A mudança é a sina de tudo quanto existe e às vezes a vemos numa pressa semelhante à de um vento ansioso por voar até ao outro lado do mundo. Sabem-no, na China da ordem confuciana, os budistas há pelo menos dois milénios - e um poeta de caminhar taoista, Li Bai, enunciou-o mais de uma vez nos seus versos. Na Canção do tempo fugaz, escrita no século VIII, o poeta quis lembrar que “A água corre, jamais regressa / à nascente da montanha. / A flor cai, jamais regressa ao ramo que a sustentou. / Fugidio relâmpago, a vida, / apenas o sentir do seu passar. / Imutáveis Céu e Terra, / tão rápida a mudança em nosso rosto”.
A passagem do tempo cinzela também a face das aldeias, das vilas e das metrópoles, as colmeias em que as gentes conspiram silenciosamente sonhos e desejos. Na China, conta-se por aí, as cidades crescem mais depressa do que o deserto, devorando memórias humanas e lançando sombras sobre as afeições. E há um conto de Gao Xingjian - o escritor originário da província de Jiangxi que foi o vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2000 - em que página a página um personagem procura, em vão, os lugares da infância numa cidade transfigurada pelo tempo e por uma modernidade avassaladora: “… regressar ao passado e descobrir a rua pela qual a minha mãe me levava pela mão quando era criança, agora que eu próprio já tenho uma criança, é mesmo difícil (…), estou a andar às voltas no lugar do lago, mas se o próprio oceano pode ser transformado em pomares de amoreiras, o que poderá acontecer a um lago… penso que nas profundezas desta floresta de antenas de televisão plantada nos edifícios (…) se esconde a casa da minha infância…”.
Kunming cabe nessa imagem? Não há mão ou cidade que possa atirar a primeira a pedra, mas a capital do Yunnan regista, apesar de tudo, uma das mais baixas taxas de urbanização da China. E conforta-se o viajante, recém-chegado: o centro histórico ainda se encaixa na expressão, mesmo se em convívio com arquitecturas e atmosferas noviças. Há arcaicos edifícios em madeira - pintados com o mesmo vermelho das lanternas, a cor da fortuna que uma velha lenda chinesa legitimou -, embora alguns deles com licença de existência precária. Precária e heróica, aliança que pouco tem de heterodoxa, bem pesadas as histórias que por estas e outras partes da China e do mundo se contam e ilustram as linhas com que se cose urbanisticamente o futuro.
O velho casario trôpego está de pé e taciturno ao lado de modernas avenidas dotadas de artificiosas lojas à la mode, dessas ditas “de marca”, avenidas semipedonais que são também vias de motoretas eléctricas, silenciosas, futuristas, já sem o hálito dos motores de combustão a sufocar o rumor exalado das ruelas vizinhas apinhadas de gente, pequena babilónia onde mora um mercado que afixa muito e variada mercadoria, como flores e bichos de estimação: peixinhos coloridos, cachorros, passarada pitoresca talvez surripiada às florestas tropicais de Xichuanbanna, lá no Sul, onde uma linha postiça de fronteira avisa que a partir dali começa o Laos.