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  • Cromeleques dos Almendres
    Cromeleques dos Almendres António Sachetti
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Miradouros: Cromeleques dos Almendres, um pequeno miradouro do universo

Por Margarida Paes

Hoje paramos no Alentejo.

Durante o período neolítico, o Cromeleque dos Almendres servia como ponto de encontro humano para ver o sol nascer no solstício de Verão. O sol nasce exactamente entre duas pedras no dia 22 de Junho e seria uma certeza sempre repetida, essa aliança entre o sol e a terra percebida de forma mágica pela espécie humana e por isso ali marcada com enormes pedras levantadas.

No Cromeleque dos Almendres o homem celebrava, e celebra ainda, o sol, a Terra e a lua. Faz-nos pensar a forma, como sabemos pouco do que pensava e sentia o homem neolítico, e arriscamos considerar este lugar mágico como um miradouro, não para ver pedaços bonitos da Terra ou do mar, como hoje fazemos, mas muito mais longe e mais alto, para sentir a ligação da Terra ao universo, ao astro-rei, à lua, à noite e certamente também às estrelas.

O ângulo de visão do homem antigo era mais longínquo e essencial, e neste local de pedras levantadas que marcam a presença sensível dos homens que há muito nos precederam, vê-se também Évora ao longe, mas o cromeleque estava lá bem antes de Évora e não foi essa (bela) vista que ali levou gerações de gentes. Depois do momento de passagem entre as pedras, o sol eleva-se e deixamos de saber a razão pela qual as pedras estão dispostas em elipse, com uma delas levantada quase no foco da elipse. S

eria a sombra das pedras, lentamente movendo-se ao longo do dia, a marcar o tempo? Seria o significado de cada pedra, ou o do conjunto, que contava? Imaginei que cada pedra era uma pessoa e entrei no meio delas, como numa praça pública inclinada. O efeito é extraordinário: vêem-se grupos de pessoas a falar, crianças por perto, um cão deitado, e quando percorro o espaço, pelo meu próprio movimento, elas deslocam-se em grupo sem parar de falar umas com as outras. De repente fiz na minha imaginação a ligação à disposição das pedras do jardim japonês cuja interpretação ocidental foi tentativamente expressa pelos Jellicoe (Jellicoe, Susan e Geoffey, The Landscape of man: shaping the environment from prehistory to the present day. London: Thames and Hudson, 1995):

“O universo foi criado como um grande vazio no qual flutuam substâncias materiais que existem no tempo. O pensamento reflecte-o, sendo ele próprio um vazio no qual flutuam acontecimentos verbalizáveis. Os cristais de quartzo dos jardins reflectem tanto o universo como o pensamento humano, constituindo-se como o meio de ligação dos dois: as rochas são os acontecimentos no tempo, o quartzo é o vazio.”

As pedras no Cromeleque dos Almendres podem ter tido sentidos tão insuspeitos como os significados das pedras no jardim japonês. Como se as religiões que sacralizam a natureza comungassem de um mesmo impulso, consagrando as pedras como o elemento pioneiro da sua abstracção do mundo, enchendo-as de significado. O acesso ao cromeleque passou a ser só a pé e deixa-se o carro afastado num estacionamento que defende estas “pedras talhas” , investidas de sentido e beleza, da invasão motora dos séculos XX e XXI.

Quando foram identificadas, nos anos 1960, as pedras talhas estavam na sua maioria deitadas e, depois de estudadas, foram dispostas na sua posição actual. Podemos assim voltar a sentir em silêncio o pulsar das pedras e da grande roda do universo que da Terra se vê. A nossa escala altera-se e passa a Terra a ser um pequeno miradouro do universo.

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