No meio da floresta poderíamos não saber se estávamos na Alemanha ou em França, não nos avisassem que o rio fazia a fronteira: mesmo no meio, o que para nós significa no meio das pontes que ligam as duas margens que no caso são países. Até porque, caminhando pelos trilhos alemães, as poucas pessoas com quem nos cruzamos falam, muitas vezes, as duas línguas misturadas nas mesmas frases. Estamos em Saarland, que já foi Sarre, do outro lado da fronteira é a Lorena, França; caminhamos por Blies-Grenz-Weg, do outro lado da fronteira estão os Vosges. Estamos portanto em território hesitante, a que a história trocou os lados, ao longo de muitos séculos conflituosos. Mas em bonança de União Europeia as linhas divisórias são quase apenas meras curiosidades formais, porque aqui aprendeu-se (ou reaprendeu-se) a viver em conjunto, juntando recursos, seja dentro da euro-região Saarbrücken-Forbach, do eurodistrito SaarMoselle ou da rede de cidades QuattroPole, que abarca Saarbrücken e Trier do lado alemão, Metz em França e a cidade do Luxemburgo.
O vaivém fronteiriço é intenso e diariamente cerca de 15 mil franceses vão trabalhar à Alemanha para à noite regressarem a casa, do outro lado do rio. É que “esta região tem mais trabalho do que a francesa”, explica Susanne Renk, do Turismo do Saarland Central, “há muita indústria” (automóvel, aço e cerâmica). A este lado vêm também muitos franceses para fazer compras em Saarbrücken, “roupas, sapatos” e até para os restaurantes. “Nós vamos [a França] pelos queijos”, brinca — e haverá um número razoável de alemães a viver aí, “o custo das casas é menor”. Por isso, não surpreende que a própria língua se torne algo mestiça e, entre o alemão daqui, se ouçam palavras como “porte-monnaie”, “sofa”, “saldes” ou “trottoir” e que a própria gramática se alinhe como a francesa, sinal imediato de identificação no resto da Alemanha. “Nós, por exemplo, dizemos ‘tenho fome’, quando em alemão seria ‘sou fome’”. O objectivo é, aliás, mais ambicioso: pretende-se que a região seja totalmente bilingue em 2043, com o francês a ser ensinado desde o ensino primário e a sua fluência obrigatória para empregos no sector público.
E é, então, no meio da floresta que descobrimos tudo isto. As indicações eram claras: calçado de caminhada e roupa confortável — afinal, eram 15 os quilómetros que nos esperavam. Houve “batota”, que é como quem diz um atalho que nos retirou cinco quilómetros ao percurso, mas houve sobretudo uma imersão completa no postal outonal perfeito. A floresta à beira do rio Blies não se poupou para nos oferecer o seu melhor colorido e estendeu-nos um manto infindável de folhas no chão. O amarelo-amarelo nas árvores, alguns lampejos de vermelho fulgurante e uns poucos restos de verde em contraste com o castanho que cobria o chão que a humidade já não deixava estalar sob os nossos pés — pelo contrário, obrigava-nos a estar com atenção redobrada, sobretudo em alguns trechos de desnível mais acentuado, para não deslizarmos sobre o tapete de folhagem.