Fugas - Viagens

  • Antonio Sacchetti
  • Luísa Correia
  • Luísa Correia
  • Luísa Correia
  • Antonio Sacchetti

Miradouros: Ponta dos Corvos, mirando Lisboa de frente

Por Margarida Paes

A beleza do estuário do Tejo transforma todas as cidades e vilas em seu redor em pontos de vista e em miradouros sempre extraordinários.

A cor desta imensa superfície de água, deste lago de margens recortadas, vai reflectindo a cor do céu e a permanente mudança aumenta ainda a sua beleza e toca profundamente nas nossas emoções. Lisboa e Almada dispensam qualquer arquitectura icónica porque o seu verdadeiro ícone é o estuário do Tejo, inatingível na sua raridade e beleza. 

A história de Portugal passa também pelo estuário do Tejo. Daqui saíram as caravelas que abriram os mares em redor dos continentes, as naus para comerciar, as gentes para a aventura da descoberta e para a busca da riqueza. Foi aqui também que chegaram os que com bom sucesso voltaram com notícias, riqueza, informação e novidades. Pela sua beleza, pela sua densa história e pela originalidade da sua forma geológica, há muito que o estuário do Tejo se devia ter candidatado à lista do Património Mundial. 

No entanto, quem vive em Lisboa e goza da vista para o estuário do Tejo mal conhece a margem sul onde durante o século XX se instalaram indústrias pesadas e muito poluidoras, bairros suburbanos e cidades dormitório. Lisboa esquece-se da margem sul, só admirada ao longe, nas suas linhas de casario junto à água brilhando à noite ou pintada pelos pintores da cidade. No entanto, do lado de lá do Tejo há muita beleza por descobrir. Escolhemos uma duna bem conhecida de quem veleja no Tejo: a Ponta dos Corvos, que é um miradouro original donde se vê Lisboa a partir do meio do estuário. 

A sua beleza natural contrasta com os despojos industriais da Siderurgia do Seixal, da Quimigal do Barreiro e da Lisnave de Almada que a envolvem. Quem descobre aquela duna, que mal se vê de Lisboa, não acredita que ali, tão discreto e tão próximo (a 7km do Terreiro do Paço) possa existir um paraíso natural. Das dunas que o vento esculpiu numa curvatura suave se desenrola uma praia de areia branca donde se vêem, para além do Tejo, as colinas de Lisboa através dos troncos maciços dos pinheiros mansos.

O contraste realça a beleza da Ponta dos Corvos, inalterada apesar de tudo o que de artificial e brutal se instalou à sua roda. Foi Dostoievski quem,n’ O Idiota, lembrou que “a beleza salvará o mundo” e François Cheng, nas suas Cinco Meditações Sobre a Beleza, escreve: “(...) Ela existe, sem que numa primeira abordagem, de forma alguma a sua necessidade pareça evidente. Ela está, de forma omnipresente, insistente, penetrante, dando a impressão de que é supérflua. Aí reside o seu mistério (...)”. 

Quando entramos na pequena península da Ponta dos Corvos, a natureza surpreende-nos. De um lado, a praia e a vista para Lisboa e do outro, virado para a serra da Arrábida, encontramo-nos num sapal de vegetação rasteira donde se alimentam mil espécies que, transformando as lamas poluídas em nutrientes, contribuem para uma eficiente cadeia alimentar e tornam o estuário um habitat riquíssimo onde nidificam e vivem muitas aves. Abandonada a si própria, a Ponta dos Corvos agiu como um ecologista sábio e paciente.

Desde a Idade Média que ali se instalaram quatro moinhos de maré, e do início do século XX restam as ruínas de duas grandes fábricas de seca do bacalhau (a Sociedade Nacional de Pesca – SNP, e a Companhia de Pesca Atlântica – CPA), que ligavam o estuário do Tejo aos mares da Noruega. As ruínas das estruturas que suportavam os tabuleiros parecem hoje instalações de artistas que ali tivessem deixado peças de Land Art aumentando o encanto da Ponta dos Corvos, uma área tutelada pelo Ministério da Defesa. 

“O reconhecimento deste lugar esquecido, da sua beleza e potencial de reabilitação como local de recreio no século XXI, seria um primeiro passo para fechar o ciclo industrial e poluidor do século XX”, são as conclusões do “Método das Preferências Visuais” LINK, no qual participaram os alunos e docentes do Programa Doutoral em Arquitectura Paisagista e Ecologia Urbana (in ArchiNews, Castel-Branco, Soares,A.L., Arsénio,P., et al, Lisboa, 2011, p.40).

--%>