No meio da floresta poderíamos não saber se estávamos na Alemanha ou em França, não nos avisassem que o rio fazia a fronteira: mesmo no meio, o que para nós significa no meio das pontes que ligam as duas margens que no caso são países. Até porque, caminhando pelos trilhos alemães, as poucas pessoas com quem nos cruzamos falam, muitas vezes, as duas línguas misturadas nas mesmas frases. Estamos em Saarland, que já foi Sarre, do outro lado da fronteira é a Lorena, França; caminhamos por Blies-Grenz-Weg, do outro lado da fronteira estão os Vosges. Estamos portanto em território hesitante, a que a história trocou os lados, ao longo de muitos séculos conflituosos. Mas em bonança de União Europeia as linhas divisórias são quase apenas meras curiosidades formais, porque aqui aprendeu-se (ou reaprendeu-se) a viver em conjunto, juntando recursos, seja dentro da euro-região Saarbrücken-Forbach, do eurodistrito SaarMoselle ou da rede de cidades QuattroPole, que abarca Saarbrücken e Trier do lado alemão, Metz em França e a cidade do Luxemburgo.
O vaivém fronteiriço é intenso e diariamente cerca de 15 mil franceses vão trabalhar à Alemanha para à noite regressarem a casa, do outro lado do rio. É que “esta região tem mais trabalho do que a francesa”, explica Susanne Renk, do Turismo do Saarland Central, “há muita indústria” (automóvel, aço e cerâmica). A este lado vêm também muitos franceses para fazer compras em Saarbrücken, “roupas, sapatos” e até para os restaurantes. “Nós vamos [a França] pelos queijos”, brinca — e haverá um número razoável de alemães a viver aí, “o custo das casas é menor”. Por isso, não surpreende que a própria língua se torne algo mestiça e, entre o alemão daqui, se ouçam palavras como “porte-monnaie”, “sofa”, “saldes” ou “trottoir” e que a própria gramática se alinhe como a francesa, sinal imediato de identificação no resto da Alemanha. “Nós, por exemplo, dizemos ‘tenho fome’, quando em alemão seria ‘sou fome’”. O objectivo é, aliás, mais ambicioso: pretende-se que a região seja totalmente bilingue em 2043, com o francês a ser ensinado desde o ensino primário e a sua fluência obrigatória para empregos no sector público.
E é, então, no meio da floresta que descobrimos tudo isto. As indicações eram claras: calçado de caminhada e roupa confortável — afinal, eram 15 os quilómetros que nos esperavam. Houve “batota”, que é como quem diz um atalho que nos retirou cinco quilómetros ao percurso, mas houve sobretudo uma imersão completa no postal outonal perfeito. A floresta à beira do rio Blies não se poupou para nos oferecer o seu melhor colorido e estendeu-nos um manto infindável de folhas no chão. O amarelo-amarelo nas árvores, alguns lampejos de vermelho fulgurante e uns poucos restos de verde em contraste com o castanho que cobria o chão que a humidade já não deixava estalar sob os nossos pés — pelo contrário, obrigava-nos a estar com atenção redobrada, sobretudo em alguns trechos de desnível mais acentuado, para não deslizarmos sobre o tapete de folhagem.
O Blies-Grenz-Weng, que nós iniciamos em Sitterswald, é um dos 60 trilhos de caminhadas que atravessam o Saarland, o estado federal mais pequeno da Alemanha, “todos perto uns dos outros”. E a sua extensão é quase anedótica quando comparada com os 410 quilómetros do trilho Saar-Hunsrück-Steig, que começa em Moselle e termina em Boppard (ou Trier), que vai dos 175 metros aos 816 metros de altitude e é considerado o melhor trilho alemão. Um trilho premium como este que percorremos hoje em algumas horas: longe de asfalto e de ruídos anti-natura, bem imerso na natureza, com boas panorâmicas e bem sinalizado (de forma a poder ser percorrido autonomamente sem necessidade de guias). Aqui temos tudo isso, dentro e rente à Reserva da Biosfera de Bliesgau, incluindo o rio que seguimos mais perto ou afastados das margens (por estes dias a começarem a inundar), perdemos de vista e voltamos a reencontrar, lagos, moinhos a ajudar a compor o cenário já por si idílico, e, esporadicamente, vistas panorâmicas para os Vosges, já em França.
Não é um traçado difícil, aquele que percorremos, lentamente, em caminhos largos, mas, sobretudo em carreiros que rasgam a floresta de forma quase imperceptível, com desvios imprevistos — enleados pelo cenário, é fácil distrairmo-nos seguindo o ritmo do arvoredo que nem sempre combina com os traçados que o homem lhe impôs. Mais fácil ainda é deixarmos passar a primeira obra que vemos de Raimundo Maria Herzog, que elegeu o Blies-Grenz-Weg como galeria de arte — Serpente (2012), chama-se, e é uma série de troncos alinhados, em curvas, numa plano inferior ao do nosso trilho (nota na referência à obra: “destruída várias vezes, reconstruída”). É fácil cair no lugar-comum de dizer que a galeria é a maior obra de arte, por isso perdoem-nos, porque o é, o que não significa que as peças artísticas não tornem mais especial a floresta — os materiais são naturais, ramos, troncos, pedras, e as obras integram-se naturalmente sem se diluírem no cenário. São objectos “belos, únicos e efémeros”, lê-se na descrição — como a própria floresta.
Criados também, ainda que com outras intenções, dois lagos abrem-se no arvoredo. Estão cheios de peixe e como sinal de proibido pescar — é propriedade privada, de um clube de pescadores, cuja sede é o único edifício com que nos deparamos; e como invejamos o enorme alpendre sobre o maior dos lagos, água de um verde baço que parece saído do pincel de um pintor, para melhor se harmonizar com as cores outonais em volta, revelando-se em arvoredo ecléctico, iluminadas pelo sol deste “Verão indiano” — e tendo o duplo espelhado na água. Quando os prados chegam, chega também a ponte para a francesa Blies-Guersviller: desta vez chegamos ao outro lado, mas o passeio é curto, nem para um café dá, porque não encontramos café. E com o nosso atalho, em caminhos entre cercas de campos, chegamos novamente ao asfalto — e o nosso circuito premium termina.
Renascimento barroco
Se por aqui andamos ao lado de França, na capital de Saarland, Saarbrücken, também não estamos distantes. Da Praça Ludwig, por exemplo, estamos a cinco minutos, diz o nosso guia. Não é por acaso que começamos por aqui a nossa visita, em passo apressado, por Saarbrücken — não há um minuto a perder e o tempo é escasso. Estamos no coração simbólico da cidade barroca, e uma das primeiras coisas que os viajantes vindos de Paris em direcção aos estados germânicos viam era a “visão mais importante”. E, então, temos a igreja de Ludwig no centro, de ambos os lados da praça palácios que são espelhos uns dos outros — um é a chancelaria de Saarland. E a cor clara, cinza e branca, dos edifícios apenas a contrastar com a pedra vermelha e amarela da igreja no centro, com um propósito divino, para brilhar com o sol como se de porcelana se tratasse, iluminando uma cidade que teve de renascer várias vezes das cinzas.
É uma história milenar, que começou com os celtas que lhe deixaram o nome — apesar de a primeira tentação ser associar a “pontes do Saar” (o rio), o nome foi dado quando ainda não havia sequer ponte, e, segundo teoria mais amplamente aceite, deriva das palavras celtas sara (água corrente) e briga, que o alemão antigo transformou em brocken, e significa rochedo — e a sua maior fortaleza que chegou até nós, “escondida” na floresta. Depois vieram os romanos, com o próprio Júlio César, a conquistar a província que seria Gália, e com a queda do império chegaram os francos. Durante a Idade Média, e até 1793, os condes, depois príncipes, de Nassau-Saarbrücken foram os governantes da cidade que atravessou dois períodos que quase a fizeram desaparecer do mapa: primeiro durante a Guerra dos 30 anos, que deixou a população reduzida a uns meros 80 habitantes em 1637 (de 4500 dez anos antes) e a histórias de canibalismo; poucas décadas depois, foi a vez da Guerra Franco-Holandesa deixar a cidade carbonizada, com apenas oito edifícios de pé (1677). Pouco mais de um século mais tarde, foi a vez do vendaval napoleónico passar pela cidade e pela região, saqueando o possível e queimando o que na altura era um dos maiores castelos do mundo, que esteve três dias a arder. Contudo, nesse século de “paz” aconteceu o milagre barroco que ainda hoje é o rosto icónico da cidade — apesar de muito ser resultado do afã reconstrutivo pós- II Guerra Mundial, quando 85% dos edifícios foram total ou parcialmente destruídos.
O responsável foi um arquitecto, Stengel, que em 20 anos, no século XVIII, mudou o rosto à cidade sob o alto patrocínio do príncipe de Nassau-Usingen, um amante da arquitectura que lhe deu praticamente carta branca para abrir praças, construir palácios, edifícios e conjuntos monumentais um pouco à imagem de Paris com os constrangimentos financeiros locais, claro. E é com esta bagagem histórica que nos embrenhamos em Saarbrücken, a cidade barroca “com poucos vestígios medievais”, com a primeira visita na própria igreja de Ludwig, que, juntamente com o castelo, é o símbolo da cidade — a tal ponto que já foi a face da moeda de euro em 2009 (cada estado federado tem o direito de escolher).
Calvinista pura, é no interior que tal melhor se revela. Quase imaculadamente branca sob uma estrutura semelhante ao Templo de Salomão, recriado em estilo barroco (protestante, o que significa frugalidade decorativa), está virada para Leste, para Jerusalém: como as missas eram muito cedo, o dia a nascer enchia tudo de luz (e de um misticismo muito simbólico), que entra por janelas altas, estreitas, que culminam em pequenas rosáceas. Se no exterior se vêem estátuas de figuras dos Velho e Novo Testamento, no interior impera o ascetismo protestante, sem ícones, ainda que a decoração inclua figuras femininas nos capitéis das colunas. O branco que também colore o órgão é apenas acompanhado de rosa nos estuques e de dourado nos “raios” que saem do “olho de Deus”, no tecto; o outro motivo colorido é o escudo da família reinante. Capaz de albergar 1200 pessoas, esta igreja, já no século XVIII, não fazia distinção entre ricos e pobres que aqui se acotovelavam.
Um espírito mais livre dominava a capital do Saarland, quem sabe fruto do carácter imigrante da sua população — depois da sua quase razia no século XVII, chegaram “pioneiros” da Baviera, Áustria, Suíça, França. Tal enformou uma relativa diversidade cultural que terá contribuído para o carácter mais aberto da cidade que em 1832 já deu direitos iguais a homens e mulheres. Nessa altura, os protestantes constituíam a maioria da população, que actualmente se assume em 60% como católica. Seguimos para Leste, passando o memorial a Goethe, pelo que se chama o “triângulo invisível” de Saarbrücken, idealizado por Stengel, para encontrarmos os dois outros vértices, o castelo e a basílica.
O casario continua uniformemente cinzento claro e branco, com enormes mansardas. Na Rua Wilhelm-Heinrich (o príncipe que promoveu a “barroquização” da cidade) ainda se encontram casas originais do século XVIII, algumas albergando restaurantes e bares — diz-se que na Alemanha há três pubs para cada mil habitantes, mas em Saarbrücken, garante-nos o guia, Klaus, esse número sobe para quatro e se por enquanto tal parece incongruente perante uma cidade quase vazia veremos mais tarde que apenas andávamos no local errado (e se calhar à hora errada). Num lote simbolicamente vazio, local de uma casa destruída nos bombardeamentos da II Grande Guerra, um “pequeno” milagre: uma planta de “hop”, utilizada no fabrico da cerveja, testemunho da estalagem que aqui existia no século XVIII com cervejaria.
A ruas empedradas começam a estreitar, há muros cobertos de trepadeiras, quando começamos a subir em direcção ao castelo que permanece longe da nossa vista. Uma primeira paragem na Igreja do Castelo, a “vieira” do Caminho de Santiago à porta, originalmente do século XV, destruída e reconstruída com vitrais modernos, que agora alberga um pequeno museu — desde colunas romanas a sarcófagos de condes de Nassau. A subida é agora mais íngreme e chegamos à grande praça sem olhar o castelo — o que nos chama primeiro a atenção é uma antiga cabina telefónica agora transformada em estante-biblioteca: quem quer leva um livro e deixa outro em substituição, funciona apenas na base da confiança e está com as prateleiras completas. Mas o castelo, então, o nosso destino. Também ele barroco, a substituir o antigo renascentista, que tinha substituído o medieval. Não há portanto fossos ou torres (embora se possam visitar, alguns metros enterrados no solo, as casamatas renascentistas construídas nos antigos fossos), há antes uma adição contemporânea de ferro e vidro bem no centro do edifício em U, que viu uma das alas incendiada pelas forças napoleónicas e outra sede da Gestapo. Onde foram as casas dos guardas, há um monumento de ferro com cascata de água e, por trás, esplanadas de restaurantes sob arvoredo onde o pincel outonal já chega e, sob os nosso pés, um “monumento invisível”: estudantes da Academia de Arte local criaram, em 1993, um memorial à tolerância e aos perigos do racismo, retirando todas as pedras que tecem a praça para inscrever na parte interior destas os nomes de cemitérios judeus alemães e voltando a recolocar tudo (dizem que foi feito numa noite apenas). Do outro lado da praça, ergue-se o palácio do príncipe herdeiro, também construído por Stengel, e no topo oposto ao castelo a antiga Rathaus (câmara municipal) — além dela, ao fundo de telhados, a igreja Ludwig.
Entramos no castelo pela “torre” moderna, da autoria do arquitecto alemão Gottfried Böhm, prémio Pritzker, e conhecido pelas obras em que cria relações entre o passado e o futuro — aqui, teve o território perfeito para a concatenação — para sairmos imediatamente para as traseiras, onde os jardins se formam em socalcos; cá em cima, é uma varanda privilegiada para a cidade. Sobretudo para a que se estende do outro lado do rio, que neste entardecer vemos já pardo, ladeado de árvores e ruas.
Red light district, sala de estar
É para o outro lado que nos dirigimos, descendo até à “ponte velha” (alte brucke) há muito transformada em pedonal, apenas. Nas margens do rio, barcos-restaurantes, no skyline, para um lado a alta chaminé (160 metros) da estação termal Römerbrücke, iluminada, distingue-se, do outro a cidade nova, com os seus edifícios espelhados com os símbolos de marcas no topo (distinguimos a Mercedes, por exemplo). A chegada ao outro lado brinda-nos com um parque infantil, aninhado abaixo da ponte sob árvores de cores impossíveis — amarelo integral, nítido, irreal, quando as luzes já se começam a acender. Estamos prestes a entrar na antiga cidade dos artesãos e dos mercadores passando alguns edifícios modernos — incluindo o staatstheatre, o teatro do estado, concluído em 1938, numa altura (outra) convulsa da história da região.
Foi em 1909 que Saarbrücken ganhou a configuração que mantém hoje, com os seus 180 mil habitantes, quando a cidade original se uniu à cidade de St. Johann (esta por onde agora caminhamos) e a Burbach-Malstatt (industrial, graças à minas de carvão e de ferro). Após a I Guerra Mundial, a cidade tornou-se a capital do território do Sarre (1920), já não parte do Império Alemão, devido aos acordos do Tratado de Versalhes — e as suas minas passaram a ser exploradas pela França como parte da compensação pela destruição da guerra. O tratado previa a realização de um plebiscito 15 anos depois para determinar o estatuto do território: uma maioria esmagadora (90% dos eleitores) votaram pela reunificação com a Alemanha, tendo apenas 0,8% votado pela unificação com a França — os restantes eleitores queriam uma espécie de meio termo, reunificação com a Alemanha mas não com os nazis no poder, ou seja, nesse período defendiam a manutenção da administração da Sociedade das Nações. Por isso, em 1935, a região do Saar voltou a fazer parte da Alemanha com o nome de Saarland. O rescaldo do segundo conflito mundial trouxe novos tempos turbulentos para este território. Em 1945 ficou parte da Zona Francesa de Ocupação e em 1947 a França criou o Protectorado do Sarre, politicamente independente mas economicamente unificado com a república (o carvão era fonte de riqueza cobiçada). Um referendo em 1955 recusou um estado independente (com dois terços dos votos) e, em 1957, o Sarre, no que foi chamado de kleine wiedervereinigung, “pequena reunificação”, passou a integrar a República Federal Alemã, tornando-se o estado federado Saarland.
E então estamos no coração actual do que se chama a cidade velha de Saarbrücken, a antiga St. Johann, na apropriadamente chamada Praça do Mercado St. Johaaner. Daqui partem ruas e vielas e pátios escondidos que são centros comerciais invulgares e de um pitoresco muito próprio; daqui vê-se o encontro entre a antiga e a moderna cidade, cujos prédios se erguem bem atrás do casario num dos lados da praça (onde não falta um exemplar Stengel, uma fonte que estará em linha com o tal triângulo). Um encontro que poderia não existir, já que houve planos para demolir este bairro, antes uma espécie de red light district. Planos abortados, sala de estar da cidade encontrada e se antes não víamos ninguém nas ruas, aqui as esplanadas estão cheias, as luzes são feéricas e não faltam sequer luzinhas nas árvores numa espécie de Natal que dura o ano inteiro quando a noite chega. Há um charme discreto nesta zona, onde bares e restaurantes se alinham – com algum eclectismo na oferta: vemos italianos, asiáticos, boulangeries e bistrots (a influência francesa é por de mais evidente, até no nome de alguns restaurantes, como o Place de la Liberté), mais italianos, cantinas mexicanas e alemães, claro, oferta rápida em alguns, como vemos nos tabuleiros sobre as habituais mesas de madeira. Numa rua perto, ficam os restaurantes de renome, alguns com estrelas Michelin, como o Klaus Erfort (3) e o Jens Jakob (1).
No dédalo das ruas passamos por zonas de antiquários (alguns fechados com grafitti a assinalarem uma certa decadência), alfarrabistas; num pátio imprevisto, as sapatarias reinam em ambiente de conto de fadas actualizado (há trepadeiras nas paredes, duendes em floreiras, mais luzinhas a cruzarem o espaço). Uma casa numa esquina oferece-nos um peculiar confronto arquitectónico: de um lado, o estilo é barroco, do outro é renascentista — originalmente a casa pertencia a uma família de afamados sapateiros. Uma ruela que irá desembocar na basílica oferece-nos a visão de uma árvore de kiwis tamanho berlinde e algumas videiras que lembram que o cultivo da vinha na região (perto do Moselle) é uma herança que vem de tempos romanos.
Completamos, então, o triângulo barroco, na Basílica St. Johann, católica — e fechada. Há quem veja os horários, nós limitamo-nos a observar a construção escassamente iluminada, que cresce numa torre central e culmina numa cúpula negra, e a olhar para as esplanadas de bares que a rodeiam, desejando sentarmo-nos e sentir a vida da cidade.
Mas, outra vez, o tempo escasseia e Klaus não tem complacências. Só paramos novamente na “nova” câmara municipal, esta estilo neo-gótico do início do século XX, uma imitação (mais modesta) da de Munique (do mesmo arquitecto, aliás, Georg J. von Hauberrisser) e palco muito procurado para casamentos. Estamos na cidade Art Noveau, avenidas, trânsito, comércio, serviços. Havemos de voltar à cidade velha, promete Klaus, para jantar no dia seguinte. E depois de um dia entre spa e caminhada voltamos à cidade velha, mas não a esta parte, florescente de vida. Estamos a 15 minutos da zona da praça de St. Johanner, descobriremos depois, na parte mais antiga da cidade. St. Arnual é o nome da zona, uma espécie de “aldeia urbana”, e aqui sobrevive um pouco da Idade Média — na igreja mais antiga da cidade (românica e logo gótica como agora a vemos), escondida num recanto da praça onde se encontram algumas casas medievais. Numa loja gourmet, provamos vinhos da região, num restaurante ao lado somos presenteados com uma refeição tradicional (o que por aqui significa contundente q.b.). Deixamos Saarbrücken com um travo amargo: a capital de Saarland merece bem mais do que uma visita apressada.
Spa andaluz em aldeia alemã
O edifício ergue-se, enorme, maciço, cor de tijolo e amarelo esbatido, no meio de campos com a aldeia à vista — e França também, indicam-nos. É um ovni na paisagem bucólica, é um ovni no conceito aqui bem no centro da Europa: um “spa de inspiração mourisca e andaluza”, assim se apresentam as Termas de Saarland (Saarland-Therme) — águas termais quentes.
E, na verdade, o interior está recheado de pormenores que remetem para a cultura árabe, desde os ubíquos azulejos aos arcos de volta perfeita. As piscinas, interiores e exteriores, cheias de água termal são um ponto de atracção irrecusável — sobretudo a exterior, pelo contraste entre o ar frio e a envolvente líquida quente (imaginamos como será quando a neve a rodeia). Não são piscinas “inertes”, são um carrossel de massagens (e alguma emoção — já lá iremos): têm jactos prontos a atingirem qualquer parte do corpo, camas em “ebulição”, chuveiros cheios de pressão para o pescoço e, no exterior, um jacuzzi rodeado de água em movimento circular (e vários jactos, claro), que para nós mais parece uma diversão de parque aquático (entrar e sair são desafios que podem deixar mazelas aos mais incautos).
A água estende-se pelos banhos árabes (circuito de água quente, muito quente e fria, só para os pés – e com doses extra de iodo) e pela piscina de água salgada, a simular uma espécie de mar Morto (com luzes LED e música new age em combinação inusitada). A área de sauna é vasta e inclui a zona têxtil e a não têxtil (com e sem roupa, como é, aliás, mais comum por estas paragens) — esta última é a mais diversa e mais concorrida e inclui sauna de ervas, de pedras, de eucalipto, com projecção de água e um hamman.
É manhã de um dia de semana e o movimento é intenso: novos, velhos, algumas crianças (estamos numa semana de férias escolares). Nada de anormal num espaço que recebe cerca de 180 mil visitantes anualmente e está aberto sete dias por semana, das 10 horas à meia-noite — até à uma da manhã ao fim-de-semana. Com excepções: o último sábado de cada mês, “a noite longa da sauna”, termina às 3h, e é integralmente naturista a partir das 21h; e o segundo sábado de cada mês, a “noite longa termal”, também termina à mesma hora, mas o nudismo é reservado às áreas reservadas. O público vai-se segmentando ao longo do dia, mas não há espírito gregário — se os jovens costumam vir mais pela noite, também os encontramos agora de manhã. E, além das instalações à disposição, que incluem também salas de massagens e de tratamentos de beleza (com produtos da “casa”), cada dia apresenta um programa de actividades variadas. Na verdade, aqui em Rilchingen-Hanweiler, a poucos quilómetros de Saarbrücken, as fontes termais quentes têm uma grande tradição, desde que, no século XVIII, se encontrou, precisamente neste local, uma fonte. Nos anos de 1950, houve um spa para mineiros e em 2012 inaugurou-se este complexo que atrai pessoas da região e da Lorena (França), sobretudo. A água vem de um poço aberto em 1990, bem no centro da aldeia — chega de 750 metros de profundidade à temperatura de 21 graus. Aqui, é aquecida e higienizada com cloro em gás “para não deixar cheiro e para melhor cuidar da pele, porque assim esta sente melhor os minerais”, explica Ann Wessel, funcionária do spa. São muitos os minerais que entram na composição desta água cujas propriedades são variadas: é boa para qualquer doença de pele, para o estômago, vias respiratórias, reumático, articulações. E é boa para beber — pequenos fontanários espalham-se por todo espaço.
Não falta neste spa um restaurante, onde a ementa apresenta desde pratos vegetarianos a especialidades locais, passando pela cozinha do Norte de África (nós escolhemos uma tajine de frango), que podem ser acompanhados por sumos naturais, sim (e grande variedade), mas também cerveja e vinho. Ou seja, este spa é um autêntico refúgio donde só nos expulsam noite dentro.
Saarland Therme
Zum Bergwald 1
D-66271 Kleinblittersdorf
www.saarland-therme.de
Preços: duas horas: 15,50€; 4 horas: 20,50€; dia: 25,50€.
O que ver
Völklinger Hütte
Antiga siderúrgica, esteve em funcionamento entre 1873 e 1986 e é a única que resta da época de ouro da indústria de ferro e do aço. Em 1994 foi declarada património mundial da Unesco e hoje é um centro cultural e um parque temático, sendo a estrela da Rota da Cultura industrial Europeia.
Museu do Saarland
Dividido entre a “Colecção antiga” e a “Galeria moderna”. É esta segunda a secção mais significativa do museu, albergando uma das mais importantes colecções de impressionistas e expressionistas alemães. Os grupos “A Ponte” e “O Cavaleiro Azul” estão bem representados assim como a “Secessão Berlinense”, através de artistas como Max Liebermann, Ernst Ludwig Kirchner, Otto Mueller, Max Pechstein ou Franz Marc, com o seu famoso Pequenos cavalos azuis. Na primeira, encontram-se pinturas de paisagens e natureza mortas dos séculos XVI e XVII, retratos dos príncipes de Nassau-Saarbrücken e de industriais do aço e também outros artefactos de prata e porcelanA, mobiliário e moedas, por exemplo
Bürgerpark
Este parque está localizado no antigo porto do carvão e guarda a herança da indústria do carvão e do ferro misturada com elementos contemporâneos, num parque de largos caminhos ladeados de árvores.
Villeroy & Boch
Num palácio barroco, está a sede desta companhia de cerâmica que já conta com 260 anos de vida. O espaço é uma homenagem a um determinado estilo de vida, há muito perdido e com algo de conto de fadas.
Villa romana Borg
A casa rústica reconstruída oferece uma janela para a vida quotidiana da classe alta romana no campo, com todos os edifícios desde os senhoriais, spa incluído, por exemplo, aos agrícolas. O museu inclui peças originais e réplicas.
Onde dormir
Best Western Victor’s Residenz Hotel Rodenhof
Kálmánstraße 47-51
66113 Saarbru¨cken
Tel.: (+49) 681 41020
www.rodenhof.bestwestern.de
Onde comer
Wirtshaus unter der Linde
St. Arnualer Markt 8
66119 Saarbru¨cken
Tel.: (+49) (0) 681 95906699
www.linde1933.de
Como ir
Frankfurt é quase incontornável para chegar a Saarbrücken, uma vez que, apesar de esta ter aeroporto, o número de companhias que para aí voa é reduzido. De Frankfurt para Saarbrücken não é necessário sair do aeroporto — os comboios partem daqui. Também é possível chegar através do aeroporto secundário Frankfurt-Hahn. A Fugas viajou para Frankfurt com a Lufthansa.
A Fugas viajou a convite do Turismo de Saarland