Mais do que objectos ou lugares, contem com histórias como esta, neste Guimarães Top Secret. Ainda de cabeça no ar — com cuidado para não tropeçar no empedrado medieval de algumas ruas — somos convidados a olhar para uma cantarinha dos namorados que encima o telhado da estranha — porque rara — casa cor-de-rosa do Largo da Misericórdia, onde funciona o Tribunal da Relação. A peça em barro exprime uma tradição de outra relação, mas amorosa, pois era-lhes oferecida, a elas, por eles, no momento do namoro ou noivado, para ser enchido com peças de ouro, até ao casamento. Presume-se que aquele está vazio, mas o seu significado, esse, é pleno, ou não fosse esta cantarinha uma memória exposta de uma actividade tradicional, a olaria, que quase se perdeu, e de um tipo de objecto cuja tradição remontará ao século XVI.
Claro que, enquanto olhamos para o ar, ficamos a saber pelo nosso guia que a Casa dos Coutos, este palacete que agora é tribunal esteve para ser casa de Bispo — de Braga, porque Guimarães nunca foi diocese — quando, em meados do século XVIII, D José de Bragança aqui se refugiou da má recepção com que lhe brindaram os cónegos da Sé da cidade vizinha, habituados, havia anos, a governar sozinhos a diocese. Comprada e reabilitada a mando do irmão do Rei D. João V, a casa nunca chegou a ser habitada pelo prelado, por certo bem instalado na moradia solarenga do mesmo largo, pertencente ao fidalgo Luís António Lopes de Carvalho Fonseca e Camões, onde hoje funciona o interessante restaurante Histórico.
À frente dos olhos
Para não provocar dores de pescoço aos leitores, Samuel Silva propõe-nos outros segredos que, basicamente estão mesmo à frente dos nossos olhos. E já que estamos no largo da Misericórdia, o melhor é seguimos as suas indicações e olharmos para uma fonte, com uma inscrição que faz referência ao Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves. Antes que os adeptos do futebol comecem a contabilizar como nossos títulos ganhos pela canarinha, é preciso que se saiba que este reino unido foi sol de pouca dura — sete anos, entre 1815 e a independência do Brasil, em 1822 — o que torna ainda mais rara, e interessante, o que vemos escrito nesta parede.
À frente dos nossos olhos estão também umas caixas verdes, na fachada das igrejas, que mais não são que um antigo sistema de alarme público instalado em 1988, e que atribuía a cada templo/paróquia um número, que correspondia aos toques de sino necessários para encaminhar o socorro, assim avisado, para aquela zona da cidade. Reparamos nela, sem saber que era um segredo, quando saíamos da visita à Igreja de Santo António dos Capuchos (junto ao Paço dos Duques), onde nos foi dada a ver uma sacristia profusamente decorada com frescos, elementos barrocos e outras pinturas, e que terá, num certo período, funcionado como morgue, bastante colorida, do antigo hospital da cidade que esteve instalado neste convento.
Guimarães é uma espécie de cantarinha recheada de monumentos e histórias da idade da nossa própria história colectiva, mas o jornalista recusou-se a ficar preso nesta leitura e propõe-nos um olhar sobre estranhos monumentos na paisagem vimaranense. No mesmo convento dos Capuchos, pedimos para subir à torre sineira, e a estreita escadaria alarga-nos, no topo, a vista, deixando vislumbrar, fora do burgo, um monte e uma árvore que tem também, uma história. E ao descermos, Monte Latito abaixo, em direcção ao coração da cidade, já depois de visitarmos o coro alto da Igreja do convento do Carmo, somos chamados a dar um pouco de atenção a uma casa, verde destoando do branco em redor — de traço modernista, assinado por Delfim Amorim, que deixou a sua marca na arquitectura portuguesa mas, sobretudo, no Recife, Brasil, para onde emigrou na década de 1950. Nada parece mais exótico, nesta zona da cidade modelada cuidadosamente pelo Estado Novo.