Fugas - Viagens

  • Anabela Mota Ribeiro
  • Anabela Mota Ribeiro

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A casa de Frida (que era também de Diego)

Os compartimentos principais são o atelier de Frida e os seus dois quartos. Os espaços formam um contínuo, dão a ilusão de corpo único. Estão lá a cadeira de rodas em frente ao cavalete, as peças pré-hispânicas, os livros de filosofia, literatura, o trabalho de artesãos populares. A paleta de cores e o significado de cada uma: azul, um certo azul, representava a electricidade e a pureza, o amor; o azul marinho era a distância, e podia ser também a ternura. O amarelo era a loucura, a doença, o medo, parte do sol e da alegria. O verde era a tristeza e a ciência; “a Alemanha inteira é desta cor”.

Os quartos eram dois porque Frida precisava de descansar durante o dia, próximo do atelier, e de um quarto para dormir, à noite. Os dois são dominados por camas com uma estrutura de madeira e um tecto onde está um espelho (numa) e borboletas (noutra).

A cama com um espelho no tecto era uma solução antiga. Praticada desde o tempo do acidente, para resolver as horas, os meses que Frida passava imobilizada. Há fotografias que a mostram a olhar-se ao espelho, a pintar-se, um olho na tela, outro na imagem reflectida. Alguns críticos pensam que o olhar opaco e distante dos auto-retratos tem que ver com esta relação com o espelho. O que pinta é o que é devolvido no reflexo. O olhar é quase inexpressivo. A dor e o assunto do quadro quase nunca são dados pelo olhar mas pelo que Frida pinta em torno de si, pela circunstância em que está. Especula-se também que a dimensão reduzida dos quadros passa por esta limitação física. Era preciso que fossem portáveis, que lhe coubessem facilmente nas mãos.

Na outra cama, o tecto tem borboletas. Belas, já metamorfoseadas, a voar. Nos dois quartos há fotografias de Marx, Lenine, Estaline, desenhos eróticos. O mais importante para Frida?, a política e o sexo como motores de vida?

Lá estão também as muletas. E noutra parte da casa a prótese que usou depois de lhe amputarem a perna. As adoráveis botas cor-de-rosa, pé talvez de tamanho 35, com bordados. As botas com salto desigual por causa da poliomielite. Os corpetes em que Frida fazia desenhos, a foice e o martelo, inscrições amorosas, e que assim eram menos colete de forças. Uma força precisa para segurar a coluna em desequilíbrio.

Este é um espaço quase secreto e aberto há pouco anos. Diego exigiu que estes adereços da privacidade de Frida fossem mostrados tarde, muito tarde. Vinte anos depois da morte da amiga que ficou cuidadora da casa-museu. Grande gesto, penso eu, de respeito pela mulher amada.

É uma série de pequenas salas de luz diminuta, onde estão as roupas, as jóias, objectos pessoais, o perfume francês. Em nenhum outro lugar como aí se percebe o sofrimento físico em que viveu esta mulher. E como era valente: não permitiu que isto – que nada – a derrotasse. Ou sequer que isto fosse o centro do seu discurso. Ao contrário, tudo parecia ser uma exortação à vida. Viva la Vida!, viva Frida!

A visita a esta casa possibilita o mergulho no azul – eléctrico, terno, puro – da vida de Frida e Diego. Se exceptuarmos a cozinha e o comedor (sala de jantar) dominado por um amarelo girassol, é o azul que nos envolve, em forma de U. Os objectos revelam uma vida voltada para o coleccionismo (sobretudo de peças pré-colombianas e de arte popular), a política, a arte. Há também alguns quadros de Frida, desenhos, fotografias, a almofada bordada onde se lê Despierta corazon dormido, os dois relógios na sala de jantar. Um cujos ponteiros pararam quando Frida e Diego se separaram (dessa vez, a relação adúltera de Diego foi com a irmã de Frida). O outro relógio tem um tempo que recomeça a contar, quando de novo se casaram.

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