Fugas - Viagens

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Hanói, uma cidade que atravessa o tempo

Por Humberto Lopes

Por todo o lado há faixas e cartazes vermelhos a anunciar a celebração dos 40 anos da reunificação do Vietname.

A estação de Phu Ly ficou para trás há uns minutos. O Expresso da Reunificação está a pouco mais de um par de horas de Hanói e através do vidro puído da janela da cabina vemos o dia brumoso lá fora, afogado numa chuva miúda. Mas a paisagem é, ainda assim, esplêndida. Não temos o mar do Sul da China no horizonte, nem o sol e as praias luminosas dos trechos em que a linha desliza junto ao litoral, à beira de serranias verdes e de pequenas enseadas, mas o panorama rural consegue trazer à memória as vistas de postal da baía de Ha Long. É o mesmo grafismo, desenhado com contrastes, só que com as cores e os elementos trocados: o mar é agora o extenso verde dos arrozais e os barquinhos são os camponeses curvados e imóveis sobre a tapeçaria vegetal agitada pela brisa da monção.

Aqui e ali, como em Ha Long, emergem as peculiares formações rochosas cársicas, a encenarem-se como grandes chapéus cónicos – terão estes morros, assemelhados alguns a construções de térmitas, que encontramos também em abundância mais a norte, na China, sido inspiração para os chapéus vietnamitas?

Para trás ficou também um cigarro por acender numa demora imprevista na estação de Phu Ly. As velhas carruagens vermelhas e azuis do Expresso da Reunificação abrem-se em cada paragem para a entrada e saída de passageiros e são encerradas logo depois com grandes cadeados. Tem sido assim desde a partida da antiga Saigão e a clausura de lei é sublinhada pela carranca taciturna da hospedeira fardada e de porte militar.

Nem um sorriso de compaixão: os meus companheiros de cabina, dois passageiros de meia-idade que confirmam a fama de bons fumantes que têm os vietnamitas, estão também condenados à abstinência. Mas vê-se que a aceitam com um regulamentar conformismo. Um deles é professor, fala razoavelmente inglês e chama-se Nguyen, nome fácil de reter: abunda no Vietname toponímia que homenageia o mítico general Vo Nguyen Giap, estratego da vitória de Dien Bien Phu, a última batalha da Guerra da Indochina, que infligiu uma severa derrota ao exército colonial francês. Giap foi também líder das principais campanhas militares que acabaram por conduzir à retirada norte-americana em 1975, pondo termo ao que no Ocidente se conhece por guerra do Vietname.

Todas as efemérides
A “guerra americana”, diz o meu companheiro de viagem: é assim que a guerra do Vietname é designada nos compêndios e nos jornais que assinalam por estes dias os quarenta anos do fim do conflito e a reunificação do país, antes dividido a meio por uma linha que corria cinco quilómetros a sul do paralelo 17. Num ano em que coincidem várias efemérides — e a menos destacada não é a da vitória sobre o colossal dispositivo de guerra norte-americano —, há outras comemorações a inflamar o patriotismo dos vietnamitas: os 85 anos da fundação do Partido Comunista do Vietname e os 125 do nascimento de Ho-Chi-Minh, líder histórico da luta armada contra o colonialismo francês e a presença militar norte-americana.

Num ano que se poderia catalogar como o de todas as efemérides, há ainda mais três, uma a reforçar a atmosfera patriótica — os 70 da declaração de independência, formulada em Setembro de 1945 —, outra a recordar a chegada da religião cristã do outro lado do planeta — há 400 anos desembarcavam em Hoi An, no centro do país, alguns jesuítas — e a terceira a assinalar meio século de encontro cultural entre o Vietname e Portugal. “Cultural” pode bem ser a caracterização mais justa: o Vietname é o único país da região a utilizar um alfabeto com caracteres romanos e essa realidade é credora do trabalho de transcrição fonética iniciado no século XVII por um português, Francisco de Pina.

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