Portugal tem uma presença histórica em Paris que é mais fácil sentir do que identificar para lá do mundo da comunidade imigrante. No entanto, ciclicamente, essa marca portuguesa irrompe em França, mais ou menos episodicamente, fruto de modas politicamente induzidas ou da real inserção da comunidade lusa neste país.
Alguns exemplos dos mais recentes: o inesperado sucesso, no Verão do ano passado, do filme A Gaiola Dourada, de Ruben Alves; a atenção que as artes portuguesas têm registado no Théâtre de la Ville de Paris no festival Chantiers d’Europe, dirigido pelo luso-descendente Emmanuel Demarcy-Mota; os livros de José Saramago, Gonçalo M. Tavares e João Ricardo Pedro nas livrarias; os filmes de (e livros sobre) Manoel de Oliveira na Cinemateca; a pintura de Amadeo e os desenhos de Siza no Centro Pompidou; artistas de diferentes gerações nas galerias de arte; os pastéis de nata na loja Comme à Lisbonne; a recente edição da BD Portugal, de Cyril Pedrosa, e do livro Cristiano Ronaldo, Orgueil, Gloire et Préjugés [Orgulho, Glória e Preconceitos], de Marco Martins e Antoine Grynbaum; a chegada vitoriosa do luso-descendente Yohann Diniz à meta dos 50kms marcha nos últimos Europeus de Atletismo em Zurique, empunhando uma bandeira de Portugal…
Portugal está na moda em Paris? Há quem diga que sim; há quem diga que nada disto é diferente do que acontece com outros países e outras comunidades.
Que marcas físicas existem desta presença? E que imagem têm os portugueses junto dos habitantes da capital francesa?
Num trabalho recente (ver edição de 15 de Agosto), o PÚBLICO dava conta de que o velho estereótipo do imigrante português — o homem de bigode a trabalhar nas obras; a mulher de buço a limpar as casas — se mantém. Mas também é verdade que as novas gerações vêm baralhar o quadro. Mesmo se a personagem do adolescente de A Gaiola Dourada tenta esconder a origem dos pais imigrantes…
“A imagem do português em França ainda não mudou muito. A portuguesa ainda é a mulher da limpeza, mas é um luxo, é aquela que todos os franceses querem ter”, diz à Fugas Ruben Alves, na casa que foi o cenário principal de A Gaiola Dourada, junto ao Arco do Triunfo.
“Com o meu filme, tentei fazer com que a cultura portuguesa pudesse ser uma coisa mais grande-público, porque a representação, hoje em dia, de Portugal em França só se faz ou pelo futebol, pelo Cristiano Ronaldo, ou então pela cultura mais elitista”, acrescenta o realizador da obra que foi vista por mais de dois milhões de espectadores entre a França, Portugal e o resto do mundo.
“Ser português em Paris é uma imagem que vai mudando de ano para ano”, nota Hermano Sanches-Ruivo, vereador português na Câmara de Paris, reeleito este ano na lista do Partido Socialista. Este imigrante nascido em Alcains e radicado em França desde criança, nos anos 1970, utiliza uma curiosa imagem para descrever esta realidade. “Isto é um mil-folhas, e estamos a cada momento a cozinhar uma nova folha no interior.”
E Sanches-Ruivo assinala que a grande diferença dos portugueses — que, na região metropolitana Île de France, ascenderão a perto de 700 mil habitantes, 120 mil dos quais dentro de Paris — perante as outras nacionalidades, espanhóis, italianos e polacos, que também aqui chegaram por razões económicas, é a sua “capacidade de integração, mas sem serem assimilados”. “Aqui, o gueto nunca existiu. E essa ideia de os portugueses só conviverem com portugueses é mais o resultado da importância da família, e da solidariedade que ela implica”, acrescenta o autarca.