Fugas - Viagens

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Uma cidade a sul das nuvens

Por Humberto Lopes

É uma cidade milenar, fica na província mais meridional da China e chama-se Kunming. Aqui, entre templos e histórias, vive-se a Primavera o ano inteiro.

A mudança é a sina de tudo quanto existe e às vezes a vemos numa pressa semelhante à de um vento ansioso por voar até ao outro lado do mundo. Sabem-no, na China da ordem confuciana, os budistas há pelo menos dois milénios - e um poeta de caminhar taoista, Li Bai, enunciou-o mais de uma vez nos seus versos. Na Canção do tempo fugaz, escrita no século VIII, o poeta quis lembrar que “A água corre, jamais regressa / à nascente da montanha. / A flor cai, jamais regressa ao ramo que a sustentou. / Fugidio relâmpago, a vida, / apenas o sentir do seu passar. / Imutáveis Céu e Terra, / tão rápida a mudança em nosso rosto”.

A passagem do tempo cinzela também a face das aldeias, das vilas e das metrópoles, as colmeias em que as gentes conspiram silenciosamente sonhos e desejos. Na China, conta-se por aí, as cidades crescem mais depressa do que o deserto, devorando memórias humanas e lançando sombras sobre as afeições. E há um conto de Gao Xingjian - o escritor originário da província de Jiangxi que foi o vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2000 - em que página a página um personagem procura, em vão, os lugares da infância numa cidade transfigurada pelo tempo e por uma modernidade avassaladora: “… regressar ao passado e descobrir a rua pela qual a minha mãe me levava pela mão quando era criança, agora que eu próprio já tenho uma criança, é mesmo difícil (…), estou a andar às voltas no lugar do lago, mas se o próprio oceano pode ser transformado em pomares de amoreiras, o que poderá acontecer a um lago… penso que nas profundezas desta floresta de antenas de televisão plantada nos edifícios (…) se esconde a casa da minha infância…”.

Kunming cabe nessa imagem? Não há mão ou cidade que possa atirar a primeira a pedra, mas a capital do Yunnan regista, apesar de tudo, uma das mais baixas taxas de urbanização da China. E conforta-se o viajante, recém-chegado: o centro histórico ainda se encaixa na expressão, mesmo se em convívio com arquitecturas e atmosferas noviças. Há arcaicos edifícios em madeira - pintados com o mesmo vermelho das lanternas, a cor da fortuna que uma velha lenda chinesa legitimou -, embora alguns deles com licença de existência precária. Precária e heróica, aliança que pouco tem de heterodoxa, bem pesadas as histórias que por estas e outras partes da China e do mundo se contam e ilustram as linhas com que se cose urbanisticamente o futuro.

O velho casario trôpego está de pé e taciturno ao lado de modernas avenidas dotadas de artificiosas lojas à la mode, dessas ditas “de marca”, avenidas semipedonais que são também vias de motoretas eléctricas, silenciosas, futuristas, já sem o hálito dos motores de combustão a sufocar o rumor exalado das ruelas vizinhas apinhadas de gente, pequena babilónia onde mora um mercado que afixa muito e variada mercadoria, como flores e bichos de estimação: peixinhos coloridos, cachorros, passarada pitoresca talvez surripiada às florestas tropicais de Xichuanbanna, lá no Sul, onde uma linha postiça de fronteira avisa que a partir dali começa o Laos.

O desencantado Gao Xingjian não encontrou na sua Ghanzou sinal algum do lago em que costumava pescar, afundado agora por edifícios submetidos à acupunctura electrónica de milhares e milhares de antenas de televisão, não encontrou a casa da infância, o pátio onde o avô se sentava a falar do tigre que havia avistado numa véspera já distante, quando ainda era jovem (“Avô, tiveste medo quando encontraste o tigre?”. “Não é de tigres que eu tenho medo, tenho medo é dos homens maus”) e onde havia uma parede gravada com as palavras “boa ventura”, “longevidade” e “alegria”, por cima da qual observava com juvenil curiosidade a vizinha Zaowa, moça de olhos muito redondos. Podia ter acontecido noutra cidade, não necessariamente em Ganzhou, podia ter acontecido noutro lugar onde as rugas urbanas são pouco amadas e sucumbem, sem eufemismos melífluos, à enfermidade da especulação imobiliária que a vertigem do progresso sempre traz no ventre e acelera a ruína de velharias “inúteis”.

O personagem de Gao caminha comigo neste pedaço de Kunming, baloiça nas páginas de um livro guardado na mochila, avança nostálgico, inquieto, pressentindo a toada silente e agónica das velhas casas bordadas em madeira, mas alentado, ainda, por um exangue resquício de ilusão: “… os homens não são cruéis ao ponto de quererem destruir tudo sem deixarem como vestígio uma parede coberta de caracteres gravados, a natureza humana é má, a maldade é mais forte do que a bondade, disseram-no os santos, os sábios e os filósofos de todas as épocas e de todos os países, mas tu inclinas-te ainda para a bondade do coração humano, uma vez saciados os homens não podem espezinhar as tuas recordações de infância, porque também eles podem ter tido uma infância que merece ser recordada…”.

Estou agora parado numa esquina, a observar as barracas de comércio de rua, as bancas confusas que misturam brinquedos de plástico, discos compactos acondicionados em capas transparentes, maços de pauzinhos de incenso, enfeites vermelhos intercessores de sorte destinados a serem suspensos nas casas, pacotes redondos de chá do Yunnan e, no meio de tudo, um homem embrulhado em fumarada a assar maçarocas e batata-doce. Estou parado na esquina e um velho aproxima-se de mim; circunspecto, os olhos meio encobertos pela finíssima fresta das pálpebras, estende-me as mãos: vejo uma tigelinha com uns frutos secos lá no fundo e um olhar penetrante num rosto impassível. Talvez se chame Gao, também, e se tenha escapado das páginas do livro que trago na mochila. Talvez seja alguém que tenha tido, também, na sua velha Kunming, uma infância que merece ser recordada.

 

 

Kunming acredita em flores

Uma razoável surpresa aguarda os viajantes – especialmente os atarantados pelas vertigens urbanas de outras metrópoles chinesas. Em Kunming, distanciados dos concebíveis problemas de tráfego de um meio urbano desta dimensão, vemo-nos imersos num centro estruturado com áreas recatadas do bulício automóvel, pequenos jardins um pouco por toda a parte, árvores e pequenas florestas de sombra ao longo dos passeios, arquitectura e zonas comerciais arejadas e modernas. Além, claro, dos mercados de rua, habitantes de artérias mais estreitas e refractárias a geometrias de catequese, frequentados por pequenas multidões com ar de que nenhuma pressa lhes toma os passos. Não andamos nós, os viajantes, e parece não andar, em boa verdade, esta gentil gente descontraída, em busca da casa da infância, como o personagem sem nome do conto de Gao Xingjian.

Subindo pela Dongfeng Lu acabamos por desaguar no Parque Cuihu, o Parque do Lago Verde, um conjunto de jardins, lagos e pavilhões e provido, até, de uma floresta de bambu onde prosperam dezenas de espécies diferentes. O sítio não vale apenas pela aliança de natureza e cultura num complexo de jardins tradicionais chineses. Aí podemos presenciar outros dos ritmos quotidianos desta grei que vive com sol quase todo o ano e que tem o hábito de andar a passear, amiúde, de sombrinha. Ao fim da tarde, sobretudo, plantam-se nos jardins exercitações de tai-chi; e, como em certas esquinas da cidade, põe-se a gente a bailar, ora músicas de salão, ora, e em absoluta maioria, ritmos folclóricos, que usam ser nestas bandas de estilos muito sarapintados, como ficamos a saber depois de umas poucas andanças. Não raro, o que desta sorte se nos põe diante do olhar, bem vistas as danças, é a diversidade cultural e étnica do Yunnan.

Junto de um pavilhão do parque, onde duas adolescentes se fazem fotografar debaixo de sombrinhas coloridas, respiramos com incredulidade a leveza do ar e, entre dois suspiros, atravessamos uma ponte em arco. Caminhamos depois entre canteiros de flores vermelhas e amarelas por uma alameda coberta de sombrinhas de papel e balões, enfeites de eleição das festas de Primavera. O cenário para além das ramagens dos chorões que caem sobre a água não é o das montanhas nevadas que se avistam do iconográfico lago do Dragão Negro, em Lijiang, quando se vai a caminho de Shangri-La (a antiga Zhongdián, antes do livro de James Hilton, Lost Horizon, e do turismo) e do Tibete. Aqui entrevemos alguns arranha-céus. Mas fica-nos esta convicção, à vista da decoração floral que se nos mete pelos olhos dentro, de que Kunming ainda acredita em flores, e talvez não apenas pelo venal cálculo dos yuans, se vivas forem paixões como a do poeta Wang Wei, amante de recolhimentos serranos e de vistas pintalgadas por tintas primaveris: “O rio, um horizonte de pessegueiros, / a brisa da noite fez desabrochar as flores. / As cores diluíram-se pelos pomares, / as árvores como ondas verdes em fogo”.

Literatura à parte, o clima pesa. Os ares temperados de uma boa parte do Yunnan, à excepção do Noroeste, onde se começam a desenhar as raízes orientais dos Himalaias, são propícios a estas exuberâncias florais. Yunnan significa “A sul das nuvens” o que sugere a natureza soalheira da região, em comparação com a vizinha província nortenha de Sichuan. A glosa de uma eterna Primavera, muito trauteada na propaganda turística de Kunming, não é fruto de nenhuma fantasia de malabaristas de marketing. Este pedaço do Yunnan tem uma altitude média de dois mil metros, os ares conservam-se tépidos praticamente todo o ano e muitas paisagens apresentam-se copiosas no que toca a tonalidades primaveris.

Deixamos agora o Parque do Lago Verde, que fica numa zona francamente pacata, com ruas estreitas e buganvílias a espreitar por cima dos muros, num quarteirão residencial que hospeda também um punhado de guesthouses e bons hotéis muito procurados pelos viajantes. O passo seguinte é atravessar uma avenida bem movimentada, para seguirmos em direcção ao Templo de Yuantong, o mais importante santuário budista do Yunnan. Fundado há cerca de mil e duzentos anos, durante a brilhante e cosmopolita dinastia Tang, é um dos mais interessantes edifícios religiosos de Kunming, com as suas preciosas pinturas em madeira e a atmosfera ímpar de um lugar de peregrinação e de estudo.

 

Arcos, pagodes e arranha-céus

 

De regresso às zonas pedonais da Dongfeng Lu e da Zhengyi Lu, que se intersectam numa grande praça cingida por centros comerciais e adereçada com um chinesíssimo pórtico, sentimos no ar os odores da comida de rua que vêm esvoaçando das ruelas mais chegadas. Os aromas e as receitas ajudam também ao retrato da multiculturalidade e da pluralidade étnica do Yunnan – 25 grupos minoritários, totalizando um terço da população. Para paladares convencionais ou conservadores, há ali por perto restaurantes com comida previsível, incluindo as cada vez mais ubíquas cadeias de fast food internacionais – e, hèlás, as nacionais, como a Dico’s, um sucesso confuciano-capitalista que já conta com mais de dois mil estabelecimentos em território chinês e que projecta chegar aos dez mil lá para o ano 2030.

Um pouco à maneira de Cartier-Bresson, uma miscelânea de instantâneos, de imagens que, por mais pitorescas, não valem as mil palavras do enganoso aforismo: música a jorrar de um leitor de mp3 pendurado a tiracolo de um velhote de boné à Mao, um pequeno grupo de mulheres a dançar, atentíssimas aos passos, os massagistas cegos, de bata branca, alinhados à sombra das árvores da Zhengyi Lu, a deitar mãos às maleitas dos pacientes, a pequenada em passeio de domingo (todos os dias da semana) entretida com canas de pesca de brinquedo e a vigiar o movimento dos peixes de um laguinho - nada a sério como na infância do personagem de Gao, mais tanque do que lago, paciência, tudo muda -, o mercado nocturno de Kundu, sempre animado, com as suas lojas de panóplia “étnica”, restaurantes populares onde se come bem, mesmo sem indícios de chefs, e bares à espera da maré alta de jovens, notas e notas de jovial consumismo por todos os lados (quão longe se está dos espartilhos e interdições da Revolução Cultural e dos resquícios medievais da primeira metade do século XX), marcas globais, apátridas, afixadas em grandes cartazes de moderníssimo e eficaz design, os pagodes de Dongsi e Xisi, ambos com treze andares bem contados para seduzir a fortuna, tabuleiros nas montras das pastelarias, recheados de portuguese egg tarts, os dàn tà, pastéis de nata com sotaque chinês… 

Ao início da noite, quando as iluminações um tanto feéricas dos arranha-céus modelam o cenário à moda de um parque de diversões, com uma infinidade de luzinhas de néon a catrapiscar em arco-íris, misturamo-nos com a multidão que gravita à roda das bancas de comida de rua ao lado da Jinbi Lu e dos esplêndidos arcos que se expõem como símbolo histórico da cidade de Kunming. O nosso Frei Gaspar da Cruz anotou flagrantes fidelidades estéticas sustentadas no estruturante conservadorismo confuciano e cuidou de alentar com minúcia a sua narrativa de viagem pela China: "Em todas as ruas das cidades nobres, que são ruas reais ou principais, há, mui sumptuosos e muitos, arcos triunfais (...). São estes arcos, nestas cidades nobres, além de sumptuosos, mui galantes e mui bem obrados...". Neste agora, que é o da jornada contemporânea no século em que a economia chinesa se tornou a segunda do planeta, e em que os turistas do país de Confúcio redescobrem, aos milhões, o que os anos loucos da Revolução Cultural sublimaram (e visaram reduzir a pó), não há que esperar por particulares celebrações ou datas insignes. Tal como Li-Mei - companheira de viagem desde a antiga capital do Laos e guia nestas andanças pela sua cidade - me havia antecipado minutos antes, uma engenhosa luminária lança claridade sobre a elegância que deixou Gaspar da Cruz encantado. Os arcos - escreveu o viajante quinhentista - levam por cima "mui galante edifício de madeira: é coberto por cima com telha mui galante de porcelana, a qual lhe dá muita graça e formosura".

Em roda dos arcos volteiam centenas de turistas chineses a toda a hora, como, aliás, por tudo o que seja atracção inscrita nos roteiros e guias de viagem. A China vive um tempo paradoxal de modernização (e de confronto com os conflitos que esse processo gera) e de abertura e procura activa da novidade, um movimento absolutamente contrastante com o que caracterizava os períodos históricos imediatamente anteriores. A (cada vez mais) desmesurada expressão do turismo interno faz parte desse quadro.

Para Li-Mei, de uma família originária de uma aldeia perto do lago Erhai, em Dali, onde se conserva a antiquíssima arte de decorar as paredes brancas das casas com pinturas de paisagens - montanhas, árvores, lagos, riachos e pássaros -, a relação com o urbanismo central de Kunming é cordial. Para um estrangeiro, a distância cultural interpõe uma névoa, uma opacidade quiçá intransponível: o que alicerça essa “aprovação” vem do conformismo confucionista ou de uma integração de carácter taoista dessas tantas mudanças que a China vive actualmente e que despovoam as cidades dos lugares da infância? Talvez as duas razões, que se fundem no olhar sereno de Li-Mei. Por mim, basta-me ter à mão de mirar a perenidade que é a excepção a firmar a regra, os belos arcos e pagodes que povoam o grande continente chinês, símbolo de uma arquitectura fiel às suas obsessões seculares, agora rodeados de modernidade e de gente que, não obstante os insanáveis etnocentrismos ocidentais, é também gente do século XXI.

Kunming, uma moderna cidade antiga

São amplas as avenidas por onde flui o tráfego e largas, também, as faixas pedonais, batidas por um rio de gente. Estas larguezas não são novidade, embora o rápido desenvolvimento das últimas três décadas as tenha firmado ainda mais: já Gaspar da Cruz se maravilhara no século XVI com tais urbanismos e deles deu conta no seu Tratado em que se contam muito por extenso as cousas da China: "Em muitas cidades das principais (...), as ruas são tão nobres e largas que podem ir por elas, emparelhados, dez, quinze homens a cavalo, com lhes ficarem às bandas mui bons cobertos, onde vivem muitos mercadores de muitas e diversas mercadorias...".

Estes espaços pedonais da área central de Kunming, intervalados de jardins, não são inéditos nas grandes cidades chinesas. Na vizinha província de Sichuan, até mesmo a gigantesca aglomeração urbana de Chongqing, a mais extensa do mundo, com os seus (im)prováveis trinta e tantos milhões de habitantes, pelo menos até há uns minutos, tem certas áreas fechadas ao trânsito, ainda que tal não garanta nenhuma imunidade perante o flagelo da poluição. Na capital do Yunnan, a pressão para a construção, o modelo de desenvolvimento e a atracção exercida sobre migrantes do meio rural, embora num mais atenuado grau relativamente ao resto da China, induziram um significativo crescimento da cidade, actualmente com mais de seis milhões de habitantes – um número modesto, em todo o caso, tendo em conta a realidade populacional chinesa e a dimensão dos maiores centros urbanos do país.

Se Kunming e o Yunnan representam actualmente um dos principais destinos do turismo interno chinês, em processo de crescimento galopante, a região e a cidade têm pergaminhos seculares. Uma parte deles está fundada no frenesim comercial que a sua situação geográfica proporcionou desde remotíssimas idades – uma encruzilhada de vias que ligavam o Norte do império ao Tibete e, mais a Ocidente, à Índia, e à região do Sudeste Asiático, aos reinos Khmer, Champa, Tonkin, Annam e Cochinchina (actualmente o Laos, o Camboja e o Vietname).

A relevância de Kunming na região vem de há incontáveis séculos, desde, pelo menos, o tempo em que a cidade era um ponto de passagem do itinerário Sul da Rota da Seda. Na segunda metade do século XIII renascia sob o domínio da dinastia Yuan, na sequência da conquista mongol, para se tornar capital de província e reafirmar-se como uma das mais importantes cidades mercantis do Sul da China. A crer na autenticidade dos relatos de Marco Polo, foi assim que a urbe, que ele designava por Yachi, foi vista pelo veneziano, que terá visitado a província ao serviço do Kublai Khan. Da jornada, efectuada provavelmente entre 1277 e 1288, deixou Polo um relato em que fala enfaticamente das qualidades de mercadores e artesãos dos habitantes e da sua paradigmática diversidade étnica e religiosa.

O Yunnan em flor

Primavera é uma palavra que tem outra tradução privilegiada na província do Yunnan: é a época de festivais consagrados a celebrar a floração de um sem número de espécies. Em Kunming, as comemorações da chegada da Primavera, que se iniciam logo após o advento do Ano Novo Chinês, têm um brilho especial justamente por causa da excelência do clima e das condições favoráveis ao cultivo de flores. Na capital do Yunnan, em parques, jardins e alamedas, os tons dominantes por estes dias são os das cerejeiras, das azáleas e das camélias, a flor mais apreciada na cidade. Depois da Expo Garden, que abre a sequência de festivais, Abril e Maio são meses de contínuas celebrações na província chinesa que mais flores produz e exporta: para cima de um bilião e representativas de mais de duas mil espécies diferentes. Os festivais dedicados ao tema não se limitam, no entanto, ao ciclo da Primavera: também durante o período de Junho a Setembro, até ao início do Outono, a agenda de acontecimentos de Kunming assinala um continuum de iniciativas que têm a produção e a exibição de flores como tema central. Para uma vivência desta natureza florida, que marca expressivamente as paisagens da região, há uma série de itinerários muito aprazíveis pelos arredores da cidade, que podem ser combinados com visitas a antiquíssimos templos, como o milenar Templo de Bambu. Alguns dos percursos mais estimulantes coincidem com andanças por populares trilhos de montanha, onde “a luz da Primavera tecendo estranhos rendilhados nos caminhos”, como escreveu Wang Wei, nos pode fazer “ouvir música capaz de enternecer as nuvens”.

A flor dos festivais da região será o Festival Cultural Internacional de Kunming, que acontece sempre no início de Maio, com um programa que multiplica eventos na capital e em muitos outros municípios próximos. O festival mobiliza todas as comunidades étnicas da região e, mais do que um acontecimento inovador em termos artísticos, é uma colossal e exuberante exibição do mosaico de culturas locais, com intermináveis desfiles de rua e danças (as autoridades turísticas de Kunming também se referem a um “Carnaval”), além de um bom número de espectáculos com artistas nacionais e internacionais e um banquete de rua servido ao longo de um “li”, pouco mais de quinhentos metros. Tal como em todas as edições anteriores do festival, Kunming vai estar decorada com milhares de flores, um pouco mais do que o habitual.

GUIA PRÁTICO

Como ir
Não há voos directos de Portugal para Kunming. Qualquer opção implica fazer escala numa cidade europeia (Madrid, Bruxelas, Paris, Londres ou Frankfurt, por exemplo) e daí voar para Pequim ou Xangai. A partir destas duas cidades há ligações diárias para a capital do Yunnan.

Quando ir
O clima é subtropical, com verões chuvosos e temperados, e invernos secos e frios. Qualquer época do ano é conveniente, embora a Primavera e o Outono possam ser mais agradáveis. Mesmo durante o Inverno as temperaturas máximas mantêm-se próximas dos 20 graus, ainda que se deva contar com arrefecimento durante a noite.

Onde ficar
À volta do centro e nas imediações do Parque do Lago Verde há abundante e variada oferta de alojamento.
O Green Lake Hotel é um clássico da hotelaria da cidade, um cinco estrelas situado a pouca distância do lago (Cui Hu Road, 6; informação e reservas em www.greenlakehotelkunming.com).
Num outro segmento, mais acessível, sugere-se o JI Hotel Zhengyifang, de três estrelas, a cinco minutos a pé da área pedonal da Dongfeng Lu (Zhengyi Road, 111, tel. 86 871 6813 0088).

Informações
Os cidadãos portugueses precisam de visto para a China, que pode ser requerido nos serviços consulares da respectiva embaixada em Lisboa.

pt.china-embassy.org

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