Fugas - Viagens

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Hanói, uma cidade que atravessa o tempo

É Nguyen que, já quase no final da longa jornada do Expresso da Reunificação, e deserto por umas baforadas de fumo ao ar livre, me lembra a história de Francisco de Pina. E é com o seu conselho para uma visita à modesta casa onde Ho-Chi-Minh viveu, mais do que ao imponente mausoléu, que atravessamos a ponte Long Biên sobre o Song Hong, o rio Vermelho, e entramos em Hanói ao princípio da noite. Uma música épica enche as carruagens do Expresso da Reunificação e a canção de compasso marcial que irrompe dos altifalantes faz-nos ouvir uma voz masculina, em tom de narrativa propagandística, seguida pelo eco de um coro feminino: “Hanói... Hanói... Hanói...”.

O mausoléu
Primeira visita em Hanói: o Templo da Literatura, o mais antigo santuário confuciano da capital vietnamita, edificado há uns bons mil anos. O Van Mieu reedita a planta dos jardins e pátios do Kong Miao, o grande templo de Confúcio da cidade natal do filósofo, Qufu, na província chinesa de Shandong. É um oásis de serenidade, arquitectura idealizada para suscitar uma percepção de harmonia entre natureza e cultura — e não fosse o ruído do trânsito, ainda que distante, não seria difícil sentirmo-nos transportados para a velha Qufu.

Caminhamos depois pela Hung Vuong, longa avenida de largos passeios e velhas árvores, herança do tempo colonial. Para quem se despede do Templo da Literatura e decide fazer o caminho a pé até ao mausoléu de Ho-Chi-Minh, a Hung Vuong, nome de um antigo rei do Norte do Vietname, é um trajecto conveniente. Logo no início, num pequeno parque arborizado, damos com o ar sério de um Lenine de bronze, rodeado por um bando de miúdos entretidos com piruetas de skate. Do outro lado da avenida há faixas vermelhas e cartazes a anunciar duas das efemérides do ano: a da reunificação do país e a da fundação do Partido Comunista do Vietname.

Há muitos lugares inscritos no roteiro de visitas de Hanói que revelam as idiossincrasias e contrastes de uma cidade que, apesar dos sinais de algo aparentado com o modelo chinês “um país, dois sistemas”, insiste em cultivar um curioso conservadorismo – em termos culturais, sociais e políticos. A par de uma vida social de rua assombrosa, e de dinamismos económicos protagonizados por um infatigável e frenético pequeno empresariado, as clássicas iniciativas oficiais de propaganda e de promoção de um patriotismo vinculado ao modelo comunista são de eminente visibilidade. O acesso à memória histórica do país passa, inevitavelmente, por aí, tanto como pelas marcas de uma árdua luta pela independência: a grande Praça Ba Dinh e o mausoléu de Ho-Chi-Minh são peças de eleição dessa narrativa e podem ser outro ponto de partida para se conhecer a capital.

Ao longo da Hung Vuong passamos por grandes vivendas da era colonial e por um largo cruzamento com intenso tráfego de milhares de motoretas — qualquer andarilho das ruas de Hanói cedo se achará a comparar, com estranheza, a discrição sonora destas motorizadas com o nível de ruído que é o padrão dos veículos de duas rodas lusitanos.

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