Fugas - Viagens

  • Elisabete Jacinto
    Elisabete Jacinto DR
  • Henrique Sá Pessoa
    Henrique Sá Pessoa DR
  • Rui Zink
    Rui Zink Daniel Rocha

Continuação: página 2 de 2

Qual foi o momento em que se sentiu mais próximo do paraíso?

Fomos todos almoçar ao restaurante do Martín Berasategui, um almoço que foi servido pelo próprio, com 24 ou 25 pratos, e que foi absolutamente excepcional. Recordo em particular alguns que são dos seus pratos mais emblemáticos, como a enguia com foie-gras e maçã Granny Smith, o salmonete com as escamas viradas ao contrário numa técnica que as deixa com uma textura estaladiça, um raviolli de tinta de choco preto, tecnicamente muito difícil de fazer — em cada dez pratos saem dois ou três perfeitos — e uma salada de lagosta inspirada num prato de [chef francês] Michel Bras.

Estar presente naquele que na altura era o maior congresso gastronómico de Espanha, um palco tão emblemático e mediático, foi muito importante para mim. Foi a primeira vez que vi a constelação dos grandes chefs espanhóis, Ferran Adrià, os irmãos Roca, Arzak, Andoni Aduriz, e também [o britânico] Heston Blumenthal.

Mas aquele almoço, naquele momento das nossas carreiras, foi um momento único. Não me lembro de ter tantos chefs daquele calibre sentados à mesma mesa. Senti-me especial por estar incluído naquele grupo.” 

 

Elisabete Jacinto, piloto todo-o-terreno
O ambiente do deserto

“Quando comecei a andar de mota não tinha qualquer experiência na areia, e enervava-me sempre quando surgia uma zona de dunas para atravessar. A certa altura, percebi que só resolveria isso se tivesse oportunidade de treinar. Foi então que passei a ir para Marrocos e, a partir daí, comecei a fazer grandes progressos em termos de condução, na maneira de estar, a aprender a ler as dunas e a saber escolher caminhos. 

O ambiente do deserto é o paraíso do nada, da ausência de praticamente tudo. Temos a terra e o céu. Mais nada. Essa inexistência de animais, de vegetação, de pessoas, faz com que haja um pouco a sensação de que estamos ali a mais. Não fazemos parte daquela paisagem e sentimos, de alguma forma, que a nossa sobrevivência não está garantida. Mas, por outro lado, essa insegurança desenvolve em nós uma capacidade de tomar decisões e de formular raciocínios que, de outra forma, não seríamos capazes. 

Por essa razão, costumo dizer que o deserto nos torna muito mais inteligentes, e esse, para mim, é o seu verdadeiro fascínio. Há uma ambiguidade engraçada: no meio daquele nada, as pessoas sentem-se muito pequeninas, mas, ao sentirem-se tão pequenas, acabam por se pôr em bicos de pés e fazer coisas que, em circunstâncias normais, nunca fariam. Ultrapassam-se medos. Se, por um lado, as dunas exercem um fascínio enorme, por outro foi lá que senti algumas das emoções mais aterradoras: é de repente pensar que se está no meio do nada e que ninguém nos poderá salvar. Lembro-me uma vez de ter caído e, quando fui pôr a mão no punho da mota, para a levantar, ao lado estava uma cobrinha muito pequenina, toda enterrada na areia. Primeiro fiquei muito assustada, mas tive de levantar a mota — não podia ficar ali. A cobra acabou por desatar a mexer-se e ir-se embora.

Anos mais tarde, descobri, ao ver um programa de televisão, que não se tratava de uma cobra inofensiva, era uma víbora do deserto.”

--%>