Fugas - Viagens

  • Na zona do Cabo Espichel
    Na zona do Cabo Espichel Mara Carvalho
  • Um pescador da área
    Um pescador da área Mara Carvalho
  • Sesimbra
    Sesimbra Mara Carvalho
  • Sesimbra
    Sesimbra Mara Carvalho
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  • Praia do Ouro
    Praia do Ouro Mara Carvalho
  • Forte do Cavalo
    Forte do Cavalo Mara Carvalho
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    Cabo Espichel Mara Carvalho
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    Cabo Espichel Mara Carvalho
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    Cabo Espichel Mara Carvalho

Arrábida de serra e de mar

Por Mara Gonçalves

Fomos passear entre a vila de Sesimbra e o cabo Espichel, primeiro por mar, depois por terra. O final coroado com um salto ao Portinho da Arrábida.

O casario branco de Sesimbra aninha-se lá ao fundo, caído sobre a baía de calmo azul. No porto, a manhã acorda igualmente preguiçosa. Alguns pescadores despacham afazeres com toda a calma, o silêncio é quase absoluto. E assim continuará, ignorado o motor do semi-rígido que nos guia nesta “Travessia do Cabo”. É natureza que se vê e que se ouve, num percurso interpretativo até ao promontório de Espichel.

No mar, os azuis e verdes mitigam-se em transparências, distingue-se o fundo rochoso da areia, dezenas de peixes cruzam o barco. “Os que se vêem à superfície costumam ser tainhas, mais abaixo são geralmente robalos”, indica António Martelo, do departamento de comunicação da autarquia de Sesimbra. Também ele tem uma aiola, pequena embarcação tradicional da região, como aquela onde regressa o senhor Dias da faina, chocos e polvos saltam do balde para as fotografias. 

Segundo a Docapesca, em 2014 a lota de Sesimbra foi líder no total descarregado de pescado, 17,6 mil toneladas, e segunda do país em valor de vendas, com 22,2 milhões de euros angariados. Nas traineiras chegam a sardinha, o carapau e a cavala, de embarcações maiores o peixe-espada, nas aiolas as lulas, os polvos e os chocos, apanhados nos característicos covos. A pesca está no ADN de Sesimbra e é impossível passearmos pela costa sem nos cruzarmos com ela: em barcos, em estórias, em pescadores de cana empoleirada nas rochas, em mergulhadores que se preparam para apanhar bivalves apesar de ser proibido fazê-lo aqui, em pleno Parque Marinho Professor Luiz Saldanha, 38km de costa, desde a praia da Figueirinha até à praia da Foz, já a norte do cabo. “Foi o primeiro a ser criado, em 1998, e desde então já foram catalogadas mais de 1400 espécies.”

Um pouco mais à frente, a “enseada da mula”, o formato do rochedo a dar-lhe o nome. “Quando a maré está muito cheia, os pescadores dizem que a mula está a beber água”, conta José Saleiro, responsável pela Vertente Natural, empresa com quem descobrimos este pedaço de costa, agora por mar, daqui a pouco por terra. A seguir, a praia do Ribeiro do Cavalo: um areal quase deserto entre uma parede dourada e um mar translúcido (o acesso por terra implica uma caminhada de mais 20 minutos por caminhos entre a vegetação). 

Passamos pela “boca do tamboril” — gruta onde um pescador escondia o barco para ninguém saber onde ia apanhar aquele peixe, conta a lenda — e, pouco depois, a “gruta do frade”. Olhamos aquele pequeno triângulo aberto ao nível do mar e custa-nos acreditar que por ali se acede a “300 metros de gruta, dois quilómetros num percurso de vinte salas”. “É a mais bonita de Portugal”, defende João da Luz, que hoje segue ao “leme” e que integrou a equipa que descobriu e investigou a cavidade. Descrições de assombro que dificilmente comprovaremos, uma vez que a gruta, de acesso complicado, “dificilmente será visitável”.

Continuemos, então, pela costa recortada de falésias cinzentas e pequenas enseadas. Aqui a praia da Cova da Mijona — à beira-mar um “calhau” recuperado (antigo abrigo de pescadores); ali a praia do Penedo (ou do Inferno, por ser a única da zona onde crescem vagas com o vento norte); acolá a praia do Porto da Baleeira (ou do Paraíso, em contraponto com a anterior), de onde partiam as embarcações na caça à baleia. “Há aqui uma falha geológica que corta a costa no sentido norte-sul e que está a criar uma separação do cabo Espichel”, indica José Saleiro. “Um dia o cabo será uma ilha.”

“Ali vai ser um Atlântico mais complicado”, avisa João. O promontório começa a desenhar-se no horizonte. Primeiro, as “paredes” ou “mesas” a recortar a base em arcos — conta-se que os romanos acreditavam que os roncos que o mar ali fazia eram na verdade Neptuno e o filho a discutir; depois a cara do cabo, um rosto em perfil que, na verdade, não conseguimos encontrar. Lá em cima a Casa da Ronca, sinal sonoro que outrora avisava os barcos em tempo de nevoeiro, noutra encosta o farol sobranceiro e, já no lado norte, o santuário, que visitamos em seguida.

Mas antes, um momento de espantos e fotografias: o mar entra numa cavidade e sai de lá um enorme jacto de água e espuma branca, como se ali mergulhasse uma gigante baleia, lançando um esguicho junto à falésia — os locais chamam “bilfa” a este momento mágico. É tempo de regressar, um quadrado da tradicional farinha torrada para o caminho e o jipe já sobe encosta acima rumo ao complexo do Santuário da Nossa Senhora do Cabo.

Conta a lenda que “um velho de Alcabideche e outro da Caparica viram aqui uma luz muito forte e dirigiram-se para cá, onde encontraram Nossa Senhora montada numa mula”, recorda José Saleiro. O milagre, que terá ocorrido em 1410, levou à construção da Ermida da Memória e da primeira igreja, iniciando-se um período de romarias. A afluência de peregrinos ao local cresceu e no século XVIII são erguidas as principais edificações que hoje vemos, da nova igreja às hospedarias e casas dos círios que a ladeiam, da casa dos reis à casa da ópera, o edifício da mãe d’água lá ao fundo.

Os compridos edifícios de alojamento de peregrinos impressionam pelo ar de decadente clausura, as janelas e portas encerradas a cimento. Só num rés-do-chão há vida: mesa e cadeiras sob as arcadas, um homem que se esconde na sombra dos portões de metal. “Decaiu com o fim das ordens religiosas e depois no 25 de Abril foram ocupadas por ‘pixitos’ (nome que envergam com renovado orgulho os naturais de Sesimbra) que alugavam as suas casas na vila durante o Verão e vinham morar para aqui”, conta António Martelo.

Em contraste, a singela Ermida da Memória, pequena e alva sobre o vazio da encosta, o tecto mimoso em forma de suspiro, para lá só o azul do céu e do mar. A porta está fechada e o gradeado tapado, mas conseguimos espreitar por uma fresta para vermos aquela que será a “primeira representação gráfica de pegadas de dinossauro”, indica José Saleiro. O painel de azulejos do lado esquerdo retrata a chegada de Nossa Senhora na mula, mas o vestígio deixado pelo animal foi, na verdade, deixado por outro, milhares de anos antes. O trilho retratado, subindo a baía dos Lagosteiros que assoma lá em baixo, é um dos locais onde foram encontradas pegadas de dinossauros, um percurso assinalado e, garantem-nos, a mais impressionante das três jazidas de icnofosséis de Sesimbra (as outras são Pedra da Mua e Pedreira do Avelino).

Não chegamos a ver vestígios de dinossauros mas, em contrapartida, passearemos entre as vitrines do Museu Oceanográfico, uma inusitada colecção de animais encontrados no Parque Marinho Professor Luiz Saldanha. Há recriações, bichos embalsamados e muitos mergulhados em frascos de formol. Revisitamos a história do museu e da fortaleza onde está inserido, provamos vinhos da região no terraço, mas nada suplanta as vistas sobre o Portinho da Arrábida. Mafalda, guia do museu, resume num desabafo: “Estou cá sempre. É o sítio mais lindo do mundo. Vou de férias para onde?” 

A Fugas viajou a convite ?da Entidade Regional de Turismo ?da Região de Lisboa

O que fazer

A Vertente Natural (tel.: 21 084 89 19; www.vertentenatural.com) disponibiliza várias actividades de turismo náutico e de aventura na zona de Sesimbra, entre passeios pedestres, de barco e de canoa, canyoning, coastering, mergulho, espeleologia, entre outros. O percurso que fizemos — Travessia do Cabo — inclui ida e volta do porto de Sesimbra ao cabo Espichel, dura cerca de duas horas e custa 27€ por pessoa.

Não deixe ainda de visitar as ruas apertadas da vila, o castelo, a recuperada Fortaleza de Santiago ou o Santuário do Cabo, assim como a imensidão de verde da serra da Arrábida. Desça até à enseada do Portinho para um mergulho nas águas cristalinas e se quiser saber mais sobre o Parque Marinho Professor Luiz Saldanha recomendamos o Museu Oceanográfico, na Fortaleza de Santa Maria da Arrábida.

Regue o passeio com a visita a uma das adegas da região onde se produz, entre outros, o Moscatel de Setúbal. 

Onde comer

O restaurante Ribamar (Avenida dos Náufragos, 29 – Sesimbra; restauranteribamar.pt) está a celebrar 65 anos; idade-estatuto que faz dele uma das principais casas de peixe e marisco da vila. Se quiser fugir às multidões que assomam a Sesimbra no Verão, experimente o café Retiro dos Amigos, na Azoia (recomendam-nos a feijoada de marisco). Ali próximo fica também a loja Espigas, onde pode comprar queijo fresco regional e farinha torrada. A melhor receita desta iguaria, dizem-nos, está, no entanto, na padaria A Camponesa — “todos a conhecem como Joaquim do Moinho” — no Largo Euzébio Leão.
 

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