também no 16.º Bairro.
Centro Calouste Gulbenkian
39, Bd. de la Tour-Maubourg (7.º Bairro)
Em Outubro de 2011, o Centro Calouste Gulbenkian em Paris mudou de casa. Passou do palacete (hôtel particulier) que foi a moradia do empresário e coleccionador arménio (51, Av. Iena, no 16.º Bairro, junto ao Arco do Triunfo) para um edifício de escritórios junto à Praça dos Inválidos, a sul do Sena, que foi adaptado para o efeito pela arquitecta Teresa Nunes da Ponte (a mesma que recuperou o Grande Auditório da Gulbenkian em Lisboa). Mas trouxe consigo o lustre que agora decora a escadaria principal do novo edifício. E, claro, todo o património, e o caderno de encargos, que continua a fazer da Gulbenkian uma embaixada privilegiada da educação, ciência e cultura portuguesas em França.
A Gulbenkian em Paris possui a maior biblioteca de língua portuguesa fora de Portugal e do Brasil, com cerca de 90 mil volumes. Este acervo é a principal atracção do Centro. Mas as conferências e as exposições são também muito procuradas, “curiosamente, as primeiras mais pelos portugueses, brasileiros e africanos de língua portuguesa; as exposições, mais pelos franceses”, explica Miguel Magalhães, adjunto da direcção e responsável pela relação com as várias comunidades lusas. “Não podemos falar apenas de uma comunidade portuguesa, porque há várias, isto não é uma massa uniforme”, nota.
Casa de Portugal André Gouveia
Cidade Universitária - 7, Bd. Jourdan (14.º Bairro)
Começou por se chamar Casa de Portugal, quando nasceu, em 1967, na Cidade Universitária. Em 1972, passou a Residência André de Gouveia, em homenagem a um dos mais notáveis portugueses em Paris, que no século XVI foi o reitor do Colégio de Santa Bárbara, na Sorbonne — e a quem Montaigne chamou “o reitor dos reitores”. Desde 2013, é a Casa de Portugal André de Gouveia.
Na visita em que guiou a Fugas pelo edifício, a actual directora, Ana Paixão — professora de Literatura Portuguesa na Universidade Paris VIII —, chamou a atenção para a arquitectura original de José Sommer-Ribeiro, entretanto recuperada e actualizada por Vincent Parreira (2007). No hall de entrada, tem um belíssimo painel de Sá Nogueira evocativo dos Descobrimentos e uma efígie de Gulbenkian. É a homenagem à instituição responsável pela construção da residência, no início dos anos 1960, na sequência da negociação realizada com o governo francês para permitir a transferência da colecção Gulbenkian para Lisboa.
Afirmando a sua vocação universalista, e segundo os dados fornecidos por Ana Paixão, a Casa de Portugal acolhe actualmente mais de uma centena de estudantes de 32 nacionalidades, que frequentam em Paris cursos de pós-graduação, com prioridade para as disciplinas artísticas. É também um dinâmico centro cultural, que promove mais de uma centena de realizações por ano, entre exposições, concertos, conferências, sessões de cinema, etc..
Associação Cap Magellan
7, Av. de la Porte de Vanves (14.º Bairro)
Entre as dezenas de associações originárias na comunidade luso-descendente, uma das mais conhecidas é a Cap Magellan, situada numa zona já quase suburbana a sul da cidade, conhecida pela sua “feira da ladra”. Fundada em 1991, reúne membros das novas gerações e de lusófilos em volta do nome de Fernão Magalhães, a dar o sinal de cosmopolitismo que a enforma. A sede fica num anónimo edifício de escritórios — que aloja também a Santa Casa da Misericórdia e a Câmara de Comércio e da Indústria Portuguesa.
A Cap Magellan edita uma publicação mensal, Le Journal des Lusodépendents, e promove inúmeras iniciativas: concursos para projectos associativos, concertos, exposições e até um rally paper anual a percorrer os lugares “portugueses” da cidade.
Toponímia e arte pública
Av. des Portugais (16.º Bairro)
Rue de Lisbonne (8.º Bairro)
Rue du Taje (13.º Bairro)
São três vias sem grande história, pelo menos assinalada, no mapa parisiense. As suas denominações decorrem das relações bilaterais entre os dois países e as duas cidades. A Avenida dos Portugueses, baptizada em 1918 e localizada junto ao Arco do Triunfo, se tem a largura que se espera de uma avenida parisiense, pouco mais tem de extensão (55 metros).
O nome da Rua de Lisboa vem já do século XIX, e a artéria foi sede do atelier do arquitecto e decorador Jacques-Émile Ruhlmann, cujo Hôtel du Collectionneur marcou sobremaneira a Exposição de Artes Decorativas de Paris em 1925, que viria a dar origem ao movimento art déco. (As criações de Ruhlmann tiveram uma grande influência na decoração da Casa de Serralves do Conde de Vizela, no Porto).
Também do século XIX (1877) vem o nome da Rua do Tejo, que evoca, a sul do Sena, o rio que desagua em Lisboa.
Monumento a Camões
Av. Camoens (16.º Bairro)
Rue Vasco da Gama (15.º Bairro)
Rue Magellan (8.º Bairro)
Promenade Amália Rodrigues Bd. Sérurier (19.º Bairro)
É habitual vermos ramos de flores na estátua de Camões, que se encontra no sopé da escadaria que dá acesso à avenida com o nome do poeta, bem perto do Trocadero e da Torre Eiffel. A escultura do autor de Os Lusíadas — poema que, no século XIX, conheceu em França mais de uma dezena de traduções e edições, o que faz de Camões, ainda, “o nome das Letras portuguesas mais conhecido em França, logo seguido de Pessoa”, como assinalou à Fugas o editor e tradutor Michel Chandeigne — tem já uma longa história, de resto evocada no livro Les Portugais à Paris.
A Avenida Camões, com pouco mais de uma centena de metros, foi aberta em 1904 por acção da Sociedade de Estudos Portugueses, presidida por Frédéric Mistral, um amigo da Rainha D. Amélia. Em 1912, foi nela colocado um busto em bronze a imortalizar o poeta, do escultor italiano Luigi Betti. Mas, menos de um ano depois, o busto desapareceu, ao que se crê pela iniciativa furtiva de alguém que não gostou da obra, episódio que foi então assinalado na imprensa local.
Uma nova estátua foi instalada no lugar da primeira, em 1924. Mas também esta não sobreviveu. Até que, no início da década de 1980, o cientista Ruy da Silveira promove a colocação de uma nova escultura, criada por Clara Menéres e Rui Ramos. A inauguração ocorreu a 19 de Outubro de 1987.
Esculpida em mármore rosa sobre um plinto ornamentado com dragões, a escultura mostra Camões frente a um livro aberto e uma espada, os utensílios da vida do poeta-aventureiro. A legenda identifica-o como “Poeta português, c. 1525-1580”.
Mais a sul, no 15.º Bairro, fica a comprida (450m) mas discreta Rua de Vasco da Gama, assim baptizada em 1904.
Na mesma lógica de celebrar figuras dos Descobrimentos, surge a Rua de Fernão de Magalhães, protagonista da primeira viagem de circum-navegação do Globo (1519-22). Fica no 8.º Bairro, tem uma extensão próxima dos 150 metros e foi aberta na década de 1860, desembocando na Rua de Cristóvão Colombo, no bairro dos Champs-Élysées.
No primeiro dia de Agosto de 2012, falou-se de Amália num jardim na zona leste de Paris. Com a presença do presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, e do representante português na UNESCO, Manuel Maria Carrilho, foi inaugurada a Promenade Amália Rodrigues — estava-se em plena campanha de afirmação do fado, cuja candidatura a Património Imaterial de Humanidade seria lançada logo a seguir, com o apoio declarado de Paris. “Amália Rodrigues, 1920-1999. Cantora portuguesa” é a identificação da placa toponímica deste passeio, normalmente decorada com flores. É um lugar de recorte ecológico rodeado de relvados e pinheiros, que os habitantes utilizam como espaço de desporto e lazer. Em frente, fica a Igreja de Notre-Dame de Fátima, uma vizinhança que a “religiosa” Amália certamente subscreveria.
Busto de Eça de Queirós
Neuilly sur-Seine - 202, Av. Charles De Gaulle
Fica fora do “periférico” de Paris, mas é uma referência obrigatória nas marcas portuguesas na cidade. O busto de Eça de Queirós de autoria de António Teixeira Lopes foi colocado na Av. Charles De Gaulle, no enfiamento da via que liga os Champs-Élysés a La Défense. Foi uma iniciativa da Câmara de Lisboa, que aproveitou um estudo que o escultor gaiense tinha realizado em 1903, o ano em que foi inaugurado na capital portuguesa o monumento dedicado ao autor de Os Maias.
Com a legenda “Eça de Queiroz. Escritor e diplomata, 1845-1900”, e uma placa lateral a explicar que “Eça de Queiroz foi cônsul de Portugal em Paris e morreu em Neully-sur-Seine a 16 de Agosto de 1900”, a escultura está rodeada por um canteiro de flores na placa central da avenida, junto à saída da estação de metro Pont-de-Neuilly. A escolha do lugar segue a biografia do primeiro cônsul português em Paris (1888-94), que aqui viveu com a família e estabeleceu marcantes relações diplomáticas, e também literárias, nomeadamente com figuras como Paul Verlaine e Émile Zola. Foi também nesta cidade que Eça escreveu A Cidade e as Serras, o seu último romance, que na edição francesa tem o curioso título 202, Champs-Élysés. Michel Chandeigne nota que este número de polícia que identifica a habitação de Jacinto em Paris corresponderia ao sítio do… Arco do Triunfo.
Artes e Letras
L’homme au verre de vin - atribuído a Nuno Gonçalves
Museu do Louvre – Ala Richelieu (1.º Bairro)
“numa sala do louvre dedicada à/ pintura espanhola há um quadro/ atribuído à escola portuguesa/ de quatrocentos. é o/ homem do copo de vinho, ou, dir-se-ia,/ do copo de solidão; e é possível/ que seja flamengo e triste (…)”.
Começa assim o poema que Vasco Graça Moura dedica ao quadro L’homme au verre de vin (c. 1460), da colecção do Museu do Louvre, e que alguns investigadores atribuem a Nuno Gonçalves. A confirmar-se essa autoria — que o Louvre mantém em dúvida —, esta seria a única pintura portuguesa no espólio do grande museu parisiense, que a adquiriu em 1906. A defesa da atribuição da obra ao autor dos Painéis de São Vicente foi principalmente feita pelo investigador Salomon Reinach em 1910, que viu neste “homem do copo de vinho” analogias estilísticas com o tríptico do Museu Nacional de Arte Antiga.
Em contrapartida, há arte portuguesa visível no Centro Pompidou, que inclui uma pintura de Amadeo de Souza-Cardozo, Les Cavaliers (1913), na exposição Modernités plurielles de 1905 à 1970 (patente até 15 de Janeiro). A obra de Amadeo está na sala dos Futurismos internacionais, e nela é sublinhado o “cromatismo aberto fundado sobre as cores vermelho, violeta, amarelo, próximo das pinturas órficas de Sonia Delaunay e do pontilhismo”. A exposição mostra também a capa da revista Portugal Futurista (1917).
Casa-Atelier Vieira da Silva
34, Rue de l’Abbé-Carton (14.º Bairro)
Galeria Jeanne Bucher
53, Rue de Seine (6.º Bairro)
É uma placa discreta, com a seguinte inscrição: “Ateliers de Maria Helena Vieira da Silva et Arpad Szenes, de 1956 a 1992”. Desde Novembro de 2013, assinala a casa, no número 34 da Rua l’Abbé-Carton, onde a pintora portuguesa (1908-1992) e o seu companheiro húngaro moraram e trabalharam nas últimas décadas das suas vidas. A casa — explica Agnès Pellerin em Les Portugais à Paris — foi projectada para o casal pelo arquitecto seu amigo G. Johannet. Vieira da Silva mudou-se para lá em 1956, mantendo-se fiel ao 14.º Bairro, onde sempre habitou desde que chegou a Paris no final dos anos 1920.
Aquando da inauguração da placa, foi também anunciada a atribuição do nome de Vieira da Silva a uma rua numa nova urbanização da capital parisiense, em local e data a anunciar.
Há, contudo, outros testemunhos materiais, e pessoais, da figura e da obra da pintora luso-francesa na Galeria Jeanne Bucher, em pleno Quartier Latin, e que desde 1935 expôs e geriu a sua obra. Na biblioteca desta pequena galeria instalada num pátio interior da Rua de Seine (n.º 53) é possível folhear diversos catálogos relativos à pintora, nomeadamente o que foi lançado em Outubro de 2008, no seu centenário, ou outros que documentam as suas parcerias com poetas como René Char ou Léopold Senghor, Presidente do Senegal e seu amigo.
Também pode acontecer que o visitante se cruze na galeria com Jean-François Jaeger, que com a sua filha actualmente dirige o espaço. “Comecei a trabalhar aqui em 1947, conheci logo a Vieira da Silva e estive sempre ao seu serviço, até à sua morte”, diz o galerista. “Vieira da Silva estava sempre aqui. Era uma artista de corpo inteiro, e foi uma verdadeira vedeta da pintura no período áureo da arte em Paris, entre o final da Guerra e os anos 1970, quando apareceu o Centro Pompidou”, acrescenta Jaeger, confidenciando guardar na sua colecção pessoal vários quadros da pintora.
Painel de Manuel Cargaleiro
Estação de metro Champs-Élysées/Clémenceau (linha 1 – 8.º Bairro)
Na estação de metro Champs-Élysées/Clémenceau, pode admirar-se uma vistosa obra de arte pública de Manuel Cargaleiro. Trata-se de um painel de azulejos representando uma paisagem urbana de um artista que tem uma relação especial com Paris, onde se estabeleceu em 1957, e onde realizou a sua primeira exposição individual — em 1963, na galeria Valérie-Schmidt (Rue Mazarine). Esta obra de Cargaleiro, realizada em 1995, resultou de um intercâmbio com o Metro de Lisboa, para onde foi “exportada”, para a estação de Picoas, a entrada art noveau desenhada pelo arquitecto Hector Guimard, responsável pela iconografia original do metro parisiense.
Placa a Mário Sá-Carneiro
Hotel des Artistes - 29, Rue Victor-Massé (9.º Bairro)
“O poeta português Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) habitou nesta casa e aqui morreu a 26 de Abril de 1916”. As circunstâncias trágicas da morte deste poeta de Orpheo — que se suicidou na madrugada daquele dia no seu quarto do Hotel de Nice, ingerindo cinco frascos de estricnina — justificam certamente a decisão dos proprietários do edifício, agora Hotel des Artistes, de não permitir a referência ao suicídio na placa que identifica a sua última morada. A referência toponímica foi instalada muitas décadas mais tarde, por iniciativa do embaixador António Coimbra Martins. Este lugar na Rua Victor-Massé, não muito longe da Praça de Pigalle e do Moulin Rouge, pode muito bem ser um ponto de partida para uma flânerie pelos inúmeros hotéis, cafés, bares, que Sá-Carneiro frequentou nos curtos quatro anos em que viveu na capital francesa, mas durante os quais se tornou no mais parisiense dos poetas portugueses, cidade a que dedicou inclusivamente o texto autobiográfico Memórias de Paris (1913).
Placa a Amorim de Carvalho
52, Rue Gay-Lussac (5.º Bairro)
“Neste prédio viveu de 1969 a 1974 Amorim de Carvalho, filósofo e poeta português falecido em Paris a 15 de Abril de 1976”. Num edifício de paredes brancas que é actualmente um hotel, perto do Jardim do Luxemburgo, descobre-se, com alguma surpresa, o nome deste filósofo, que em Portugal pouco é conhecido fora dos círculos filosóficos mais estritos. Figura da direita portuguesa mais conservadora, este intelectual nascido no Porto em 1904 exilou-se em Paris em 1965, tendo aí vivido até à morte. Foi também na capital francesa que foi publicado, postumamente, em 2000, um dos seus livros mais relevantes, O Fim Histórico de Portugal.
Librairie Portugaise & Brésilienne
19/21, Rue des Fossés Saint-Jacques (5.º Bairro)
Éditions de la Différence
30, Rue Ramponeau (20.º Bairro)
A Librairie Portugaise & Brésilienne é o lugar de referência da literatura de língua portuguesa em Paris. Fundada em 1986 por Michel Chandeigne — um biólogo que no início dessa década viveu em Lisboa, onde se apaixonou pela literatura portuguesa, de quem se tornou um tradutor e editor prestigiado —, a livraria fica junto ao Panteão, em plena zona universitária da Sorbonne. Mudou recentemente de instalações, à procura de mais espaço, e a sua montra de portadas azuis é uma autêntica feira do livro de língua portuguesa, tanto no original como em traduções — mas onde se pode também comprar… rebuçados do Dr. Bayard.
“Tenho muitos clientes luso-descendentes, que maioritariamente vão ler em francês, mas há também muitos que procuram os livros em português”, diz o editor-livreiro. Chandeigne, que iniciou a sua relação com a literatura portuguesa traduzindo Eugénio de Andrade, nota que Camões e Pessoa continuam a ser os autores portugueses mais lidos em França, mesmo se o autor de O Livro do Desassossego “está agora menos na moda”. Eça, Lobo Antunes e Saramago são outros nomes de referência — mesmo se “o efeito Nobel não é assim tão significativo em França”, nota a professora Anne Lima, uma dos co-autores do livro Les Portugais à Paris. Os sucessos mais recentes em França foram registados por livros de Gonçalo M. Tavares e de João Ricardo Pedro (Prémio Leya 2011), cujo romance O Teu Rosto Será o Último (La Main de Joseph Castorp, edição Viviane Hamy) vendeu mais de quatro mil exemplares.
Ainda no domínio da literatura, merece referência a editora La Différence, fundada em 1976 por Joaquim Vital (1948-2010), um português que na década de 1960 se exilara em Bruxelas fugindo à PIDE, e no início dos anos 70 se fixou em Paris. A sua companheira Colette Lambrichs continua a actividade da editora, que tem sede numa rua estreita do “bairro chinês” de Belleville, onde Edith Piaf nasceu e começou a cantar. Num catálogo que contém já mais de uma centena de títulos portugueses de mais de três dezenas de autores, um dos mais recentes é uma reedição do clássico de Eça, 202, Champs Élysées [A Cidade e as Serras].
Lugares
Academia do Bacalhau
102, Av. Champs Elysées (8.º Bairro)
Há lugares assim, cujo nome denuncia logo a… portugalidade. A Academia do Bacalhau é um deles. É apenas um número de porta — e certamente uma sala — nos Champs-Élysées, à distância de apenas cem números do hotel de Jacinto de A Cidade a as Serras. Lugar de encontro dos imigrantes lusos em volta de um prato de bacalhau, e tudo o que isso traz de memórias da terra-mãe. A academia parisiense foi fundada em 1998, três décadas após a primeira instituição do género, que surgiu em Joanesburgo, África do Sul, por iniciativa do jornalista e repórter do jornal portuense O Primeiro de Janeiro, Manuel Dias. A delegação de Paris segue os “estatutos” fundacionais: os “compadres” devem comer bem, conviver e abster-se de dizer palavrões, má-conduta e discussões de carácter político ou religioso… Todos os anos, as mais de meia centena de academias existentes em todo o mundo reúnem-se num congresso internacional, que em 2010 aconteceu em Paris.
Casa do Benfica
14, Av. General Humbert (15.º Bairro)
Outro lugar cujo “encarnado” das paredes denuncia logo a origem é… a Casa do Benfica. É um rés-do-chão e cave numa via no sul da cidade, a poucos metros da associação Cap Magellan, e que foi inaugurada a 13 de Abril de 2013, na presença do presidente do clube, Luís Filipe Vieira. O café e auditório profusamente decorados com fotografias dos craques da bola, bandeiras e galhardetes depressa ficam lotados quando há jogos com transmissão televisiva. O presidente da casa, Manuel dos Santos, empresário de eventos desportivos, diz que este é acima de tudo um lugar de convívio de imigrantes portugueses.
L’Hôtel de la Païva
25, Av. Champs Elysées (8.º Bairro)
De português, este edifício em plenos Champs-Élysées, que é um dos mais belos exemplares da arquitectura privada da segunda metade do século XIX — de resto classificado como Monumento Histórico —, só tem o nome. E, ao que diz a lenda, um nome ganho em apenas um dia. Madame La Païva era Esther-Pauline Blanche Lachmann (1819-1884), uma russa (ou polaca?) que, por via dos seus encantos e artes, se tornou numa das mais famosas cortesãs parisienses do século XIX, tendo iniciado a sua “carreira” com uma muito publicitada relação com o pianista Henri Herz.
No dia 5 de Junho de 1851, seguindo a versão mais popularizada da sua biografia, terá casado com um rico dandy português, um suposto “marquês” Albino Francisco Araújo de Paiva — ou de Paiva Araújo (1824-1872), se seguirmos a descrição que dele faz Camilo.
No que aqui nos interessa, o casamento durou apenas um dia, tendo a bela cortesã logo dispensado a companhia do português, mas guardado o apelido. E foi já como “marquesa” de Païva que Esther-Pauline mandou construir este palacete, demoradamente arquitectado por Pierre Manguin, e que a partir de 1865 se tornou lugar obrigatório de visita e vilegiatura da boa sociedade parisiense: os irmãos Goncourt, Théophile Gautier e Alexandre Dumas (que retratou Madame de Païva na peça La Femme de Claude) andaram por lá.
Em 1903, o Hôtel de la Païva tornou-se a sede do Travellers Club, e hoje é também um restaurante. O edifício pode ser visitado.
Religião
Basílica Notre-Dame de Fátima
48, Bd. Sérurier (19.º Bairro)
Erigida no 19.º Bairro a nordeste da cidade, não muito longe da Promenade Amália Rodrigues, fica a basílica Notre-Dame de Fátima, dedicada a Nossa Senhora – Maria Medianeira. Serve a população de um bairro popular e industrial dos arredores. Construído em cumprimento de uma promessa feita em 1944 pelo arcebispo de Paris cardeal Suhard, pedindo a libertação do nazismo, o templo, projectado por Henri Vidal, foi consagrado em 1954. Apresenta uma arquitectura despojada, em betão e tijolo, de cor escura, onde avulta uma alta torre sineira independente do corpo principal. A igreja esteve fechada quase durante três décadas, até que em 1988 foi cedida aos portugueses, que a dedicaram a Nossa Senhora de Fátima.
Não muito longe, no número 44 da Rue de Flandres, existem ainda — mas pouco visíveis — vestígios (lajes e epitáfios) de um cemitério de judeus portugueses construído no final do século XVIII por acção de Jacob Rodrigues Pereire, matemático e figura influente na comunidade judaica da Península Ibérica em Paris.
Memória
Museu da História da Imigração
Palais de la Porte Dorée - 293, Av. Daumesnil (12.º Bairro)
O fenómeno da imigração portuguesa está naturalmente documentado no Museu da História da Imigração, instalado, desde 2007, no Palácio da Porta Dourada, um dos mais belos exemplares da arquitectura art déco em Paris, projecto de Albert Laprade, e que foi construído para a Exposição Colonial de 1931. Neste edifício classificado como Monumento Histórico, a fachada principal ostenta um extenso painel em relevo do escultor Alfred-Auguste Janniot, uma vistosa alegoria sobre o imaginário colonial.
Há várias referências a Portugal no percurso com que o museu documenta a história da imigração, desde que, logo após a Revolução Francesa, a população foi dividida entre nacionais e estrangeiros. A primeira citação portuguesa no mapa cronológico que se lê subindo a escadaria é a de um acordo de imigração assinado em 1965 entre a França, Portugal, Espanha, Jugoslávia e Turquia. Dez anos depois, um primeiro recenseamento da população assinala a presença de 750 mil portugueses em França — dos quais cerca de ¾ saíram clandestinamente do seu país-natal.
Nas secções expositivas, há os mais variados testemunhos, visuais e sonoros, desta realidade: malas, objectos de uso doméstico, acordeões, caixas de correio, filmes, livros, discos, fotografias e documentos diversos — uma vitrina faz mesmo um paralelismo curioso entre os objectos que fizeram o quotidiano dos imigrantes da família Baptista de Matos (um contrato de trabalho, um capacete de obras, uma marmita e fotografias dos membros do clã) com o da família italiana… Bugatti.
Entre os livros que se podem ver no museu está Portugal à Champigny. Le Temps des Baraques, de Marie-Christine Volovitc-Tavares (ed. Autrement), que descreve a vida naquele que foi um dos mais famosos bidonvilles dos portugueses nos arredores de Paris — e onde hoje existe um Monumento ao Emigrante Português, de autoria de Rui Chafes.
Gastronomia
Restaurante Saudade
34, Rue des Bourdonnais (1.º Bairro)
O livro Les Portugais à Paris enumera quatro dezenas de restaurantes portugueses (ou de portugueses) só dentro de Paris. O primeiro deles, no centro histórico numa rua perpendicular ao jardim Les Halles, chama-se apropriadamente Saudade — com o subtítulo “Le dépaysement de la gastronomie portugaise”. Tem paredes brancas e um néon azul eléctrico a apelar à entrada numa sala de jantar decorada com azulejos alusivos a cenas portuguesas. E a ementa é a condizer: vários pratos de bacalhau, carne de porco à alentejana, cabrito no forno, arroz de pato à antiga… Além de que há fado nalguns dias da semana.
Outros nomes bem portugueses, como Os Minhotos, O Arcozelo, Vila Real ou O Churrasco denotam a inscrição da gastronomia nacional no roteiro da restauração parisiense.
Comme à Lisbonne
37, Rue du Roi de Sicile (4.º Bairro)
Este é um lugar na moda para os amantes de certas iguarias portuguesas. Aberto em Junho de 2011 por três sócios oriundos de outras profissões — Elizabete, tradutora, Victor, gestor, e Christophe, arquitecto —, num espaço de pouco mais de uma dúzia de m2 numa rua perto da Câmara de Paris, Comme à Lisbonne foi-se afirmando principalmente pelas sucessivas fornadas de pastéis de nata. A Fugas esperou na fila e confirmou que o pastel não fica a perder na comparação com os de Belém. “Estamos a vender, ao fim-de-semana, mais de mil pastéis de nata por dia”, dizia Elizabete, no início da Primavera, altura em que a loja estava a apostar na abertura de uma “Tasca” contígua para servir refeições e outros produtos portugueses de qualidade. “Além de tudo, somos uma espécie de agentes de turismo para Lisboa; toda a gente nos pede informação sobre a cidade”, realçava Elizabete.
Informações
COMO IR
A Air France voa de Lisboa para Paris, tarifa de ida e volta em classe económica, a partir de
125 euros com todas as taxas incluídas para compra em www.airfrance.pt.
Na Internet: pt.rendezvousenfrance.com
A Fugas viajou a convite da Atout France e da Air France