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Segredos bem guardados na ilha da deusa do amor

Por Sousa Ribeiro

Nas montanhas Troodos, dominadas pelo Monte Olimpo, escondem-se dez igrejas classificadas como Património Mundial da UNESCO, um extenso vale com 200 mil cedros e, para norte, passada a linha que divide gregos e turcos, praias e castelos, aldeias e cidades que ainda respiram a serenidade há muito perdida na costa sul do Chipre.

Olhava para a frente e via para trás, até à recordação mais vívida, já distante no tempo, um mar de cerejeiras em flor que parecia feliz por ser contemplado, os odores que a brisa carregava e com os quais perfumava tudo à sua volta; agora, no mesmo lugar, quando chego já as flores partiram e as folhas, fustigadas pelo vento, não tardarão a despedir-se; por enquanto, o cenário permanece belo nas suas cores outonais banhadas por um sol que doura tudo por onde se consegue insinuar.

A ausência desse cheiro, emanado por aquela espécie de vestido de noiva, nessa Primavera cada vez mais longínqua nas montanhas Troodos, produz em mim um sentimento de orfandade. Mas logo me sinto compensado quando penetro no interior da igreja de Timiou Stavrou, em Omodos, respirando o incenso e a atmosfera, como que magnetizado pelas duas, talvez um pouco mais pela segunda, perante o fervor que domina o local de culto.

A 14 de Setembro festeja-se, na pequena aldeia, o dia da Exaltação da Cruz e homens e mulheres, de olhos cerrados ou com uma expressão grave pintada no rosto, assistem às cerimónias religiosas, que incluem a bênção de pães com diferentes formatos que são erguidos no ar.

No ano 45, a ilha foi evangelizada por São Paulo e São Barnabé e, face à conversão do procônsul romano Sergius Paulus ao Cristianismo, Chipre tornou-se a primeira nação a ser governada por um cristão. Ao longo dos anos, o número de crentes não parou de aumentar mas é já no século IV, altura em que é descoberto o túmulo de São Barnabé, tendo pousado sobre o coração o Evangelho de São Mateus, que o imperador Zénon lhe proporciona a autocefalia (independência administrativa eclesiástica) — e Chipre separa-se de Antioquia e torna-se totalmente autónomo.

Logo a meio da manhã, vindos de todas as partes da ilha para participar nas celebrações, os cipriotas começam a conduzir os seus passos para a igreja de Omodos, enquanto lançam olhares fugazes aos vendedores de soudzoukos, de pipilla, de loukoumades e de vinhos da região.

Ainda durante o século IV, a mãe do Imperador Constantino, Santa Helena, efectuou uma escala em Chipre após uma visita à Terra Santa e depositou em Stravrovouni (montanha da cruz verdadeira), no cume do Monte Olimpo, bem como em Tokni, dois fragmentos da cruz. A determinada altura, a história e a lenda começam a fundir-se e ninguém sabe responder a que domínio pertence o que se conta de um padre a quem se atribui, em 1318, o roubo do segundo fragmento ou todos os outros que ora são reencontrados ou redescobertos — e a confusão aumenta e fervilha no cérebro do viandante à medida que esta e aquela igreja, aqui e acolá, se proclamam como depositárias de relíquias.

Entre elas a de Timiou Stavrou, em Omodos, onde agora me encontro, fundada por Santa Helena quando corria o ano de 327, ainda em festa para comemorar o dia de aniversário da invenção da cruz, da autoria da santa. Diz-se que, em tempos, o fragmento e mesmo o titulus (título) estavam expostos para serem venerados pelos fiéis que, justificando-se com a sua devoção, terão começado a aplicar fortes dentadas na cruz para se apropriarem de bocados — e, desta forma, por decisão dos superiores religiosos, a cruz foi retirada.

A procissão acaba de se recolher, os peregrinos abandonam a igreja, misturam-se pelo adro e um grupo de pessoas junta-se, há já algum tempo, em volta e com os olhos colados num enorme cálice dourado cheio de água.

Tudo o que atrai o turista, ou quase tudo, nas igrejas de Troodos está envolto numa aura de mistério. Não se vê nem uma parte ínfima da verdadeira cruz, tão-pouco se sabe se existe, mas Omodos, enquanto a festa decorre, agora com vendedores mais sorridentes, atrai os fiéis que aceitam, sem contestar, que este lugar sagrado também acolhe o crânio de São Filipe e mesmo algumas linhas das cordas que serviram para amarrar Jesus Cristo à cruz.

E provavelmente estão certos.

Na água, os salpicos da essência de rosas, deitados sobre o cálice dourado pela mão direita de homens que colocam a mão esquerda sobre o coração, produzem desenhos sedutores. Mas ninguém parece reparar neles. A água é uma preocupação na ilha. E a seca uma inquietação já retratada em Limões Amargos, obra de Lawrence Durrell, cuja permanência em Chipre, nos anos 1950, lhe permitiu escrever que “a água é tão rara em Chipre que ela é vendida à parte”.

O que o escritor britânico, nascido em Jalandar, na Índia, também autor de O Quarteto de Alexandria, pretendia dizer é que, na ilha, quando se compra uma casa, o mais importante é adquirir o direito de ter água. 

Os cânticos dos religiosos atravessam o espaço, resgatam-me aos pensamentos, há mais uma dúzia de gotas tombando sobre o cálice dourado mas, por instantes, é o cheiro do manjericão que preenche o ar, o ramo mergulhado nas águas, sacudido em volta, sobre a cabeça dos crentes pelo bispo de Paphos até ser lançado sobre a multidão que enche o adro da igreja — o manjericão, planta sagrada, terá crescido em volta de Jesus Cristo no dia em que ressuscitou.

De repente, os fiéis, como uma vaga enfurecida, precipitam-se sobre o cálice, brandindo no ar centenas de garrafas de plástico que não tardam a ficar cheias da água acabada de benzer pelo bispo. Homens e mulheres, com grande tenacidade, procuram romper por entre aquela maré enfurecida e, em poucos minutos, o recipiente fica vazio — há apenas umas gotas com que meia-dúzia de mulheres refrescam a face.

Quando os crentes partem, Omodos recupera a sua quietude diária e a mais encantadora das aldeias vitícolas (krassochoria) de Troodos revela o seu verdadeiro carácter: caminho pelas suas ruas e vielas envoltas numa serenidade apaziguadora, observo os artesãos trabalhando em paz, sorridentes, os velhos lagares e casas elegantes e exemplarmente restauradas e não parto sem provar algumas das especialidades da região e o bom vinho que se produz na zona.

À minha frente ergue-se, imponente, subindo até quase 2000 metros, o Monte Olimpo, verdadeira sentinela da maior cadeia montanhosa da ilha, mas o asfalto, com as suas curvas revelando segredos a cada instante, convida-me a prosseguir. Em pouco tempo, sinto o pulsar do coração do maciço de Troodos, representado, em toda imponência, pelo mosteiro de Kykko, a 1500 metros de altitude e o mais rico e o mais célebre de todos em Chipre.

Aqui e ali, algumas dezenas de peregrinos que logo se embrenham pelo interior, depositando os lábios nos ícones e rogando as suas preces a um santo, a um apóstolo e à Panagia. Figura máxima da igreja oriental, a Virgem Santíssima vela em diferentes lugares de culto ao longo da ilha, na maior parte das vezes identificada não pelo nome mas de acordo com epítetos topográficos, como Trooditissa (referência a Troodos) ou Phorbiotissa.

A 8 de Setembro, celebra-se o seu nascimento e, nesse dia, os fiéis acorrem ao mosteiro que se orgulha de possuir um dos três ícones da Virgem pintados por São Lucas no tempo em que a Santíssima ainda era viva. Kykko foi fundado em 1100 mas reconstruído em pedra em 1831, na sequência dos estragos provocados por alguns incêndios ao longo dos séculos. Uns anos mais tarde, o mosteiro foi pilhado pelos turcos mas não teve de esperar muito mais tempo para herdar as terras dos fiéis que se recusavam a pagar as taxas prediais aos invasores.

Como consequência deste súbito enriquecimento, o mosteiro transformou-se no maior proprietário de terrenos em toda a ilha e num centro vitícola de excelência; todos os anos são retiradas das caves mais de um milhão de garrafas de vinho, entre as quais o famoso Commandaria, já documentado em 800 a.C. e considerado o vinho mais antigo do mundo que ainda é produzido. 

No interior, multiplicam-se os beijos, os crentes vão esperando pacientemente a oportunidade de demonstrar a sua fé perante Cristo, os apóstolos, os santos, a Virgem e, mal a missa e a procissão terminam, procede-se à distribuição do pão e à repartição da koliva (um prato guarnecido de amêndoas, outros doces e de cereais). Por agora, alguns visitantes ainda se detêm por mais uns minutos em frente da imagem de São Lucas, bem protegido por um véu e rodeado de pernas e diferentes órgãos humanos em cera, testemunhos de uma fé sem limites nestas montanhas que ao longo dos tempos serviram de refúgio a todos os que tentavam escapar aos povos invasores decididos a dizimar Chipre — como a família dos Lusignan (1192 a 1489), os venezianos (1489 a 1571), os otomanos (1571 a 1878) e os ingleses (1878 a 1960).

Na sua luta pela independência, também os resistentes do EOKA (Ethniki Organosis Kyprion Agoniston), organização nacionalista da luta cipriota, encontraram um porto seguro nas alturas de Troodos e o mosteiro de Kykko, ainda hoje abrigando pouco mais de duas dezenas de monges que vão espalhando a chama da ortodoxia, permanece como um lugar que apela à memória, até ao tempo em que o arcebispo Makarios aqui fez a sua formação no início do século.

Figura incontornável da Enosis (união de Chipre à Grécia), Makarios tornou-se presidente após a independência, em 1960, e, embora sendo líder do braço político da EOKA, sempre se opôs à luta armada, preferindo encontrar uma solução para o conflito com os turcos através do diálogo mas sem conseguir evitar a divisão da ilha, em 1974, três anos antes da sua morte.

Rumo ao norte

Já a caminho de Nicósia, a cidade dividida, passo por aquela que é justamente considerada a mais magnificente e mais impressiva de todas as igrejas de Troodos que integram a lista de Património Mundial da UNESCO. Inteiramente coberta de frescos, a Panajia tou Asinou não deixa ninguém indiferente e é o único edifício ainda de pé da estrutura que compunha o antigo mosteiro de Phorbia, fundado em 1099 — se bem que o nártex e as duas absides com que foi dotada remontem a uma data posterior (século XII).

Construída com pedras de origem vulcânica que se encontram na região, as representações que decoram os seus muros são um testemunho verdadeiro e inestimável de mais de cinco séculos de arte religiosa, com as suas personagens do século XII, expressando um ar nobre e de profunda espiritualidade, como exemplares máximos e bem característicos do período em que viveu o imperador Comneno. Mas a igreja sofre também a influência dos modelos ocidentais, como se pode observar numa zona da parte central da abóbada, em quatro cenas da vida de Cristo que datam do século XIV — e tantas são as pinturas e tão fácil a leitura que, mais do que serem olhadas, devem ser vistas, percorrendo-as com a atenção que se deve dedicar a um livro.

Nicósia, com as suas muralhas venezianas divididas pela cidade dividida, fica para trás e logo começam a surgir placas indicando a direcção de Kyrenia, onde chego ao fim de menos de meia hora. A primeira imagem seduz de imediato, o seu porto pitoresco reflectido nas águas calmas, as mesas dos cafés e dos restaurantes enchendo a atmosfera ainda de mais cor. Mas a popularidade da cidade — um dos lugares preferidos dos oficiais ingleses reformados durante a ocupação — resulta também de um conjunto de atracções que rapidamente prendem o olhar.

Kyrenia, ou Girne, como lhe chamam os locais, foi fundada por gregos no século VII a.C. mas os romanos, os venezianos e os otomanos deixaram igualmente a sua marca na arquitectura, reforçando as suas linhas defensivas para se precaverem das investidas dos invasores.

Dominando o porto que goza de uma posição estratégica no norte da ilha, o castelo de Kyrenia foi levantado no século XVI pelos venezianos, alegadamente sobre os escombros de um forte dos Cruzados. Investigações levadas a cabo no lugar sugerem a existência de um castelo bizantino já no século VII (construído sobre um forte romano) para defender a cidade da ameaça marítima árabe, mas a primeira referência documentada remonta a 1191, ano em que foi capturado por Ricardo, Coração de Leão, a caminho da terceira Cruzada.

Anos mais tarde, Ricardo vendeu a ilha aos Cavaleiros Templários e, mais tarde, ao primo Guy de Lusignan, antigo rei de Jerusalém, cuja família subjugou Chipre durante quase 300 anos. Alvo de frequentes cercos, o mais longo de todos ocorreu no século XV e prolongou-se por quase quatro anos, obrigando os ocupantes a alimentarem-se de ratos.

Nos derradeiros anos do mesmo século, os venezianos assumiram o controlo de Chipre e, em 1540, paranóicos face aos avanços dos otomanos, deram ao castelo a forma que hoje apresenta. Dele não desfrutaram, os venezianos, mais do que 30 anos: consumada a chegada das tropas otomanas, partiram sem dar luta, enquanto o castelo sofria ligeiras alterações logo destruídas pelos ocupantes ingleses, que também o usaram como prisão para os membros da EOKA, em luta contra os colonizadores.

O castelo, ao qual se acede por uma ponte de pedra construída sobre o antigo fosso, abriga o túmulo do almirante Sadik Pasha, a quem se atribui a conquista da cidade em 1571, a cruciforme igreja de S. George, do século XII e preservada pelos venezianos, bem como o museu dos naufrágios, exibindo, entre outros artefactos, os restos de um navio mercante grego do século IV a.C., uma das mais antigas embarcações do mundo a serem recuperadas, juntamente com a carga.

O barco, com um comprimento de 14 metros e feito de madeira de pinheiro de Aleppo, na Síria, foi descoberto há precisamente 50 anos por Andreas Kariolou, um mergulhador cipriota-grego, carregado de ânforas de vinho provenientes das ilhas gregas de Kos e Rhodes, tendo naufragado na sequência de uma forte tempestade mesmo à entrada do porto de Kyrenia (a equipa de arqueólogos que estudou durante cinco anos o naufrágio admite que a embarcação tinha já 80 anos quando foi engolida pelas águas do mar).

O castelo conta também com uma cisterna e uma masmorra — e esta última, se falasse, teria uma história trágica para contar: nela foi torturada a graciosa Joanna l’Aleman, amante do rei francês de Chipre, Pierre De Lusignan I (1328-1369), por ordem da sua mulher ciumenta, a rainha Eleanora.

Do castelo vê-se a cidade e a cidade não é só o castelo. A parte velha, com algumas bonitas mansões venezianas, como o edifício de três andares que acolhe o museu de arte popular, deve ser percorrida calmamente, sentindo como é diferente o ritmo entre uma urbe do norte e uma do sul, a maior parte delas colonizadas pelo turismo.

Da cidade avista-se outro castelo: o de St. Hilarion, assim designado por ter acolhido, no dorso da colina, um monge eremita que, vítima de perseguição, fugiu da Palestina; mais tarde, na área em redor do túmulo do santo, foram erguidas uma capela e um mosteiro bizantinos e, já no século XII, um forte. Apelidado de “Deus do Amor” pelos reis franceses que, nos meses de Verão, em busca de uma temperatura mais amena, aqui se instalavam, o castelo de St. Hilarion foi ocupado pela Organização de Resistência Turca na década de 1960 após ter bloqueado a estrada que liga Kyrenia a Nicósia.

Kyrenia dá nome também a uma cadeia montanhosa que se estende ao longo de 160 quilómetros pelo Norte de Chipre, oferecendo a possibilidade de ser apreciada a pé, muitas das vezes seguindo por antigos caminhos de cabras. Por este território quase sempre impregnado de solidão, sem grande pressa acaba-se por deparar (a escassos quilómetros de Kyrenia) com o castelo Buffavento, 950 metros acima do nível das águas do mar, e, partindo daí, sempre com o mar à direita, são umas três horas até chegar à abadia Bellapis (abadia da paz), em turco Beylerbeyi, em cuja aldeia viveu Lawrence Durrell, inspirando-se para escrever o já citado Limões Amargos.

O cabo da frigideira

Para oriente de Kyrenia, até ao cabo Apostolos Andreas, no nordeste da ilha, estende-se a pacata península de Karpas, com a sua forma (visto o mapa da ilha) em cabo de frigideira. O trânsito é escasso, as bonitas e solitárias praias sucedem-se umas atrás das outras e, em poucos minutos, o cenário convida-me a fazer uma paragem. Grande parte da tarde, agora de um céu todo azul, passo-a a explorar a área em volta do castelo de Kantara, também situado na península de Karpas e alegadamente o lugar onde Isaac Comneno se terá rendido a Ricardo, Coração de Leão, durante as Cruzadas. 

Uma lenda diz que o castelo engloba 101 divisões e aquele que encontrar a última tem lugar assegurado no paraíso. Mas eu prefiro concentrar-me na panorâmica que se me oferece à contemplação, o norte da ilha para ocidente e para oriente e, à distância, no dia de boa visibilidade, disse-me um ancião em Kyrenia, fazendo-me companhia enquanto tomava um café, até é possível ver as montanhas da Turquia e mesmo do Líbano.

Para ocidente, Alsancak, a apenas dez quilómetros de Kyrenia, é uma aldeia serena, no sopé das montanhas por onde correm a esta hora algumas nuvens de um branco imaculado, e foi construída sobre as ruínas de Lambousa, uma das dez antigas cidades-reino de Chipre. Em Alsancak, para os gregos Karavas, não falta potencial turístico e, a despeito de manter o seu charme e de preservar algumas tradições, da simpatia das suas gentes e da qualidade do café turco que se serve nas suas ruas, nos últimos dois anos o número de turistas e mesmo de residentes tem aumentado substancialmente.

A meio da manhã, agora que o Verão se despede, respiro serenidade, tanto na aldeia como na Escape Beach, uma toponímia que me cativa menos do que Çikarma Plaj, como também é conhecida e que se pode traduzir por praia do desembarque — o lugar onde, na verdade, desembarcou a marinha turca, em 1974 (tendo também a aldeia o museu da paz e da liberdade, reminiscência da confrontação militar).

Alsancak e Kyrenia, especialmente esta última, são alguns dos melhores lugares em toda a ilha para a prática do mergulho. Receio afundar-me mais facilmente do que um antigo barco grego e sigo até Famagusta, depois sempre ao longo da costa sul cheia de prédios subindo nos céus e, quando a tarde ameaça extinguir-se, chego a Paphos respirando o amor que emana de Afrodite. Embora turística, é uma cidade que me agrada, com os seus bons restaurantes, uma atmosfera mais tranquila do que, por exemplo, Larnaca ou Aya Napa e tem como vizinha Petra tou Rominou, por vezes tão cheia de gente e vazia de silêncio mas eternamente irresistível.

Aqui, observando as rochas subindo das águas, as suas baías tão delicadamente recortadas, deixo que o dia expire e as tonalidades do ocaso pintem o mar de vermelho. Petra tou Rominou nunca se divorcia da sua aura mágica que transporta o viajante até às raízes mais profundas dos primeiros habitantes da ilha e, agora que o céu se cobre de estrelas, já não acredito que Afrodite, deusa do amor, da beleza e da fertilidade, possa emergir das profundezas sentada numa concha com a ajuda de golfinhos. Talvez amanhã. Ou na Primavera. Quando as cerejeiras voltarem a florir.

Guia prático

Quando ir

A melhor altura para visitar a ilha é na Primavera ou no Outono, quando as temperaturas são mais agradáveis. No Verão, especialmente em Julho e Agosto, os termómetros ultrapassam com frequência os 40 graus. Situado na parte oriental do Mediterrâneo, logo a sul da Turquia, a norte do Egipto e a sudoeste da Grécia, Chipre beneficia de um clima tipicamente mediterrânico, com muitos dias de sol.

No entanto, o calor é mais intenso nestas paragens do que em qualquer outra zona banhada por aquele mar (a temperatura da água supera facilmente os 25 graus no pico do Verão). Há algumas — mas poucas — variações climáticas que resultam da presença de duas cadeias montanhosas, uma a Troodos, que se eleva a pouco mais de 2000 metros, abraçando quase todo o sudoeste da ilha, e a outra, menos imponente, a Kyrenia, na parte norte-centro, ambas protegendo a planície central Mesaoria (significa literalmente entre as montanhas, em grego) e uma parte considerável da costa oriental — daí resulta um clima semiárido e escassa queda de precipitação.  

Como ir

Não há ligações aéreas directas entre Portugal e Chipre mas diferentes companhias operam entre Lisboa e Larnaca com uma escala. Não sendo propriamente barata, a tarifa (a rondar os 600 euros) da Lufthansa tem a vantagem de não obrigar a uma paragem prolongada em Frankfurt. Mesmo assim, convém pesquisar outras possibilidades, como a Transavia, em conjunto com a KLM, ou mesmo — e essa pode ser uma solução mais em conta — voar para Atenas e, desde a capital grega, com a Aegean Airlines até Larnaca (preço para um bilhete de ida e volta ronda os 120 euros). 

Onde comer

Em Asinou, mesmo em frente à igreja, ninguém se sente infeliz ou arrependido após provar a gastronomia do Stavros tis Asinou, especialmente uma das suas delícias, o kleftiko, um guisado de borrego com uma qualidade difícil de igualar em toda a região. Em Omodos, a Taverna Makrinari oferece excelentes mezzes, em Kyrenia, o Niazi’s tem os melhores kebabs grelhados no carvão (de preferência acompanhados de mezzes) e, em Paphos, se decidir ficar mais do que um dia, não deixe de experimentar (e de reservar atempadamente) o Ficardo, na Poseidonos Avenue 50A, o extremamente popular (pode ter de esperar uma semana por uma mesa, mesmo na época baixa) Laona, na Votsi Street, 6, um restaurante há 30 anos com a mesma gerência, ou, finalmente, o The Windmill, na Pafias Afroditis Street, 19, um ambiente familiar e uma cozinha soberba.

Onde dormir

Se pretender pernoitar nas montanhas Troodos, tem diferentes alternativas mas uma das melhores passa pelo Forest Park, com vista sobre a aldeia de Platrès (a poucos quilómetros de Omodos), um edifício colonial com quartos muito confortáveis e preços acessíveis. Já em Kakopétria, recomenda-se o Linos Inn, um conjunto de apartamentos de turismo rural e com tarifas diárias entre os 40 e os 60 euros para um duplo. Em Kyrenia ou em Paphos ou em qualquer outra cidade cipriota as opções não podiam ser mais diversificadas, em qualidade e preço.

A visitar

O maciço de Troodos pode ocupar o viajante durante um largo período se desejar conhecer todos os lugares de culto que se abrigam sobre as imponentes montanhas. Além das já citadas, vale a pena visitar outras maravilhas arquitectónicas, como o mosteiro bizantino de Panayia tou Arakou (século XII) ou outros dois, situados em cada uma das extremidades das montanhas, o de Stavrovouni (interdito às mulheres) e o de Chrysoroyiatissa, na parte ocidental e com uma área de vinha de 140 hectares que produz oitenta a cem mil garrafas por ano.

Para os amantes das caminhadas, Troodos proporciona um número razoável de trilhos que podem ser percorridos pausadamente, entre eles o Artemis e o Atalante. Mas seguramente que será o Vale dos Cedros, na estrada de Tsakistra, com as suas 200 mil árvores protegidas, a provocar maior espanto no turista — e mais ainda se tiver a sorte de ver, de perto ou à distância, um muflão, uma espécie caprina única no mundo.

Entre as aldeias, Kakópétria, Phikardou, Gourri e Lazanias, com as suas casas bem preservadas, também não devem ser ignoradas.

Já nas proximidades de Paphos, os amantes do mergulho sentir-se-ão gratos ao explorarem alguns dos barcos que se afundaram, em finais do século passado, na costa sul, enquanto os apaixonados pelas caminhadas (por aqui passa a E4, o mais longo trilho da Europa, com um total de 10 mil quilómetros) e pelo todo-o-terreno (mesmo bicicleta de montanha) devem dirigir-se à península de Akamas (deriva do nome de um guerreiro grego) para explorarem o desfiladeiro de Avgas (Avakas) e admirarem lagoas, baías, praias, aldeias e o solitário Cabo Arnaoutis numa das regiões mais tranquilas da ilha. 

Informações

Membro da União Europeia desde 1 de Maio de 2004, Chipre substituiu a libra cipriota pelo euro no primeiro dia de Janeiro de 2008.

Portugal tem representação diplomática no país, em Nicósia, na Avenida Arch. Makarios, 9, Edifício Severis, 5.º andar, podendo os contactos ser feitos através do telefone (+357) 22 375 131 ou do e-mail embportugal@nicosia.dgaccp.pt. Além da embaixada na capital, o país está também representado por dois consulados, um em Larnaca (na Avenida Artemis, 16) e outro em Limassol (na Neocleous House, Avenida Makarios III, 195).

O grego e o turco são as línguas oficiais mas o inglês é falado por grande parte da população mais jovem.

Desde a entrada de Chipre na União Europeia, e não obstante a ilha estar dividida há mais de 40 anos entre gregos e turcos, é muito mais fácil atravessar as fronteiras tanto num sentido como no outro. No caso dos portugueses, se desejarem visitar o Norte, apenas carecem de um passaporte válido e do preenchimento de um formulário que deverá ser carimbado (e não o passaporte) pelas autoridades.

Existem meia dúzia de postos de controlo, abertos 24 horas por dia (o principal é o de Metehan, em Nicósia), e não há qualquer limite de entradas e saídas ou de tempo de permanência — apenas limitações na circulação de bens, como cigarros, por exemplo. É importante ter em atenção que pode alugar um carro no sul e viajar pelo norte (necessita de um seguro adicional fácil de obter na fronteira) mas o contrário não é permitido.

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