Fugas - Viagens

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Vale do Loire: Entre reis e rainhas no coração da França

Por Sérgio C. Andrade

Palácios e palacetes há mais de mil, dizem. Mais de uma centena dos quais abertos a visitas. É o Vale do Loire, Património Mundial da UNESCO desde o ano 2000, património histórico da França desde tempos imemoriais.

Os dicionários dizem que o Loire é o maior rio de França, com mais de mil quilómetros de extensão, nascendo no sudeste do Maciço Central e desaguando a oeste, no Atlântico.

Naquilo que aqui nos interessa, o rio Loire é o veio de um vale com 280 quilómetros de comprimento, que a UNESCO classificou em 2000 como Património Mundial da Humanidade, destacando a importância desta região na “interacção entre os homens e a paisagem durante mais de 2000 anos de História”…

Mas a Fugas não foi tão longe, nem no tempo, nem no espaço. Em cinco dias, percorremos o mapa da centena de quilómetros que distam entre Tours e Orléans, visitando estas cidades e cinco dos mais famosos châteaux (um termo que designa um palácio no campo, de maior ou menor dimensão) do conjunto de perto de um milhar — mais de uma centena deles abertos ao público — que pululam como cogumelos patrimoniais nesta região.

E bem se pode dizer que este é o coração de França, não apenas pela localização geográfica, como pela sucessão de figuras e episódios históricos que viriam a consolidar o país, principalmente desde o século XV.

Neste roteiro histórico-turístico que aqui propomos, algumas personagens se destacam, de Joana d’Arc (1412-1431) a Francisco I (1494-1547), de Catarina de Médicis (1519-1589) a… Leonardo Da Vinci (1452-1519), que viveu os seus últimos três anos na pequena cidade de Amboise.

O próximo ano, 2015, vai ser, de resto, uma data redonda e festiva para esta região: passam 500 anos sobre a Batalha de Marignan (13 e 14 de Setembro de 1515), a vitória sobre o Reino de Milão com que Francisco I “inaugurou” o seu reinado, cuja coroação tivera lugar em Janeiro desse ano em Amboise, quando tinha apenas 20 anos. As duas datas irão naturalmente ser aproveitadas para potenciar o apelo turístico e patrimonial de uma região que oferece múltiplas razões para uma visita.

Chegados a Amboise, ouve-se falar, em primeiro lugar, de Francisco I, dito o Rei Cavaleiro e Guerreiro — recorde-se que foi contemporâneo de Carlos V, imperador castelhano e romano-germânico, e de Henrique VIII de Inglaterra —, mas que deixou também, e principalmente, a sua marca como introdutor do Renascimento em França. E a mais marcante das suas decisões, neste domínio, ainda que sobretudo simbólica, talvez tenha sido mesmo o convite feito a Leonardo Da Vinci para se radicar nas margens do Loire.

Recuando cerca de um século na História, estamos no tempo de Joana d’Arc, “Donzela [La Pucelle] de Orléans”, a heroína adolescente que libertou o seu país do domínio dos ingleses, pagando a ousadia com a vida, mas conquistando a imortalidade (e a santidade). É dela que aqui permanentemente se fala, e é ela que se vê, em cada esquina, principalmente na cidade de Orléans…

Voltando a avançar no tempo, temos Catarina de Médicis, a rainha e regente mais poderosa da época, e a mais notória das “Cinco Damas” que habitaram e construíram o Château de Chenonceau, o mais belo da região.

É assim, entre reis, rainhas, castelos e histórias da época do Renascimento que viajamos no Vale do Loire. Mas aí ouviremos também falar de figuras posteriores, como Luís XIV e D’Artagnan, astrónomos como Ruggieri e Nostradamus, escritores como François Villon e Madame de Staël, artistas como a actriz Sarah Bernhardt ou o arquitecto Jean Nouvel.

Cinco palácios

Château d’Amboise

Chegados ao pequeno aeroporto de Tours, transformado pela Ryanair em placa de confluência de rotas vindas, por exemplo, do Porto e Funchal (esta só nos meses de Verão), de Marselha e Marraquexe, de Londres e Dublin…, o passeio pode começar pelo Château d’Amboise, uma pequena cidade na margem sul do Loire, que foi capital do reino no tempo de Francisco I, mas também dos seus dois antecessores Luís XII (1462-1515) e o infortunado Carlos VIII (1470-1498), que aí nasceu, e morreu, com apenas 27 anos, depois de ter batido com a cabeça na ombreira de uma porta quando se divertia com os seus pagens.

Este episódio funesto será explicado e romanceado pelo guia da visita, que nos mostrará também como aí terá nascido um antecessor do actual jogo de ténis — vem de “tenez” = “toma”, palavra de ordem de uma espécie de “jogo da pela” que os fidalgos praticavam no fosso do castelo.

Entra-se pela Porta dos Leões, que nos conduz a um pátio amplo, de onde podemos admirar a fachada gótica da edificação de quatro pisos, encimados por chaminés e janelas profusamente decoradas.

Nesses tempos em que foi corte real, o Château d’Amboise foi bastante maior do que é hoje — esta evolução está documentada numa maqueta que nos mostra que a edificação chegou a ter mais de duas centenas de divisões!... Mas as marcas da sua monumentalidade e estética gótica mantêm-se. E ganham especial expressão na exuberância flamejante da Capela de St. Hubert, que guarda os restos mortais de Da Vinci (ver caixa).

Percorrendo os dois pisos de exposição, o visitante pode admirar as salas dos guardas — por onde passou o famoso D’Artagnan, capitão dos mosqueteiros de Luís XIV —, a dos músicos, decorada com belas tapeçarias flamengas, a do escanção, com uma inovadora mesa de sala de jantar “à italiana”. E também os aposentos e o mobiliário gótico da época de Carlos VIII e de Ana de Bretanha — que viria a ser duas vezes rainha de França, consorte daquele e depois do seu sucessor Henrique II.

Na sala que detém o nome deste monarca, é possível ver a exposição documental Um fio de seda, da China a Amboise, que testemunha a importância que este tecido teve na época, antes de Amboise ter perdido para Tours e Lyon a disputa do seu comércio.

Entre os aposentos reais — e por aqui passaram, além dos reis já citados, Henrique IV, Luís XIII e XIV, Francisco II, Louis-Philippe, além de Abd el-Kader, o chefe tribal e religioso argelino que liderou a luta contra a dominação francesa em meados do século XIX, e que esteve aprisionado no Château d’Amboise durante quatro anos, até ser libertado por Napoleão III, respondendo a forte pressão pública nesse sentido.

No interior do palácio, podemos também ver o aposento de Catarina de Médicis, a rainha que encontraremos bem mais presente no Château de Chenonceau, a escassos 15 quilómetros de Amboise.

Amboise. Tel.: +33 (0) 247 570 098
Aberto todos os dias do ano, excepto 1 de Janeiro e 25 de Dezembro
www.chateau-amboise.com

Château de Chenonceau

Construído durante a primeira metade do século XVI, este palácio começou por ser uma espécie de “presente” do rei Henrique II à sua “favorita” Diana de Poitiers, que o fez rodear de um dos mais belos jardins da época, na margem do rio Cher, afluente do Loire. É conhecido como o “Château das Damas”, já que, para além de Diana, nele habitaram Catarina, depois da morte de Henrique II, e também as rainhas Margot e Isabel de França, além de Maria Stuart, Isabel de Áustria e Luísa de Lorena.

É com estes nomes (e respectivos retratos) que o visitante se depara em cada uma das divisões do palácio. Sem dúvida um dos mais belos da região, Chenonceau tem a particularidade de ter sido ampliado — primeiro por Diana, depois por Catarina — através de uma ponte-galeria (de dois pisos) sobre o Cher.

Na visita, passamos sucessivamente pelos quartos de cada uma das damas e rainhas que o palácio acomodou, com destaque para a Biblioteca e o Gabinete Verde de Catarina de Médicis, que daqui governou o reino, com uma vista magnífica sobre o Cher e o jardim da sua “concorrente” Diana.

Para além das ressonâncias históricas, o palácio é também um autêntico museu de Arquitectura e Belas-Artes, com a abóbada gótica flamejante da capela, as tapeçarias dos quartos das rainhas e um impressionante espólio de pintura que reúne telas de mestres como Correggio, Bassano, Tintoretto, Rubens, Van Dyck, Murillo, Jean Jouvenet ou Henri Sauvage — que em 1901 retratou Catarina de Médicis.

Quando residência da corte, as duas galerias do palácio sobre o Cher foram palco das mais faustosas festas da época. E assim continuou a acontecer pelo tempo adiante, nomeadamente quando, no século XVIII, aí habitou Madame Dupin, a “Dama das Luzes” — Voltaire chamou-lhe “Deusa da beleza e da música” —, que no seu palácio acolhia os enciclopedistas, e em especial Jean-Jacques Rosseau, que foi perceptor do seu filho.

Durante a I Grande Guerra, Chenonceau foi transformado em hospital militar (onde foram tratados 2254 feridos) e, na II Guerra, ao tempo da ocupação nazi, a sua ponte fazia a fronteira entre a França ocupada, a norte, e o Reino de Vichy, tendo sido via de escape de muitos resistentes ao nazismo.

Chenonceau. Tel.: +33 (0) 247 234 406. Aberto todos os dias do ano
www.chenonceau.com

Château de Chaumont-sur-Loire

Regressando às bordas do rio, chegamos ao Château de Chaumont-sur-Loire, uma propriedade de 32 hectares — quase o dobro do Parque de Serralves — e que, como a fundação portuense, associa o património (aqui monumental) de uma edificação com raiz medieval mas cujo perfil actual remonta à recuperação realizada no século XIX com um jardim “à inglesa”, que no conjunto justificam uma visita de dia inteiro.

O parque e as instalações adjacentes ao castelo são utilizadas como cenários para intervenções e exposições temporárias de arte contemporânea. E outra área da propriedade é palco anual de um Festival Internacional de Jardins — que na edição do corrente ano, dedicado ao tema Pecados Capitais, contou com intervenções de três dezenas de artistas e arquitectos paisagistas de França, Itália, Holanda, Inglaterra, Rússia e EUA.

Também o edifício do palácio dedica um dos seus três pisos abertos ao público a exposições de arte contemporânea — na altura da visita da Fugas, aí se podiam ver trabalhos de artistas como Gabriel Orozco (pintura), Hans Zischler e Bae Bien-U (fotografia) e Sarkis (vitrais).

Do lado da História, no percurso da visita ao château avulta, uma vez mais, o nome de Catarina de Médicis (e também o de Diana de Poitiers), que o comprou para residência real em 1560, e aí acolheu figuras como os astrónomos Nostradamus e Ruggieri — uma das salas mantém mesmo o nome deste último, com alguns dos instrumentos utilizados pelo cientista. Também aí viveu a escritora iluminista Madame De Staël, fugida da perseguição de Napoleão Bonaparte.

Do lado de fora deste palácio, de onde se tem uma vista sumptuosa sobre o Loire, há ainda para visitar as cavalariças do século XIX, à época “consideradas as melhores da Europa”, nota o guia, chamando a atenção para a curiosidade de ter uma cozinha própria com água aquecida para os cavalos — e o desenvolvimento da agora famosa empresa de couros Hermès também passou por aqui.

Chaumont-sur-Loire. Tel. : +33 (0) 254 209 922. Aberto todos os dias do ano
www.domaine-chaumont.fr

Château de Chambord

Neste ziguezague pelos châteaux na margem sul do Loire, mais um passo para Chambord, aquele que é o maior e mais monumental palácio desta região — só suplantado, em toda a França, por Fontainebleau e Versalhes.

A sua história tem igualmente a assinatura de Francisco I — também dito “O Príncipe Arquitecto” —, que o mandou construir como um faustoso couto de caça — com os seus 5440 hectares, este é o parque florestal fechado maior da Europa, com uma área equivalente à de Paris (e recebe, anualmente 750 mil visitantes).

O palácio propriamente dito, cujo arquitecto permanece desconhecido, casa a nova estética do Renascimento italiano com uma estrutura de fortaleza medieval (um torreão central com quatro torres em volta resguardadas por muralhas), onde a monumentalidade é uma obsessão: tem uma fachada com mais de 150 metros de comprimento e 50 de altura, 426 divisões, 282 chaminés, 200 capitéis esculpidos e 77 escadas, entre as quais avulta a principal, duas escadas em caracol que nunca se encontram, e que se diz ter sido inspirada em desenhos de Da Vinci.

Ironias da História: Francisco I só aí morou 72 dias, e não chegou sequer a ver a obra concluída. Dela tiraram proveito, depois, monarcas como Henrique II e… Luís XIV, que aí fazia as suas caçadas em estadias animadas com a música de Luly e o teatro de Molière. Já Napoleão fez do palácio a sede da Legião de Honra.

No interior do Château de Chambord — em visitas guiadas, que podem ir de uma a três horas –, a monumentalidade continua a ser a nota dominante. Há os aposentos reais, com lareiras, mobiliário, tapeçarias, faianças e uma também notável colecção de retratos de muitos dos monarcas e outros inquilinos, de Francisco I a Maria Antonieta, de Luís XIV a Carlos X… Incluindo o Marechal Berthier, príncipe de Wagran, a quem Napoleão ofereceu o palácio após a vitória na batalha com este nome contra o Império Austríaco.

Em 1930, o Estado francês voltou a adquirir a tutela do palácio e transformou-o em património nacional.

Ao longo de todo o ano, dentro e fora do palácio, há inúmeros festivais de todas as artes (música, teatro, literatura…), incluindo a equestre, além de jornadas nacionais de caça e pesca.

Tel.: +33 (0)254 504 000. Aberto todo o ano, excepto dias 1 de Janeiro, primeira terça-feira de Fevereiro e 25 de Dezembro.
http://chambord.or

Château de Meung-sur-Loire

Finalmente, atravessando o Loire para a margem direita, a norte, temos o Château de Meung-sur-Loire. É o centro de uma pequena cidade fundada pelos romanos no século V, e foi, desde o século XIII e até à Revolução Francesa, a residência dos bispos de Orléans.

Meung-sur-Loire é conhecido como “o castelo das duas faces”, uma delas medieval e outra do século XVIII, esta com a particularidade, rara, de estar pintada de cor-de-rosa.

Actualmente propriedade de Xavier Lelevé, este empresário do turismo admite que o seu palácio “não tem o brilho dos châteaux que acolheram os reis de França, mas possui, em contrapartida, um poder temporal e espiritual marcado pelos bispos de Orléans”, escreve o próprio no guia da visita.

Para além da inevitável viagem à História — por aqui passaram Joana d’Arc, que libertou o palácio dos ingleses, Francisco I e outros —, o Château de Meung-sur-Loire oferece-se como uma experiência assumidamente pedagógica, didáctica e mesmo interactiva: é possível perceber a sua evolução no tempo através de um filme exibido na cave do século XIII, onde em 1461 foi aprisionado o poeta François Villon (1431-1463), e onde está reconstituída a sala das torturas medievais.

As outras divisões do edifício — onde, no total, há mais de dois mil objectos expostos — estão organizadas para dar a conhecer e perceber os costumes de cada época histórica. Há a sala das armas, do teatro, das mulheres, das perucas e perfumes, dos doentes, além de uma casa de banho com exemplares de banheiras desde o século XIV até ao XIX. E também a sala dos licores e de jantar — onde se aprende que o serviço “à russa”, incluindo talheres e copos sobre a mesa, entrou nos hábitos da aristocracia francesa só no século XVIII, depois de uma visita do embaixador russo em Paris, Kourakine.

16, place du Matroi. Meung-sur-Loire. Aberto todo o ano (actualmente fechado até Março de 2015, para obras). Tel.: +33 (0)238 443 647
http://chateau-de-meung.com/


Orléans é… Joana d’Arc

“E Joana, a boa Lorena/ Que os ingleses queimaram em Rouen;/ Onde estão eles, onde, Virgem soberana?/ Onde estão as neves de então?”. Muito provavelmente foi François Villon, nascido precisamente no ano da morte de Joana d’Arc (1431), o primeiro poeta a “cantar” a heroína da Guerra dos Cem Anos e a mártir que a França, ainda que tardiamente, viria a consagrar como padroeira do país.

E se há uma cidade a que Joana d’Arc está intimamente ligada, mesmo que aí tenha permanecido pouco mais de uma semana, é Orléans — de resto, ela é normalmente nomeada “A Donzela de Orléans”. 

No dia 29 de Abril de 1429, a jovem chefe militar, armada cavaleira em Tours poucos dias antes, chega a uma Orléans cercada, há vários meses, pelas tropas inglesas. A 8 de Maio, estas levantam o cerco, e um mês mais tarde o exército liderado por Joana d’Arc e Carlos VII esmagam o exército britânico na Batalha de Patay, sendo o rei coroado em Reims.

O resto da história de Joana d’Arc é conhecido: é capturada no ano seguinte pelo Duque de Borgonha, aliado dos ingleses, é julgada por um tribunal eclesiástico e queimada viva em Rouen, a 30 de Maio de 1431.

Mas se, desde a canonização, em 1920, toda a França acabou por adoptar Joana d’Arc como heroína nacional, é em Orléans que mais se celebra a sua figura. Há mesmo — à imagem de Lisboa, com Pessoa, ou de Praga, com Kafka — um roteiro turístico dedicado à heroína, com 10 sítios assinalados no mapa da cidade. Começa no átrio do Hotel Groslot, com a monumental estátua em bronze, cópia de um original em mármore esculpida pela princesa Maria de Orléans em meados do século XIX.

O Hotel Groslot é um palacete que já foi paços de concelho, e que no interior evoca ainda Joana d’Arc com outra estátua e um vitral copiado de um original de Ingres. De resto, este palacete é uma das visitas obrigatórias na cidade, não apenas pela arquitectura do belo edifício em calcário e tijolo que começou a ser construído no século XVI e ganhou o figurino actual em meados do século XIX, mas também pelas marcas e memórias da passagem de reis como Carlos IX, Henrique III, Henrique IV e Francisco II, o filho de Catarina de Médicis que aí morreu com apenas 16 anos, numa cama que ainda hoje é exibida como testemunho desse momento fatídico.

Outro lugar de visita obrigatória em Orléans é a catedral gótica — mesmo se Proust a classificou como “a catedral mais feia de França”, nota a guia. Talvez o escritor se tenha referido ao acrescento, no século XIX, de duas incaracterísticas torres “coroadas”. Mas é no interior que Joana d’Arc consegue o pleno da atenção: uma capela, uma estátua, um conjunto de vitrais de Jacques Galland e Esprit Gibelin, um relógio e um friso de baixos-relevos no átrio, de autoria de Paul Belmondo (pai do célebre actor de cinema).

Na cidade, Joana d’Arc tem ainda o nome numa rua, numa porta (de Bourgogne, reconstituição daquela por onde a donzela-guerreira entrou em 1429), numa casa, em salas dos museus de Belas Artes e de História e Arqueologia… e até nos pavimentos de ruas do centro histórico, onde a sua efígie assinala os limites das esplanadas dos cafés!

Regresso a Tours

Finalmente, após o ziguezaguear entre os châteaux das duas margens do Loire, vale a pena regressar de Orléans a Tours pela margem direita do rio. Aí se verá que se trata de um curso de águas calmas, nunca muito largo... E continuaremos a ver os palácios, agora de outra perspectiva, como nos casos de Chaumont-sur-Loire e Amboise, como monumentos inscritos numa paisagem que dificilmente se esquecerá.

Tours é uma cidade com 135 mil habitantes e uma forte presença de população estudantil. E que associa as marcas da História (foi capital do reino nos séculos XV-XVI) com a modernidade. Daquelas, há todo um percurso entre a catedral, construção iniciada no século XIII, que associa os estilos românicos com o gótico e renascença até à Basílica de São Martinho, o santo fundador da cidade e que, desde o século V, foi um dos principais pólos de peregrinação cristão, logo a seguir a Roma e a Jerusalém.

Há ainda as casas medievais em madeira (Passage du Cour Navré) e a casa onde Joana d’Arc foi armada cavaleira. E também o centro da “movida” da cidade no bairro pedonal de Plumereau, concentração de cafés e restaurantes igualmente rodeados de casas centenárias em tijolo, ardósia e madeira, salvas e recuperadas a seguir à II Guerra Mundial.

A parte mais nova da cidade está simbolizada no metro futurista que percorre a Rue Nationale (uma avenida com extensão idêntica à da Boavista, no Porto), cujas linhas foram desenhadas pelo artista conceptual francês Daniel Buren. E há ainda, na área da arquitectura contemporânea, o Centro de Congressos projectado pelo “Pritzker” Jean Nouvel, ou o novo Théâtre Olympia – Centro Dramático Regional de Tours, de autoria de Nicolas Michelin, construído sobre as ruínas de um teatro romano.

Da Vinci, “primeiro pintor do rei”

Nem toda a gente saberá que Leonardo Da Vinci (1452-1519) foi um dos mais famosos habitantes de Amboise, onde viveu os seus últimos anos e onde viria a morrer e a ser sepultado. O seu túmulo é, de resto, uma das “atracções” no Château d’Amboise, localizado na capela gótica flamejante de St. Hubert, num dos topos do jardim. Numa lápide de mármore no chão, um medalhão em bronze feito em 2004 por de Jean Cardot imortaliza o perfil do mestre italiano.

Mas a identificação dos restos mortais de Da Vinci é algo que não está isento de dúvidas. Sabe-se que o pintor morreu em Amboise, no palacete Clos Lucé, a escassos metros do palácio real, a 2 de Maio de 1519 (há um quadro famoso de Ingres sobre este momento, com o pintor ladeado por Francisco I). E que foi sepultado na Igreja de Saint-Florentin, no perímetro do château. Mas o templo foi demolido no início do século XIX, no decorrer de uma das sucessivas alterações do palácio. Escavações realizadas em 1863 permitiram recuperar entre as ossadas umas que, por denotarem uma paralisia do braço esquerdo, foram identificadas como sendo de Da Vinci — de quem não são conhecidos descendentes e, por essa razão, não permitindo a investigação pelo ADN. A sepultura foi depois refeita na capela de St. Hubert, tendo sido colocado um busto do pintor no sítio da antiga igreja.

Convidado por Francisco I, seu incondicional admirador, Da Vinci chegou a Amboise no final de 1515, quando tinha já 64 anos — diz-se que entre os três quadros que transportou na sua viagem, de burro, desde Itália até ao Loire, estava a Mona Lisa…

Francisco I atribuiu-lhe uma tença anual e nomeou-o “primeiro pintor, engenheiro e arquitecto do rei”. Via nele, mais do que um pintor, um conselheiro. Mas não enjeitou os seus dotes de artista, encomendando-lhe projectos de arquitectura (são-lhe atribuídas as torres do Château d’Amboise, como as escadas em caracol de Chambord), urbanismo e até de festas e de artefactos, como um leão autómato.

Mas, para ver mais bem documentada a estadia de Da Vinci em Amboise, é preciso visitar o Clos Lucée, o palacete à entrada da cidade onde habitou, e que desde meados do século XIX lhe está dedicado do ponto de vista museológico. Uma exposição permanente sobre as relações de Da Vinci com a França, algumas das suas máquinas espalhadas pelo parque, transformado em percuso lúdico-didáctico para as famílias, além de outras exposições temporárias, fazem a programação deste museu, evocando um homem de quem Francisco I disse ser impossível que a vida viesse “a produzir alguém comparável”.

Guia prático

Como ir

A Ryanair  (http://www.ryanair.com) voa do Porto para Tours com preços a partir de 49,99€, ida e volta.

Onde ficar

Como se adivinha, são muitas as escolhas de alojamento naquela que é uma das regiões mais visitadas de França, e cujo fluxo de turismo naturalmente aumentou a partir do ano 2000, com a classificação como Património da Humanidade. Aqui ficam quatro sugestões, a acompanhar o percurso feito pela Fugas.

L’Aubinière ****
29, Rue Jules-Gautier
Saint-Ouen-les-Vignes
Tel.: +33 (0)247 301 529
É um pequeno hotel rural a uma dezena de quilómetros de Amboise, renovado e ampliado há dois anos a partir de um velho hotel de estrada. Tem 12 quartos.

Manoir de Contres ***
23, Rue des Combatants en Afrique du Nord
Contres
Tel. : + 33 (0)254 784 539
A leste de Amboise, na margem sul do Loire, este é o típico palacete senhorial de província transformado em hotel de charme. Tem a elegância burguesa dum edifício do início do século XIX (1818), e que foi adaptado a hotel há um par de anos. Os nove quatros têm todos dimensão king size, e mantêm o mobiliário de época. O edifício é rodeado por um belo jardim, onde um pavilhão foi transformado em suite para deficientes. O equipamento inclui um restaurante absolutamente recomendável.

Le Moulin St. Julien
1303, Rue de la Reine Blanche
Olivet
Tel.: + 33 (0)618 093 570
É um antigo moinho, recentemente transformado em hotel de charme por uma jovem família numa pequena localidade a meia dúzia de quilómetros de Orléans. Tem ainda apenas dois quartos (Le Foulon e La Meule), mas brevemente terá três, com uma vista fabulosa sobre uma represa do Loiret, afluente do Loire.

B&B La Maison Jules
45, Rue Jules Simon
Tours
Tel.: +33 (0)950 057 122
Um Bed&Breakfast em pleno centro histórico de Tours, perto do edifício da câmara e da catedral. É a aposta de uma família, que transformou um palacete (hotel particulier) do século XIX na sua residência e simultaneamente, num edifício autónomo separada por um jardim, num confortável complexo de cinco quartos.

Onde comer

O Vale do Loire é também património gastronómico de França. É terra de caça e de peixes do rio, mas também de queijos de cabra (Pouligny Saint-Pierre é uma das marcas classificadas há mais tempo) e de foie gras, e ainda de mel e de tarte de maçã caramelizada, além de toda a gama de legumes que se cultivam nas hortas à margem do Loire. É ainda a rota da mostarda e do açafrão. E, nos vinhos, não tendo a fama dos Bordéus ou dos Borgonha, reivindica rivalizar com estes, não apenas por ser a denominação (AOC) mais extensa do país, como pelas suas castas Pinot Noir e Romorantin (introduzida na região por Francisco I), Cabernet Franc e Sauvigon Blanc, Chenin e Gamay…

Caves

Domaine des Huards
32, voie communale des Huards
Cour-Cheverny
Tel.: +33 (0)254 799 790 
Propriedade familiar de Jocelyne e Michel Gendrier, tem 38 hectares de vinhas plantadas (que produzem 200 mil garrafas/ano, usando cortiça portuguesa), com predomínio da casta Romorantin.

Domaine Plou et Fils
26, rue du Géneral De Gaulle
Chargé, Amboise
Tel.: +33 (0) 247 305 517
Mathieu e Guillaume são os proprietários desta quinta que fica a escassa meia dúzia de quilómetros de Amboise, e que está na família desde 1508. Entre a variedade de colheitas que aí é possível adquirir, maioritariamente das castas Cabernet Sauvignon, Gamay e Malbec, a empresa comercializa um sumo de uva sem álcool tratado pelo método champanhês, e que se transformou num produto muito procurado para festas para todas as idades.

Restaurantes

L’Echanson
5, rue d’Orange
Amboise
Tel.: +33 (0) 236 209 244
“O Escanção” é um pequeno restaurante que é simultaneamente loja de vinhos e de produtos regionais. Tem uma decoração informal e imaginativa, com a ementa escrita numa lousa e várias inscrições humorísticas na parede. Entradas de queijos e/ou enchidos, cordeiro assado com caviar de Auvergne, ou supremos de aves com legumes (com preços entre os 12,50 e os 16,50 euros) são algumas das sugestões.

L’Orangerie + Pergola
Château de Chenonceau
Chenonceu
Tel.: +33 (0)247 239 197
Nos serviços de apoio ao château, o visitante pode optar entre um prático self-service (Pergola) instalado nas antigas cavalariças — com o prato do dia, por exemplo, o tradicional e normalmente seguro boeuf bourguignon, a 11,50 euros —, ou o mais sofisticado, e mais caro, restaurante l’Orangerie, com menus a 30 e 38,50 euros, fora a bebida.

Le Pavillon Bleu
351, rue de La Reine Blanche
Olivet
Tel.: +33 (0)238 661 43
Este “Pavilhão Azul” fica na outra margem do rio Loiret relativamente ao hotel Le Moulin St. Julien. Tem uma sala decorada com motivos náuticos (canoas, remos, âncoras…), e serve menus entre 27 e 36 euros. Coelho confitado com foie gras, filetes de raia e cordeiro assado são alguns dos itens do menu.

Le Saint Honoré
7, place des Petites Boucheries
Tours
Tel.: +33 (0)247 619 382
Benoît Pasquier visitou Portugal quando era adolescente, numas férias em Aveiro. Diz que foi o contacto com a gastronomia portuguesa que fez despertar nele a vocação da cozinha. Treinou a profissão num cruzeiro em volta de África e, desde há seis anos, gere, com a sua mulher Isabelle este pequeno restaurante junto à catedral de Tours. Trata-se da adaptação de uma velha pastelaria numa acolhedora sala de jantar, onde serve, por exemplo, caracóis, foie gras da Touraine, pombo assado, peixe do Loire, escalopes de rim de vitela, etc., tudo acompanhado com os legumes e as ervas finas que o próprio cultiva na sua horta junto ao Loire. No final da refeição, pode sempre acontecer que Benoît convide o cliente a descer à cave para lhe oferecer um espumante da região.

 

Um piquenique no Loire

Passeurs de Loire
Embarcadouro de La Tuillerie
Sigloy (Tours)
Tel.: +33 (0)674 543 661
(Serviço de Abril a Novembro)

Os Passeurs de Loire são uma profissão ancestral no rio, que foi desactivada no século XIX com a construção de novas pontes ligando as duas margens. Desde há alguns anos, foi retomada para fins turísticos, funcionando entre a Primavera e o início do Inverno.

Além dos passeios (balades) pelo rio, o turista pode escolher também fazer um piquenique nos tradicionais toues (barcos planos), ou mesmo escolher programas temáticos (com observação de aves, música e degustação de vinhos, com preços entre os 18 e os 48 euros/pessoa).

Jean-Philippe, 35 anos, conduziu a Fugas num passeio de hora e meia, com piquenique, no seu Loigrette (o nome do barco que ele próprio construiu com um sócio). E contou-nos histórias do rio, da vida dos castores nas margens, da variedade de peixes que aí se pescam... É o dia-a-dia da sua profissão, mas é também a expressão de “um grande amor pelo rio”, como confessou. No final de Novembro, Jean-Philippe ia interromper o seu trabalho e passar o Inverno com a família, “para compensar o tempo” em que o seu trabalho não permitia fazer-lhes a companhia devida.

Na Internet: http://pt.rendezvousenfrance.com

A Fugas viajou a convite da Rendezvousenfrance.com e da Ryanair

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