A palavra-chave era confiança. Tínhamos de confiar uns nos outros para conseguirmos escapar. Fechados numa sala, tivemos a perfeita noção de que, sozinhos, nunca sairíamos daquele labirinto de pistas e obstáculos. Alexandra, Carla, Luís e Mara: a equipa Fugas era de quatro mas, no fundo, era só de um. Um herói com quatro cabeças partindo enigmas para dar liberdade ao mundo inteiro. O trabalho em equipa compensou — a confiança compensou.
Sessenta minutos. A porta fecha-se atrás de nós e de repente estamos os quatro sozinhos numa cela minúscula. Um quartinho de prisão que a nossa inexperiência e nervosismo inicial parecem tornar ainda mais pequeno, quatro baratas tontas que se dispersam ao ritmo do piscar vermelho do relógio na parede. Há quem olhe de soslaio para o botão de pânico e secretamente deixe descansar a leve claustrofobia naquele singelo interruptor. Mas é bom não estarmos sozinhos e, sobretudo, é bom não termos tempo para parar, para desistir. É preciso começar a pensar. Temos de nos concentrar, temos de confiar que, juntos, conseguiremos sair daqui sem manchar (muito) a imagem da Fugas. Fomos aconselhados a ser criativos, mas o quarto não parece ter muito que possamos explorar. Como é que achamos algo que nem sabemos estar à procura?
Números. A chave está nos números, tinha avançado Carolina, a nossa game master. Afinal, são código universal e democrático, permitindo que qualquer pessoa possa jogar, independentemente da nacionalidade. Um inteligente piscar de olho aos turistas, mas nós, que fazemos das letras dia-a-dia e profissão, não resistimos a franzir o sobrolho. Se tivermos de confiar nas nossas capacidades matemáticas para sair daqui bem podemos já desistir. Mas não é o caso. Os números aqui são gramática de uma linguagem baseada nas capacidades de raciocínio lógico-dedutivo, de resolução prática de problemas (ou, em bom português, certos dotes para o desenrasque), alguma destreza física (e leia-se agilidade e não força — “não é preciso desmontar nada, saltar para cima de nada ou arrastar mobília”, já tinha avisado Carolina) e muito, muito espírito de equipa.
Entretanto, parece que já passou uma eternidade e ainda não saímos do mesmo sítio. Largassem-nos numa ruela caótica de Banguecoque e não nos sentiríamos tão perdidos. Felizmente, Carolina, qual simpática pitonisa, pressente nas câmaras de vigilância que estamos à deriva (afinal de contas, somos um grupo de exploradores de tesouros perdidos em galeões afundados nas ilhas São Cristóvão (St. Kitts) e Nevis, narrava o prelúdio deste jogo-história) e lança-nos no walkie-talkie o primeiro oráculo para nos salvar à pena capital (do julgamento iminente, acusados injustamente de tráfico de droga, e sobretudo, do cronómetro — a única sentença que, aqui encafuados, nos guia o pensamento). E não é que já tínhamos a solução há muito? Só nos faltava um pouco de habilidade e persistência para abrir o cadeado, para não cairmos na tentação de dispersar e procurar pistas noutro lado, perder tempo com coisas que não têm qualquer significado. Mas, afinal, não é assim tantas vezes na vida?
As únicas certezas que temos é que aqui quase nada está por acaso e que sozinhos nunca sairíamos deste labirinto de pistas e de obstáculos. Temos de confiar uns nos outros — até porque foi isso que nos trouxe cá. E a verdade é que a confiança compensa. A pouco e pouco, algumas peças vão-se encaixando. Há quem seja muito bom a guiar-nos pelo caminho certo e quem seja muito bom a desviar-nos de falsas pistas, quem consiga surpreender-nos com soluções tão evidentes que mais ninguém viu e quem consiga sequenciar as partículas dispersas da solução de um enigma. Há quem nos salve pelo humor, pela inteligência, pelo jogo de cintura, pela palavra, pelo gesto e até pelo olhar. E, assim, somos quatro e somos apenas um, um herói com quatro cabeças partindo enigmas para dar liberdade ao mundo inteiro.
O jogo atinge momentos aventurosos, aqui e ali até com um toque cinematográfico. Esta é a nossa ilha paradisíaca tornada um inferno e temos que sair daqui. Tal como a imaginação é a extrema liberdade, a memória é a grande viagem e — enquanto alguém salta para ali e clica num interruptor ou alguém se vira subitamente e agarra um despojo conseguido à luz de um golpe de génio —, há sempre alguém que se deixa vaguear pelas recordações de outras aventuras viandantes; quem por momentos vislumbre a bola para a frente da Fuga para a Vitória, o esvoaçar infinito de Papillon, o estridor houdini de Prison Break, a lógica e muita física (e química) de Perdido em Marte; ou quem já sonhe com túneis escavados à El Chapo ou Pablo Escobar. Será que devíamos ter trazido colheres escondidas na algibeira como o trio de Alcatraz?
Há sempre alguém que se dispersa na vã procura de respostas longínquas para problemas tão perto. Daí o prazer de nos sentirmos este monstro de quatro cabeças. Quando um pára, outro move-se. Quando um desliga, outro liga. Ainda assim, falha-nos a rapidez rotineira de quem está habituado a estas andanças e quando escapamos da sala já se somam quinze minutos ao relógio. “Só 10% das equipas que aqui chegam sem nunca terem jogado este tipo de escape games é que conseguem sair a tempo”, conforta-nos Carolina.
Quando saímos desta nossa ilha no Largo do Rato, voltamos a percorrer os olhos pelas fotografias de heróis, aventureiros e viajantes que ocupam o corredor. As engenhosas asas de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral, a audácia espacial de Gagarin, a everéstica ascensão de Edmund Hillary e o sherpa Tenzing Norgay; tudo lado a lado numa parede verde-esperança. Frente a eles estamos nós, a Alexandra, a Carla, o Luís, a Mara. Eles fizeram o nosso mundo a sério, confiaram em si próprios e nos seus, arriscaram a vida, arriscaram tudo em nome do que acreditavam, do seu desígnio, da sua viagem. Nós só tivemos que divertir-nos durante uns momentos, mesmo que dedicados de corpo e alma ao propósito que aqui nos trouxe, e, ainda assim, todos partilhávamos o secreto receio de não conseguirmos, de falharmos à nossa tribo — que, no caso, eram os restantes elementos da equipa, mais os outros e ainda uns bons milhares. No final, queríamos mais. Mais salas, mais desafios, mais oportunidades para trabalhar e confiar na equipa, mais daquele prazer de superação. É que, a dado passo desta nossa odisseia de faz-de-conta, todos chegámos à mesma certeza: não faz mal falhar desde que não se pare de tentar. Porque, se eu falhar, posso contar convosco para me amparar, certo? Afinal de contas, não é a confiança a base de toda e qualquer viagem?
A Fugas participou no jogo A Grande Fuga a convite da Escape Team
A casa Escape
Abriu oficialmente em Novembro mas já vem prendendo equipas na cela desde Abril. Existem duas salas com o mesmo jogo replicado, A Grande Fuga, pelo que é possível duas equipas jogarem simultaneamente (independentemente uma da outra ou competindo entre si e, neste caso, “a equipa a escapar primeiro pode vir para a sala de controlo espiar a outra”, conta Carolina). Em breve existirão mais duas salas com novo jogo, A Pedra Filosofal. Cada equipa pode ter entre dois a cinco elementos e tem 60 minutos para concluir o jogo e escapar da sala. No entanto, os participantes devem chegar cerca de 15 minutos antes para receberem uma breve explicação sobre a experiência, incluindo a história que dá mote ao jogo. No final, há chá e salgados para matar o apetite deixado pela adrenalina e é possível descomprimir um pouco no lounge e tirar fotografias de grupo (existe um baú com pistolas, chapéus de cowboy e camisolas de prisioneiro).
Preços: o valor sobe 10€ consoante o número de jogadores por equipa, indo de 40€ (duas pessoas) a 70€ (cinco pessoas).
Escape Team: Rua São Filipe Neri 25C – Lisboa. Tel.: 213 860 176, Email: geral@escapeteam.com | escapeteam.com
Os jogos de fuga
O objectivo inicial é quase sempre o mesmo: uma equipa tem de conseguir escapar de um espaço fechado (pode ser apenas um quarto ou um conjunto de salas) em menos de 60 minutos e através da superação sucessiva de obstáculos e charadas. Na maioria dos casos há objectos para encontrar, pistas e mensagens para decifrar, puzzles para resolver e muitos cadeados e portas para abrir. É preciso ser-se criativo, ter capacidade de resolução de problemas através do pensamento lógico-dedutivo, alguma dose de desenrasque e trabalhar sempre em equipa.
A partir daqui, a imaginação é o limite. Para quem joga e para quem desenvolve o jogo. Em Portugal, a Lisbon Escape Game foi a primeira empresa de jogos de fuga na vida real a abrir, em meados de 2014. Desde então, já surgiram quase duas dezenas de empresas por todo o país (e houve até quem já tivesse fechado portas entretanto). Só a Puzzle Room tem salas em quatro localidades, de Coimbra a Vila Nova de Milfontes, cada franchise com um jogo diferente.
É que nestes escapes games conta tanto a originalidade dos pequenos desafios e o seu grau de dificuldade quanto as histórias que dão mote a toda a experiência, definindo cenários, adereços e o fio condutor de cada jogo. E aqui há enredos para todos os gostos. Dos mais clássicos, como escapar simplesmente de um local onde fomos encarcerados (uma prisão, uma biblioteca ou até um cemitério onde nos trancou um coveiro bêbado ou a casa de um jornalista que “rapta grupos de pessoas para poder escrever notícias verdadeiras”) ou desvendar o misterioso desaparecimento de alguém (do espião Jack Barbosa da Lisbon Escape Game ao professor Amadeu Vilaça na Puzzle Room em Coimbra) até histórias mais elaboradas, que nos levam pelos “ritos iniciáticos de uma das mais antigas organizações secretas do mundo”, a encontrar a cura para o vírus Hoffan, a descobrir quem matou Jorge Silva no calor da Revolução dos Cravos ou os segredos do vinho do Porto. Num dos jogos da Porto Exit Games é preciso até que alguém se sacrifique para que a restante equipa consiga escapar.
O primeiro real-life room escape terá surgido no Japão, em 2007, quando Takao Kato decidiu transpor o conceito dos escape room dos videojogos para a vida real, inspirado em jogos como MOTAS (Mystery of Time and Space, tido como pioneiro no género, criado em 2001), Myst, Viridian Room, Droom ou o popular Crimson Room. Em todos, a ideia é a mesma: escapar de um quarto através da manipulação de objectos, encontro de pistas e de compartimentos secretos. O primeiro evento organizado pelo japonês terá sido um sucesso e o conceito rapidamente se espalhou pela Ásia, chegando pouco depois aos Estados Unidos, à Europa e à Austrália. No escaperoomdirectory.com, a lista (incompleta) integra 3406 salas de 1485 empresas, localizadas em 670 cidades de 64 países. Uma nova e viciante fuga que talvez tenha vindo para ficar (ou escapar).
Real Escape Games em Portugal
Lisboa
Enigma Lisbon
www.enigmalisbon.com
Escape Hunt Experience
lisbon.escapehunt.com
Escape The Room
www.escapetheroom.pt
Escape Rossio
escaperossio.com
Lisbon Escape Game
www.lisbonescapegame.com
Locked in Riddles
lockedinriddles.pt
Mystery Escape Game
www.mysteryescapegame.com
Puzzle Room Lisboa
puzzleroom.pt
Scapers Lisbon
www.scapers.pt
Unlock Games
unlockgames.pt
PORTO
Breakout
breakout.pt
Escape Challenge
www.escapechallenge.net
Porto Exit Games
portoexitgames.com
MAIS PELO PAÍS
Brainmaze
brainmaze.pt (Coimbra)
Puzzle Room Coimbra
coimbra.puzzleroom.pt (Coimbra)
Puzzle Room Évora
evora.puzzleroom.pt (Évora)
Puzzle Room Milfontes
milfontes.puzzleroom.pt (Évora)
The BreakOut Funchal
www.thebreakout.eu/pt-pt/funchal (Funchal, Madeira)