Quando, no passado, o Palácio Nacional de Sintra fechava uma vez por semana (hoje isso já não acontece), nesse dia a Piriquita, famosa pelas suas queijadas, encerrava também as portas. Desde há séculos que Sintra vive do turismo. Se antes a presença da família real durante longas temporadas atraía muitos aristocratas, proprietários dos palacetes e quintas que ainda existem, hoje 90% dos turistas são estrangeiros (foram já, ao todo, dois milhões este ano) e chegam nas camionetas que os deixam no centro da vila.
Mas há mais para ver em Sintra. Vale a pena não vir apenas algumas horas para visitar os palácios e monumentos e ficar dois ou três dias com tempo para descobrir outras coisas. Há ainda um lado saloio em Sintra, diz-nos um lisboeta que há uns anos se mudou para a vila, aconselhando-nos a chegar um dia de manhã cedo para ver o mercado que se realiza na zona da Estefânia, perto do Centro Cultural Olga Cadaval.
Os pequenos agricultores dos arredores montam aí banca para vender as suas frutas e legumes e a população local (que vive sobretudo na Estefânia e no outro lado da linha do comboio, na zona mais nova da vila, a Portela de Sintra) vem até aqui fazer compras. Entramos no interior do pequeno mercado e, ao fundo, há uma loja de arranjos de roupa e de venda de velharias. É aí que, procurando com cuidado, encontramos belíssimos postais antigos de Sintra.
De novo cá fora, descemos a Avenida Heliodoro Salgado em direcção à estação e paramos um momento a observar as fotografias na Foto Granja. À porta está o fotógrafo Carlos Granja, a ver quem passa — e, lamenta, passa menos gente por aqui desde que tornaram a rua pedonal —, disponível para uns minutos de conversa.
Este é um dos mais antigos estúdios de fotografia ainda em funcionamento, diz, enquanto nos conta um pouco do seu percurso e procura, para nos oferecer, um jornal das comemorações do 40.º aniversário do 25 de Abril onde estão publicadas as fotos que fez em plena revolução, no Chiado e no Largo do Carmo, em Lisboa.
Descemos até à zona da estação para a parte da vila que conheceu uma maior animação nos últimos tempos. Um dos locais com mais sucesso é, na Avenida Miguel Bombarda, o Café Saudade. Luís Pereira, o proprietário, mudou-se de Lisboa para aqui em 2000, encantado com “a serra, o mar, a região saloia, o património cultural”. Em 2009 abriu, com a mulher, Mary, o Café Saudade no local onde antigamente, desde meados do século XIX, existia a famosa fábrica das Queijadas da Mathilde.
Mais recentemente abriu, na rua de baixo, a Dr. Alfredo da Costa, o Chalet Saudade. Foi em 2001 que Luís e Mary descobriram esta casa de férias, uma das muitas que no século XIX se construíram em Sintra, com um estilo inspirado pelos chalets da Suíça. Fizeram obras de recuperação e hoje é casa própria e guesthouse. Entretanto, conta Luís, nos últimos cinco anos, muita coisa começou a mudar em Sintra, com o epicentro precisamente nesta rua que, diz, tem “fervilhado de animação” com a abertura de lojas, cafés e bares.
Entre os novos espaços da Dr. Alfredo da Costa — agora baptizada como Sintra Shopping Street — destaca-se o restaurante Incomum by Luís Santos, chef que veio do Tágide, em Lisboa, para oferecer a quem vive e a quem visita Sintra uma cozinha mais sofisticada, alternativa aos restaurantes tradicionais (para quem a quiser experimentar a um preço mais económico, há um menu almoço durante a semana por 9,50 euros).
Por falar em locais tradicionais, ao lado do InComum fica um dos restaurantes mais queridos para os moradores de Sintra, local de todas as reuniões de família, o Apeadeiro. E, um pouco mais abaixo, junto da Câmara Municipal, outra instituição para quem gosta de comer bem, a Tasca do Manel.
Depois é fazer a Volta do Duche, em direcção à Vila Velha (centro histórico), com paragem obrigatória para comer uma das deliciosas Queijadas da Sapa, a mais antiga marca de queijadas de Sintra, fundada ainda no século XVIII, e que se mantém num espaço muito bonito.
Chegados ao centro, é preciso fugir às armadilhas para turistas, mas há também clássicos a não perder (a Piriquita, claro) e coisas novas a descobrir. Na rua Guilherme Gomes Fernandes abriu, em 2014, o hostel Moon Hill, no local da antiga Pensão Adelaide, e, ligado a ele, o restaurante Caldo Entornado.
Para quem preferir ficar em Sintra como se vivesse ali desde sempre (e para sempre), a melhor opção são os encantadores apartamentos da Casa da Pendôa (recepção na Rua da Pendôa, por detrás do Hotel Tivoli), equipados com cozinha e com vistas sobre Sintra que nos convencem definitivamente que é preciso ficar mais do que a média habitual de apenas uma noite nesta vila.
Vista magnífica, e um espírito da Sintra romântica nas suaves pinturas das paredes, é o que oferece também o salão de chá Dona Maria, Largo Ferreira de Castro, no antigo Hotel Victor, que Eça de Queiroz refere em Os Maias — tal como, aliás, o histórico Lawrence’s, na Rua Consiglieri Pedroso, já não o original do século XVIII, onde esteve alojado Lord Byron, mas uma versão reconstruída há alguns anos depois de três décadas de abandono.
E pronto, para a volta ficar completa faltou-nos passar por São Pedro (e comprar umas miniaturas de queijadas ou travesseiros noutra das casas de referência, a Casa do Preto, em Chão dos Meninos, ou ir tomar uma bebida ao Café da Natália) mas vamos deixar isso para um dos dias da histórica Feira de São Pedro. É só estar atento ao calendário: a feira acontece todos os segundos e quartos domingos de cada mês.