Fugas - Viagens

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Paredes de Coura: Uma viagem por palacetes, com homens exilados e apaixonados

Por Rui Pedro Lopes

Na terra célebre pelo festival de Verão, as histórias misturam-se com as lendas. E neste canto do Alto Minho nem tudo o que parece é.

Em terra onde quem mais manda é o festival de Verão que, ano após ano, arrasta milhares ao Alto Minho, as histórias misturam-se com as lendas e nem tudo o que parece é.

O que é que uma banda de música alternativa como os Pixies, o escritor Aquilino Ribeiro, um padre republicano e um Presidente da República exilado podem ter em comum? Aparentemente, nada. Algo, porém, os uniu, ainda que em épocas diferentes: Paredes de Coura.

Em pleno Alto Minho, a poucos quilómetros da fronteira com Espanha, Paredes de Coura é vila e sede de um concelho com 16 freguesias. O topónimo é curioso e merece intróito histórico. A terra começou por se chamar simplesmente Coura e manteve-se como tal até 1875, altura em que foi criada a comarca judicial que levou à aglutinação do nome Coura com a designação de uma das freguesias do município (Paredes). E Assim nasceu Paredes de Coura.

Mas nestas coisas dos nascimentos há datas para tudo. Como vimos, o nome actual do concelho remonta ao século XIX, mas o seu povoamento original recua até ao século V a.C. E talvez a nossa viagem por Paredes de Coura possa começar exactamente aí.

Para viajar no tempo até um período tão remoto, o melhor é ir à cividade de Cossourado. Além de excelente miradouro natural para ver o nascer ou o ocaso do sol, é também um interessante castro, povoado entre os séculos V e II a.C. Percebe-se a razão por que aqui se instalaram povos de cujos vestígios ainda hoje são perfeitamente visíveis: o ponto é estratégico e permitiria um controlo quase absoluto sobre as movimentações que então aconteciam naquelas redondezas. As escavações arqueológicas iniciadas em 1993 colocaram a descoberto uma das duas linhas de muralhas que o constituíam, assim como diversas habitações, algumas reconstruídas segundo o traço da época. No chão do castro é também possível avistar pedras alinhadas de forma geométrica e que indiciam a existência de algum celeiro ou habitação. Não faremos conjecturas históricas sobre a cividade do Cossourado mas invejamos o ar que ali se respira.

Os povos lusitanos apreciaram a zona de Paredes de Coura, mas o escritor Aquilino Ribeiro apaixonou-se por ela, a ponto de se mudar para aqui de armas e bagagens. Sosseguem os puristas que a referência às armas não é nenhuma indirecta ao envolvimento de Aquilino no regicídio de 1908, apenas a reprodução de um popular adágio. 

Aquilino Ribeiro deixou-se seduzir por Paredes de Coura graças ao conselho avisado do antigo Presidente da República, e seu sogro, Bernardino Machado (de quem já falaremos). Numa carta que este escrevera ao genro, lia-se a certa altura: “Paredes de Coura, da qual dizia o poeta António Pereira da Cunha, (…) sendo o que há de melhor em Portugal e sendo Portugal o que há de melhor na Europa e a Europa o que há de melhor no mundo, é sem dúvida alguma a preciosidade maior de todo o mundo.”

Terá sido em 1935 que Aquilino aqui veio pela primeira vez. Diz-se que logo se encantou e que tudo o que viu lhe fez lembrar a sua região de origem, a Beira. Quando o sogro faleceu, a sua esposa herdou diversas propriedades, designadamente a Quinta da Senhora do Amparo, no lugar de Romarigães, para onde se mudaram. Foi nela que encontrou inspiração para um dos seus romances mais celebrados, A Casa Grande de Romarigães.

É possível ainda avistar – tal como escreveu Aquilino Ribeiro – “as pirâmides esbeltas da capela e a sineira, as duas casas apalaçadas, o canastro mais vasto do concelho – 27 metros de comprimento” (Arcas Encoiradas, 1962; p. 330). O maravilhoso pórtico joanino marca toda a fachada, e a capela, dedicada a Nossa Senhora do Amparo, apresenta uma exuberante e prolífica decoração a fazer lembrar o estilo rococó.

Apesar de toda a beleza deste tradicional solar minhoto, é de lamentar o avançado estado de degradação em que se encontra. Contudo, há quem não deixe de sublinhar que o ar abandonado lhe confere uma maior aura de mistério. Gostos não se discutem.   

Mas há mais solares em Paredes de Coura. E um dos mais característicos é o Palacete Miguel Dantas, mandado construir pelo homem que deixou o seu nome na história de Paredes de Coura. Miguel Dantas Pereira, destacado político nacional nos finais do período monárquico, tendo sido deputado e par do Reino, foi promotor de várias obras de relevo em território courense, como os Paços do Concelho, o hospital e a cadeia.

O palacete, situado no lugar de Mantelães (freguesia de Formariz), segue a linha das chamadas “casas grandes” brasileiras, num estilo marcadamente neoclássico. Possui uma capela anexa, jardim com repuxo, um bonito ‘mirante’ e uma torre de feições medievais cuja conclusão nunca aconteceu. Pelo que nos disseram, é hoje muito solicitada para servir de cenário a fotos de casamento.

A solenidade do edifício esconde histórias que se cruzam com a História de Portugal. Já há pouco falámos de Bernardino Machado. Convém agora explicar a sua relação com Paredes de Coura. O antigo presidente da República casou-se em 1882 com Elzira Dantas, filha do conselheiro Miguel Dantas Pereira. A vida de Bernardino Machado foi bastante conturbada, tendo por duas vezes ocupado o cargo de chefe de Estado e em ambos os casos sido destituído – primeiro pelo golpe de Sidónio Pais (1917) e depois pelo golpe de 28 de Maio de 1926. Após os golpes militares foi obrigado a um exílio no estrangeiro.

Bernardino Machado era visitante assíduo de Paredes de Coura, onde era proprietário, por via do casamento, de diversas casas e palacetes, com especial destaque para a já citada Quinta da Senhora do Amparo e o palacete de Mantelães. Neste último fixou residência entre 1940 e 1942, que mais não foi do que um exílio forçado pelo governo de então, receando as suas iniciativas contra os golpistas.

Também aqui descobrimos a história de um dos vultos mais ilustres do município e grande amigo de Miguel Dantas: o padre Casimiro Rodrigues de Sá. Também conhecido como abade de Padornelo, desafiou as convenções da sua época e deixou-se seduzir pelos ideais republicanos, apesar de vestir batina. Deus ocupava-lhe as orações mas a política enchia os artigos de opinião que assinava nos jornais. Começou nas fileiras do Partido Progressista, porém, em 1906 já se dizia republicano. Quatro anos depois, foi um dos que anunciou a implantação da República em Paredes de Coura, sendo eleito presidente da autarquia. Foi depois deputado na Assembleia Nacional Constituinte e Governador Civil de Viana do Castelo, tendo pelo meio votado favoravelmente a lei da Separação da Igreja e do Estado. Nunca abandonou o sacerdócio, nem mesmo quando se voluntariou para participar na Primeira Guerra Mundial.

Viagem no tempo

Da primeira metade do século XX recuemos até ao século XIII, altura em que terá sido edificada a igreja de São Pedro de Rubiães, monumento nacional desde 1913. Seguindo o estilo românico, este templo religioso apresenta um curioso portal, com quatro arquivoltas, três das quais assentes sobre colunas de capitéis decorados com motivos vegetais e figuras de animais. As tradicionais gárgulas observam-nos com olhar ameaçador e, na entrada, duas representações escultóricas prendem a atenção: um anjo à direita e a Virgem à esquerda. O interior é iluminado por pequenas frestas que permitem entrever o que resta das pinturas a fresco ali efectuadas, muito provavelmente, durante o século XVI.

Regressando ao exterior, deparamo-nos com o necrotério, que circunda todo o edifício e no qual se estendem diversas lápides sepulcrais – as mais antigas datadas possivelmente do século XIII. Mesmo em frente à igreja encontra-se um marco miliário romano pertencente à via que ligava Bracara Augusta (actual Braga) a Astorga, no Norte de Espanha. Dizem-nos que terá sido construído pelo ano de 213 d.C., no tempo do imperador Caracala.

O nome Rubiães não deixa de causar estranheza mas, nestas coisas, há sempre uma lenda para esclarecer as dúvidas. E esta segue a tradição das histórias de mouras encantadas. Conta-se que um rapaz de nome Garcia e oriundo de família pobre tinha por hábito ajudar na missa. Certa noite, depois de se demorar na igreja mais do que o habitual, foi surpreendido por uma mulher de cabelos longos que tinha sido enfeitiçada por se recusar a casar com o noivo prometido. A mulher pediu a Garcia que desenterrasse uma pedra com letras gravadas no adro da igreja. Assim fez o rapaz que, depois de escavar um pouco, encontrava a dita pedra, de forma arredondada e semelhante a uma pia, cheia de pedaços de carvão. A mulher disse-lhe que espalhasse os carvões no degrau da porta principal da igreja. Quando uma resplandecente lua iluminou o horizonte, os carvões transformaram-se em ouro e rubis. O jovem hesitou em pegar no tesouro, pois o mesmo não lhe pertencia, mas a mulher agradeceu-lhe por a ter ajudado a quebrar o feitiço que a condenava e Garcia foi para casa carregado de rubis e ouro. Assim terá nascido o nome Rubiães.

As lendas têm o seu quê de fantasioso, mas a população não hesita em recorrer a elas para explicar aquilo que parece não ter explicação. E mesmo quando tem, mantém-se muitas vezes a ‘verdade’ da lenda. Tal como afirmava o realizador John Ford: “Quando a lenda é mais interessante que a realidade, imprima-se a lenda.”

Deixemo-nos agora de lendas e visitemos a sede do concelho. O sol vai alto e é com o seu calor que somos impelidos a mergulhar no centro histórico desta vila minhota. Nas ruas, alguns habitantes aproveitam para pôr a conversa em dia ou simplesmente “esticar as pernas”. A população é hoje mais reduzida do que há 50 anos. A falta de emprego e de oportunidades obrigou os courenses a partir rumo à Europa, em busca de melhor futuro. Alguns regressaram para gozar a reforma, outros nem isso.

Na rua Conselheiro Miguel Dantas parámos para almoçar no conhecido restaurante Miquelina, uma verdadeira instituição local. Comemos o típico bacalhau e ficámos com vontade de voltar. O mesmo se pode dizer do restaurante O Conselheiro, onde provámos ao jantar as Trutas à Conselheiro, seguindo-se o conhecido pudim de Abade de Priscos.

Esta rua principal de Paredes de Coura é ladeada por algumas casas de traço oitocentista, com destaque para o chamado ‘prédio da farmácia’ e o imóvel situado mesmo ao lado.

Ao cimo da rua, o bonito edifício dos Paços do Concelho, inaugurado em 1884 e com planta do político e historiador Oliveira Martins, esconde atrás de si um dos imóveis mais característicos da vila courense. Trata-se da antiga cadeia, com linhas bastante singulares e um ar acastelado. Ao lado, o pelourinho, reconstruído em 1909, dá uma harmonia de tons medievais a todo este conjunto.

Fazemos uma visita rápida à capela do Divino Espírito Santo (sede da maior confraria de Portugal e que se destaca pelo imponente escadório imperial) e damos depois um salto ao museu regional de Paredes de Coura, onde somos simpaticamente recebidos e conduzidos por diversas áreas expositivas. Ficamos a conhecer melhor o ciclo do linho, o modus vivendi das gentes de Paredes de Coura nos finais do século XIX (não deixem de visitar a réplica de uma casa da altura, situada no interior do museu), os utensílios agrícolas da região e os achados arqueológicos que têm sido sinalizados na área do município.

Para terminar a viagem, detemo-nos junto a uma das margens do rio Coura, mais precisamente na praia fluvial do Taboão. O nome deve ser familiar à maioria dos festivaleiros nacionais, até porque é aqui que anualmente decorre o Festival de Paredes de Coura. A azáfama que se vive naqueles dias é agora quebrada pelo silencioso correr do rio, mas não deixa de ser relevante que este espaço já tenha sido palco para bandas como os Pixies, Queens of the Stone Age e Nick Cave & the Bad Seeds. Todos eles vieram até ao Alto Minho para um festival, no mínimo, diferente.

Observamos o correr lento da água e fechamos os olhos como que a absorver tudo o que vimos durante o dia. No momento da despedida, sentimos alguma tristeza pelo que não conseguimos visitar, nomeadamente o incrível santuário natural que é o Corno de Bico, com perto de 2175 hectares e quase duas centenas de animais vertebrados, além de mais de 439 espécies plantas e flores. Mas ficam novos motivos para um regresso a Paredes de Coura, nos quais poderemos incluir a degustação dos famosos formigos.

GUIA PRÁTICO

Como ir

Do Porto ou de Valença, basta seguir a A3 e esperar pela saída Paredes de Coura. Depois tome a EN303 até à vila minhota.

Onde dormir

As opções para quem quiser pernoitar em Paredes de Coura são várias e para todos os gostos. Se gosta de turismo rural, tem à sua disposição um leque alargadíssimo de escolhas. No site da autarquia encontra uma lista com todas as propostas.

Onde comer

A oferta de restaurantes em Paredes de Coura é muito variada. Deixamos aqui algumas sugestões:

Restaurante Miquelina
Rua Conselheiro Miguel Dantas, 66
Tel.: 251 783 298

Restaurante O Conselheiro
Largo Visconde de Moselos,
Tel.: 251782610

Casa do Xisto
Boalhosa - Insalde
Tel.: 939 334 564

Restaurante Abrigo do Taboão
Praia Fluvial do Taboão
Tel.: 251 782 135

Restaurante Leira de Cima
Rua Conselheiro Miguel Dantas, 33
Tel.: 251 788 288

Restaurante Constantino
Nogueira – Cossourado
Tel.: 251 782 390

 

Restaurante Lino

Coqueira – Castanheira

Tel.: 251782069

 

 

 

 

 

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