Fugas - Viagens

  • António Sacchetti
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Miradouros: No Cabo de São Vicente, a atracção imensa do abismo Atlântico

Por Margarida Paes

Hoje levamos os olhos à costa em Vila do Bispo.

Entre a fortaleza de Sagres e o cabo de São Vicente, a falésia torna-se côncava, de forma que de um cabo se vê o outro, e ambos vêem o mar sem fim. Mas São Vicente é a ponta poente e de lá se vê também a linha da costa vicentina e se ligam os horizontes do mar poente e do mar de sul. Talvez por isso os monges o tenham escolhido para contemplar o infinito azul e aí construírem o convento de São Vicente, juntando-lhe, por volta de 1515, uma torre com fogo para guiar os barcos.

Hoje é um farol erguido no fim do mundo onde os turistas acorrem e se enchem da vista do mar, saindo em lufadas das camionetas na área onde se instalaram as roulottes de hot dogs, farturas e ponchos que exactamente nos impedem de ver, sentir e perceber o mar. A magnífica parte poente deste promontório só pode ser contemplada antes da azáfama turística para poder ser bem saboreada, mas na parte sul há vistas mais isoladas e por descobrir, mesmo que ninguém tenha preparado caminhos ou bancos.

Pedras bicudas boleadas pelo vento e pela salsugem cobrem o cimo da parede vertical do promontório, únicos caminhos agrestes para os pontos de vista onde mais pedras duras e disformes podem servir de bancos. O isolamento é essencial para ver e ouvir o mar tal com o Infante D. Henrique o viu e ouviu, e a rudeza destas pedras só nos aproxima dele. Tudo pára e o olhar enche-se do azul do mar e do céu, terminando ao longe em Sagres, no fim deste país que mais parece uma pedra espessa e branca a flutuar no mar.

Por baixo de nós o mar bate e não há palavra que expresse este murmúrio, ronco ou marejar do mar, lento contra a rocha imensa vertical, que mais parece um batimento de proa que avança como se o promontório fosse já o barco, e a viagem para o nada azul tivesse começado. O farol amarrado ao último recorte da terra é uma despedida antes de se tornar céu e água, indicando o perigo, a rocha — mas também a terra, esperando a noite para se tornar útil e mais terrível.

É preciso loucura para arriscar largar destas paredes gretadas onde se acaba a terra, sem saber onde nova terra haverá. As gaivotas riem-se e os turistas já só são pontos pequenos que desfilam para dentro da fortaleza em movimentos iguais, indiferentes a este apelo do mar. Mas aqui sobre as pedras incómodas parece sentir-se o que o Infante sentiu: a atracção imensa do mar e dos mistérios que esconde a linha do horizonte. Não um horizonte cortado por outras linhas de terra, um cabo Súnion na Grécia, onde a beleza do recorte violeta da terra à vista é o berço calmo da civilização ocidental, de distâncias curtas, de costas conhecidas, de ilha em ilha pelas quais se avança no mar. Não, aqui… nada! A diferença entre o Mediterrâneo e o Atlântico é marcante, o mar é infinito, não há ilhas, não há recorte de terra onde nos seguremos, não há destino firme, e é exactamente esta a força do Atlântico que nos atrai, que nos desafia a ir mais longe e o vento não pára, amigo incondicional do desconhecido, do abismo atlântico, convidando as velas à partida.

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