Entre a fortaleza de Sagres e o cabo de São Vicente, a falésia torna-se côncava, de forma que de um cabo se vê o outro, e ambos vêem o mar sem fim. Mas São Vicente é a ponta poente e de lá se vê também a linha da costa vicentina e se ligam os horizontes do mar poente e do mar de sul. Talvez por isso os monges o tenham escolhido para contemplar o infinito azul e aí construírem o convento de São Vicente, juntando-lhe, por volta de 1515, uma torre com fogo para guiar os barcos.
Hoje é um farol erguido no fim do mundo onde os turistas acorrem e se enchem da vista do mar, saindo em lufadas das camionetas na área onde se instalaram as roulottes de hot dogs, farturas e ponchos que exactamente nos impedem de ver, sentir e perceber o mar. A magnífica parte poente deste promontório só pode ser contemplada antes da azáfama turística para poder ser bem saboreada, mas na parte sul há vistas mais isoladas e por descobrir, mesmo que ninguém tenha preparado caminhos ou bancos.
Pedras bicudas boleadas pelo vento e pela salsugem cobrem o cimo da parede vertical do promontório, únicos caminhos agrestes para os pontos de vista onde mais pedras duras e disformes podem servir de bancos. O isolamento é essencial para ver e ouvir o mar tal com o Infante D. Henrique o viu e ouviu, e a rudeza destas pedras só nos aproxima dele. Tudo pára e o olhar enche-se do azul do mar e do céu, terminando ao longe em Sagres, no fim deste país que mais parece uma pedra espessa e branca a flutuar no mar.
Por baixo de nós o mar bate e não há palavra que expresse este murmúrio, ronco ou marejar do mar, lento contra a rocha imensa vertical, que mais parece um batimento de proa que avança como se o promontório fosse já o barco, e a viagem para o nada azul tivesse começado. O farol amarrado ao último recorte da terra é uma despedida antes de se tornar céu e água, indicando o perigo, a rocha — mas também a terra, esperando a noite para se tornar útil e mais terrível.
É preciso loucura para arriscar largar destas paredes gretadas onde se acaba a terra, sem saber onde nova terra haverá. As gaivotas riem-se e os turistas já só são pontos pequenos que desfilam para dentro da fortaleza em movimentos iguais, indiferentes a este apelo do mar. Mas aqui sobre as pedras incómodas parece sentir-se o que o Infante sentiu: a atracção imensa do mar e dos mistérios que esconde a linha do horizonte. Não um horizonte cortado por outras linhas de terra, um cabo Súnion na Grécia, onde a beleza do recorte violeta da terra à vista é o berço calmo da civilização ocidental, de distâncias curtas, de costas conhecidas, de ilha em ilha pelas quais se avança no mar. Não, aqui… nada! A diferença entre o Mediterrâneo e o Atlântico é marcante, o mar é infinito, não há ilhas, não há recorte de terra onde nos seguremos, não há destino firme, e é exactamente esta a força do Atlântico que nos atrai, que nos desafia a ir mais longe e o vento não pára, amigo incondicional do desconhecido, do abismo atlântico, convidando as velas à partida.
A vista do cabo de São Vicente é tão arrebatadora, tão funda e tão sentida, que tem que se ver a sós, ou pelo menos em silêncio, de mão dada.
Cabo de São Vicente
GPS 37º 01’ 23,45’’N, 08º 59’ 45,08’’W
Vila do Bispo
Visitável
Miradouros de Portugal
São 20 os miradouros destacados nesta série que vão levar o leitor a visitar, em Portugal continental, um “lugar elevado de onde se avista um horizonte largo”. São o nosso património das vistas:
1. Penedo Durão
2. Nossa Sr.ª da Saúde
3. Forte de Almeida
4. Fragão do Corvo
5. Covão da Ametade
6. Castelo de Montemor-o-Velho
7. Miradouro da Bandeira
8. São Pedro de Moel
9. Sítio da Nazaré
10. Pedreira do Galinha
11. Outeiro de São Pedro
12. Forte de Paimogo
13. Ponta dos Corvos
14. Cabo Espichel
15. Castelo de Marvão
16. Forte de Nossa Senhora da Graça
17. Cromeleques dos Almendres
18. Cabo Sardão
19. Cabo de São Vicente
20. Cacela Velha
Pela Equipa ACB Paisagem