Durante o período neolítico, o Cromeleque dos Almendres servia como ponto de encontro humano para ver o sol nascer no solstício de Verão. O sol nasce exactamente entre duas pedras no dia 22 de Junho e seria uma certeza sempre repetida, essa aliança entre o sol e a terra percebida de forma mágica pela espécie humana e por isso ali marcada com enormes pedras levantadas.
No Cromeleque dos Almendres o homem celebrava, e celebra ainda, o sol, a Terra e a lua. Faz-nos pensar a forma, como sabemos pouco do que pensava e sentia o homem neolítico, e arriscamos considerar este lugar mágico como um miradouro, não para ver pedaços bonitos da Terra ou do mar, como hoje fazemos, mas muito mais longe e mais alto, para sentir a ligação da Terra ao universo, ao astro-rei, à lua, à noite e certamente também às estrelas.
O ângulo de visão do homem antigo era mais longínquo e essencial, e neste local de pedras levantadas que marcam a presença sensível dos homens que há muito nos precederam, vê-se também Évora ao longe, mas o cromeleque estava lá bem antes de Évora e não foi essa (bela) vista que ali levou gerações de gentes. Depois do momento de passagem entre as pedras, o sol eleva-se e deixamos de saber a razão pela qual as pedras estão dispostas em elipse, com uma delas levantada quase no foco da elipse. S
eria a sombra das pedras, lentamente movendo-se ao longo do dia, a marcar o tempo? Seria o significado de cada pedra, ou o do conjunto, que contava? Imaginei que cada pedra era uma pessoa e entrei no meio delas, como numa praça pública inclinada. O efeito é extraordinário: vêem-se grupos de pessoas a falar, crianças por perto, um cão deitado, e quando percorro o espaço, pelo meu próprio movimento, elas deslocam-se em grupo sem parar de falar umas com as outras. De repente fiz na minha imaginação a ligação à disposição das pedras do jardim japonês cuja interpretação ocidental foi tentativamente expressa pelos Jellicoe (Jellicoe, Susan e Geoffey, The Landscape of man: shaping the environment from prehistory to the present day. London: Thames and Hudson, 1995):
“O universo foi criado como um grande vazio no qual flutuam substâncias materiais que existem no tempo. O pensamento reflecte-o, sendo ele próprio um vazio no qual flutuam acontecimentos verbalizáveis. Os cristais de quartzo dos jardins reflectem tanto o universo como o pensamento humano, constituindo-se como o meio de ligação dos dois: as rochas são os acontecimentos no tempo, o quartzo é o vazio.”
As pedras no Cromeleque dos Almendres podem ter tido sentidos tão insuspeitos como os significados das pedras no jardim japonês. Como se as religiões que sacralizam a natureza comungassem de um mesmo impulso, consagrando as pedras como o elemento pioneiro da sua abstracção do mundo, enchendo-as de significado. O acesso ao cromeleque passou a ser só a pé e deixa-se o carro afastado num estacionamento que defende estas “pedras talhas” , investidas de sentido e beleza, da invasão motora dos séculos XX e XXI.
Quando foram identificadas, nos anos 1960, as pedras talhas estavam na sua maioria deitadas e, depois de estudadas, foram dispostas na sua posição actual. Podemos assim voltar a sentir em silêncio o pulsar das pedras e da grande roda do universo que da Terra se vê. A nossa escala altera-se e passa a Terra a ser um pequeno miradouro do universo.
Cromeleques dos Almendres
38º 33’ 26,97’’N, 08º 03’ 40,05’’W
Guadalupe (Évora)
Visitável
Miradouros de Portugal
São 20 os miradouros destacados nesta série que vão levar o leitor a visitar, em Portugal continental, um “lugar elevado de onde se avista um horizonte largo”. São o nosso património das vistas:
1. Penedo Durão
2. Nossa Sr.ª da Saúde
3. Forte de Almeida
4. Fragão do Corvo
5. Covão da Ametade
6. Castelo de Montemor-o-Velho
7. Miradouro da Bandeira
8. São Pedro de Moel
9. Sítio da Nazaré
10. Pedreira do Galinha
11. Outeiro de São Pedro
12. Forte de Paimogo
13. Ponta dos Corvos
14. Cabo Espichel
15. Castelo de Marvão
16. Forte de Nossa Senhora da Graça
17. Cromeleques dos Almendres
18. Cabo Sardão
19. Cabo de São Vicente
20. Cacela Velha
Pela Equipa ACB Paisagem