Olhava para a frente e via para trás, até à recordação mais vívida, já distante no tempo, um mar de cerejeiras em flor que parecia feliz por ser contemplado, os odores que a brisa carregava e com os quais perfumava tudo à sua volta; agora, no mesmo lugar, quando chego já as flores partiram e as folhas, fustigadas pelo vento, não tardarão a despedir-se; por enquanto, o cenário permanece belo nas suas cores outonais banhadas por um sol que doura tudo por onde se consegue insinuar.
A ausência desse cheiro, emanado por aquela espécie de vestido de noiva, nessa Primavera cada vez mais longínqua nas montanhas Troodos, produz em mim um sentimento de orfandade. Mas logo me sinto compensado quando penetro no interior da igreja de Timiou Stavrou, em Omodos, respirando o incenso e a atmosfera, como que magnetizado pelas duas, talvez um pouco mais pela segunda, perante o fervor que domina o local de culto.
A 14 de Setembro festeja-se, na pequena aldeia, o dia da Exaltação da Cruz e homens e mulheres, de olhos cerrados ou com uma expressão grave pintada no rosto, assistem às cerimónias religiosas, que incluem a bênção de pães com diferentes formatos que são erguidos no ar.
No ano 45, a ilha foi evangelizada por São Paulo e São Barnabé e, face à conversão do procônsul romano Sergius Paulus ao Cristianismo, Chipre tornou-se a primeira nação a ser governada por um cristão. Ao longo dos anos, o número de crentes não parou de aumentar mas é já no século IV, altura em que é descoberto o túmulo de São Barnabé, tendo pousado sobre o coração o Evangelho de São Mateus, que o imperador Zénon lhe proporciona a autocefalia (independência administrativa eclesiástica) — e Chipre separa-se de Antioquia e torna-se totalmente autónomo.
Logo a meio da manhã, vindos de todas as partes da ilha para participar nas celebrações, os cipriotas começam a conduzir os seus passos para a igreja de Omodos, enquanto lançam olhares fugazes aos vendedores de soudzoukos, de pipilla, de loukoumades e de vinhos da região.
Ainda durante o século IV, a mãe do Imperador Constantino, Santa Helena, efectuou uma escala em Chipre após uma visita à Terra Santa e depositou em Stravrovouni (montanha da cruz verdadeira), no cume do Monte Olimpo, bem como em Tokni, dois fragmentos da cruz. A determinada altura, a história e a lenda começam a fundir-se e ninguém sabe responder a que domínio pertence o que se conta de um padre a quem se atribui, em 1318, o roubo do segundo fragmento ou todos os outros que ora são reencontrados ou redescobertos — e a confusão aumenta e fervilha no cérebro do viandante à medida que esta e aquela igreja, aqui e acolá, se proclamam como depositárias de relíquias.
Entre elas a de Timiou Stavrou, em Omodos, onde agora me encontro, fundada por Santa Helena quando corria o ano de 327, ainda em festa para comemorar o dia de aniversário da invenção da cruz, da autoria da santa. Diz-se que, em tempos, o fragmento e mesmo o titulus (título) estavam expostos para serem venerados pelos fiéis que, justificando-se com a sua devoção, terão começado a aplicar fortes dentadas na cruz para se apropriarem de bocados — e, desta forma, por decisão dos superiores religiosos, a cruz foi retirada.