Fugas - Viagens

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Vila Joya sobre carris no Douro

Por José Augusto Moreira

Vila Joya no Douro é mesmo uma viagem inesquecível, que associa as emoções da gastronomia à paisagem e ambiente únicos. Cozinha do mais reputado restaurante nacional a bordo do comboio que serviu monarcas e chefes de Estado.

O luxo é uma coisa antiga que rola sobre carris. Desde que Coco Chanel o identificou por contraponto à vulgaridade e não à pobreza, o luxo é uma sensação sem limites. Sobretudo quando viajamos Douro acima numa composição ferroviária do século passado e somos mimados pela cozinha mais prestigiada do país. Sim, o Vila Joya no Douro é uma viagem a todos os títulos inesquecível, mas também é um daqueles raros momentos de luxo no seu mais actual e descomprometido entendimento. 

Gilles Lipotevsky concluiu que, longe da ostentação, das jóias ou objectos caros, o luxo actual passa antes por conseguir “comprar” emoções. E o filósofo bem poderia ter recorrido a este mergulho no passado, na natureza, e na alta gastronomia para explicar a sua teoria. À emoção gastronómica junta-se a impressionante paisagem do Douro, seus vinhedos e vinhos, e um comboio que foi de monarcas e chefes de Estado e agora podemos ver e tocar.

Luxo é também poder ter representantes da nova geração de portugueses como Gonçalo Castel-Branco, que gostam apaixonadamente daquilo que de melhor tem o país e fazem por mostrá-lo e partilhá-lo. Apaixonado por comboios antigos desde que atravessou os EUA numa velha composição, salta-lhe ainda agora o entusiasmo quando fala na descoberta do Comboio Presidencial.

A ideia era outra e passava pela música, com concertos a bordo de velhas carruagens. “É fabuloso, só é pena que não ande”, disse, num lamento que logo ali virou desafio. Não só andava, como tinha acabado de ser restaurado e qualquer pretexto era bem-vindo para lhe dar uso. Foi a filhota, Inês, 11 anos, que com o seu entusiasmo pela cozinha soltou a palavra mágica: “Com comida.”

A partir daí é, de facto, a emoção que comanda o projecto. Com um tal cenário, tudo teria que ser ao nível do melhor que há no país. 

O Vila Joya, com duas estrelas Michelin consecutivas há uma dúzia de anos e o único restaurante português com destaque na lista dos melhores do mundo, era obrigatório. O mais complicado era convencer o chef, o circunspecto Dieter Koschina, a cozinhar no comboio. Nada de explicações. A conversa tinha que ser em local especial. E lá foram, de carro, até ao Museu Nacional Ferroviário, no Entrocamento.

O cozinheiro ficou de queixo caído e tudo aquilo que à partida seriam dificuldades, virou puro desafio. “Fiquei fascinado. Pensei logo nos cenários do Expresso do Oriente ou nos filmes de John Wayne em todo aquele charme de estilo clássico para uma bela refeição.” A mesma estratégia foi seguida com os restantes parceiros. A proposta era lançada com a visita ao comboio e logo aí todas resistências ficavam por terra. 

Cenário imponente

É no cenário imponente da estação de São Bento, no Porto, que tudo começa. Os painéis de azulejos da centenária estação serão hoje em dia os objectos mais fotografados do país, mas pelas 11h os numerosos grupos de turistas orientais descobrem também as carruagens azuis do Comboio Presidencial e disparam freneticamente na tentativa de registar imagens de todos os ângulos. Nota-se algum desencanto quando descobrem que a viagem é ocasional. 

Mas nem só os turistas, também transeuntes, passageiros, e sobretudo funcionários dos caminhos de ferro, chegam a ser exuberantes nas manifestações de encanto e admiração. É assim em todo o percurso de ida e volta até ao Pinhão.

As assistentes, com fardas ao estilo de época, conduzem os participantes aos respectivos aposentos. Dos materiais à decoração, é evidente a qualidade do restauro em todo o comboio. O design apurado de estilo clássico nos candeeiros, madeiras ou puxadores, remetem para o critério e luxo de então. O ambiente foi aromatizado, com fragrâncias que evocam o Douro e as vinhas, a Casa da Música responsabilizou-se pela melodia de fundo e Serralves pelos livros que à entrada de cada carruagem os passageiros têm à disposição. Viagens, Douro e o glamour clássico dominam as temáticas. 

Com o início do andamento todos têm na mão um copo de rosé para acompanhar o shot com sopa de champanhe e minisanduíche com caviar que são as boas-vindas do chef. É já no salão restaurante e sentados à mesa que ecoam os primeiros uau! A composição começa a aproximar-se do nível das águas e a confluência do Tâmega com o Douro impõe um cenário que deslumbra naturalmente. 

Entre admiração e encanto, as manifestações hão-de multiplicar-se ao ritmo da maior ou menor aproximação às águas, à passagem pela foz do Bestança, Caldas de Aregos, Rede ou à vista da imponência dos terraços vinhateiros das grandes quintas que se esticam nas encostas do rio até ao Pinhão. 

 

Entre a habitual equipa do Vila Joya, os jovens alunos da Escola de Hotelaria do Porto até parecem há muito andar nisto e nem à força de solavancos o rigor do serviço se perturba ou altera. São servidos vinhos da casa Niepoort (Diálogo Rosé 2014, Redoma Reserva 2014, Bioma 2012 e o fortificado Moscatel do Douro 2000) que acasalam de forma superior com o menu que o chef Koschina adaptou às condições do comboio. 

Começa com peixe-rei (Hiramasa), couve-flor, gengibre e soja; segue-se o lavagante tristão, com manga, papaia e caril; e culmina com bochecha de porco ibérico, com cevada, chouriço e gamba. A sequência leva-nos até lá do Peso da Régua e a sobremesa — creme de açafrão, com pistáchio e laranja sanguínea — será servida na volta, com vinhos fortificados, whiskies e aguardentes. 

Não fosse o ritmo, o espaço e o correr da paisagem e tudo pareceria recriado ao estilo e rigor das duas estrelas do requintado restaurante de Albufeira. 

“Experiência única ”

Chegados à estação do Pinhão, os passageiros são acolhidos no renovado Vintage House Hotel (agora propriedade do grupo Taylor’s), de onde partem depois para a Quinta da Roêda. Visitar a vinha, conhecer os processos de criação dos vinhos do Porto, provar e beber o ambiente da região vinhateira classificada pela UNESCO. Sempre rodeados pelo Douro e a sua imponência histórica. 

Entre a sobremesa, as bebidas e atenção às paisagens, as conversas recrudescem no regresso ao Porto. É tempo de Dieter Koschina vir ao salão-restaurante receber entusiásticos aplausos e confessar a sua rendição à iniciativa: “O Douro é excepcional. Então neste comboio, uau! Um rio natural, não há infra-estruturas industriais, e tirar este comboio do museu é uma coisa maravilhosa, espectacular, e uma experiência única no mundo.”

Não foi fácil, no entanto. O chef teve que adaptar o menu às condições do comboio. As refeições foram preparadas antes da partida na cozinha do Yeatman, em Gaia, e apenas ultimadas no vagão-cozinha que foi dotado de tecnologias mais actuais, como alguns pequenos fornos. 

Valeu o empenho do chef, que mostrou um lado divertido, entusiasmado e colaborante que até contrasta com a sua imagem de durão. Tão feliz e envolvido que era vê-lo no regresso à estação de São Bento a acenar aos turistas e deixar-se fotografar à janela do comboio com um do sorriso de orelha a orelha.

O comboio também faz parte do património e das emoções do Douro e o luxo é uma coisa antiga que rola sobre carris. A questão é que esta foi uma viagem que durou apenas dez dias e custava 350 euros. Mas há também uma boa notícia. O promotor está empenhado em relançá-la em Setembro e Gonçalo Castel-Branco gosta mesmo de emoções e de partilhar aquilo que há de melhor em Portugal.

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