Fugas - Viagens

  • O Parlamento é uma das atracções que vale a pena visitar em Berna (na foto, o mercado das cebolas, que acontece em Novembro)
    O Parlamento é uma das atracções que vale a pena visitar em Berna (na foto, o mercado das cebolas, que acontece em Novembro) Pascal Lauener/Reuters
  • Praça do Palácio Federal Suíço
    Praça do Palácio Federal Suíço Michael Buholzer/Reuters
  • Vista sobre a cidade velha
    Vista sobre a cidade velha Stefan Wermuth/Reuters
  • Centro Paul Klee
    Centro Paul Klee Jean Pierre Clatot/AFP
  • Casa Albert Einstein
    Casa Albert Einstein Pascal Lauener/Reuters
  • Os famosos Toblerone são fabricados na zona de Berna
    Os famosos Toblerone são fabricados na zona de Berna Ruben Sprich/Reuters

O génio discreto de Berna

Por Paula Oliveira Silva

É uma das mais desconhecidas capitais europeias e pode ser uma das mais surpreendentes. Uma família de ursos vive junto ao rio, o Museu e a Casa Einstein lembram que foi aqui que o físico alemão desenvolveu a Teoria da Relatividade e o Centro Paul Klee é destino obrigatório para os amantes da arte.

Não, a capital da Suíça não é Zurique nem Genebra, as duas cidades mais populosas do país. É Berna, uma cidade que tem tantos habitantes — cerca de 140.000 — como Santa Maria da Feira, em Portugal. Na hora de definirem o assento do governo (1848), os políticos helvéticos consideraram Zurique demasiado germânica e Genebra demasiado francesa. A escolha acabou por recair sobre Berna, no Centro do país, um cantão onde se conseguem ouvir as duas línguas.

A história desta cidade é, contudo, muito mais antiga. Fundada em 1191, nos séculos XV e XVI Berna era já a urbe mais poderosa a Norte dos Alpes. Todavia, um percalço quase a deitou por terra. Em 1405, um incêndio destruiu grande parte do burgo. A reconstrução começou imediatamente e a utilização do arenito ao invés da madeira tornou-se uma das características mais marcantes do centro histórico. Foi este testemunho do urbanismo medieval em vias de extinção na Europa que a UNESCO declarou Património Mundial em 1983.

O burgo é composto por uma encruzilhada de ruas pavimentadas, edifícios com arcadas e fontes que matam a sede ao visitante. Existem mais de 100 fontanários na cidade e só no centro histórico tropeça em mais de uma dezena. Fique de olho nestes marcos do século XVI que lhe aparecerem pelo caminho. Cada um conta uma história ou lenda da região. A maior parte fica no eixo compreendido entre as ruas Marktgasse, Kramgasse e Gerechtigkeitsgasse, mas a mais procurada situa-se na Kornhausplatz e é conhecida pela Fonte do Ogre. Esta criatura assustadora que come uma criança e se prepara para comer muitas mais tem origem numa lenda local. Há diversas leituras mas o objectivo é quase sempre o mesmo: assustar os mais pequenos desobedientes.

As contas do colar

Berna está assente numa península natural protegida em três lados por um fio de água azul-turquesa chamado Aare. A cor deste rio que nasce nos Alpes, num glaciar a 1879 metros de altitude, é, de facto, convidativa. De Verão, nadadores experimentados atiram-se à corrente em busca de um banho refrescante e um pouco de adrenalina. A zona balnear por excelência para onde convergem os bernenses encalorados chama-se Marzili e mais não é que um imenso relvado com piscinas de utilização gratuita para crianças e adultos e acesso directo ao rio.

Outro “desporto” favorito dos bernenses é ir às compras. Com os seus seis quilómetros de arcadas com lojas, cafés com esplanada e bares na cave (alguns deles com aspecto de esconderijo), Berna orgulha-se de ter as galerias comerciais cobertas mais longas da Europa, as “Lauben”. Estas são também um paraíso para os turistas que procuram conceitos diferentes como objectos de design suíço, bonecas centenárias recuperadas, licores de diversos sabores que o cliente pode engarrafar com dedicatórias e muito mais.

Mas atenção à carteira. Um simples café aqui pode chegar aos cinco euros. É nestas alturas que nos apercebemos dos rankings que colocam as cidades suíças no topo das mais caras para se viver, embora com maior qualidade de vida.

Dada a sua reduzida dimensão, Berna é uma cidade que pode e deve ser percorrida a pé. Os pontos mais importantes de visita estão à distância de alguns passos. Por isso, quando menos esperar, vai dar de caras com a catedral, um edifício imponente cuja construção começou em 1412 e se prolongou ao longo de gerações consecutivas. O seu campanário, por exemplo, só ficou concluído em 1893. O templo neogótico que inicialmente fora dedicado a São Vicente, como tal cristão, com a Reforma (1528) tornou-se protestante.

A catedral tem a torre de igreja mais alta de toda a Suíça, com 100 metros de altura. Beneficie desse facto para ficar com uma visão panorâmica da cidade. Uma vez nas alturas verá que nunca mais vai esquecer o número de degraus que teve de subir: 344. O fôlego recupera-se com o alcance da vista que chega aos Alpes e os seus cumes nevados durante grande parte do ano.

A subida aos céus tem um custo de cinco francos suíços mas para visitar o templo não tem de pagar nada. Vá, no entanto, preparado. O rico recheio católico foi todo retirado — a única excepção que escapou à iconoclastia da Reforma fica por conta do portal principal e da sua representação do Juízo Final (1475). O movimento, a cor e a mensagem desta alegoria composta por 61 personagens que simbolizam o céu e o inferno deve ter agradado aos protestantes que a mantiveram. O posto de turismo oferece visitas guiadas em diversas línguas ao monumento. Reserve com antecedência.

À volta do templo são frequentes os mercados tradicionais como o da carne (à terça) e do queijo (à quinta). Previna-se com espaço na mala.

Génio em Berna

No modesto segundo andar do número 49 da Rua Kramgasse, por cima das típicas arcadas, viveu durante cerca de três anos com a sua família o génio da física Einstein, na altura empregado num escritório de patentes. O local foi transformado em casa-museu onde encontra mobiliário desse período, algumas fotografias e textos explicativos. Assim sinaliza Berna que foi aqui, nesta cidade, que o célebre cientista deu à luz a sua Teoria da Relatividade, em 1905.

A apenas 200 metros fica a famosa Torre do Relógio (zytglogge) que na sua origem foi a primeira porta da cidade (1191-1256) mas que posteriormente chegou a funcionar como torre de guarda e prisão. O relógio astronómico, um dos mais antigos da Suíça, é, no entanto, mais recente, embora tenha tecnologia do século XVI.

Uma multidão acerca-se quatro minutos antes da hora certa para admirar o curioso canto do galo e a “dança” dos ursos que marcham em volta de uma figura sentada. À hora exacta, o Cavaleiro de Ouro, no topo da torre, martela o sino de bronze. Embora o espectáculo não se equipare ao da Marienplatz de Munique, se estiver nas imediações, tente não faltar.

Foi a observação diária dessa torre que terá dado a Einstein as bases para a Teoria da Relatividade. O seu pressuposto era o de que a descrição do movimento depende do nosso ponto de observação. Ao viajar de eléctrico para o trabalho, ele observava a torre “afastar-se”. Então o génio da Física formulou a tese de que se o veículo se movesse à velocidade da luz, o relógio da torre parecer-lhe-ia mostrar sempre a mesma hora, enquanto os ponteiros do seu próprio relógio continuariam a mover-se: o tempo era então relativo.

Se na casa-museu fica a conhecer o ambiente em que vivia o físico, no Museu Albert Einstein pertencente ao Museu Histórico de Berna (Helvetiaplatz, 5), do outro lado do rio, depara-se com a biografia do homem e as suas descobertas mais revolucionárias, explicadas ao pormenor. É o caso das ondas gravitacionais previstas teoricamente há cem anos por Einstein e que foram notícia em 2015. Os seus trabalhos incluem também estudos sobre teoria quântica e importantes contribuições para a cosmologia.
Em cerca de 1000m² cabem centenas de objectos originais e réplicas, documentos escritos, fotografias, dezenas de filmes e animações tendo sempre por pano de fundo a História do século XX.

Casa de todos os suíços

Quando chegou a altura de erguer a sede do Governo e do Parlamento, o arquitecto suíço Hans Wilhelm Auer viajou por todo o mundo à procura da solução adequada ao seu país. O local que mais o inspirou foi Washington, o que se nota, desde logo, pela cúpula do edifício conhecido por Bundeshaus.

No entanto, no que toca a interiores e representações simbólicas da Suíça, é tudo nacional. Artistas oriundos de todos os cantões idealizaram um interior rico em pintura, escultura e marcenaria. As obras começaram em 1852 e terminaram em 1902.

Programe a sua vinda ao parlamento com alguns dias de antecedência. A visita guiada é gratuita e vale bem a pena. (Marcações pelo parlamentsbesuche@parl.admin.ch) É uma forma animada de conhecer os 168 anos de história desta capital e perceber como está organizada. Sabia que cada parlamentar tem a sua profissão, que não deixa de exercer, e que o custo do funcionamento do parlamento é de apenas 13 francos suíços por habitante ao ano?

Logo à entrada, no hall abobadado, tente descobrir a que idiomas oficiais correspondem as quatro estátuas. Ao alemão que é falado por 65% da população, ao francês por 23%, ao italiano por 8,5% e o romanche (0,5%), uma língua que se acredita descender do latim e que é aparentada do italiano, do sardo e do romeno.

A visita continua pelas duas câmaras, o Conselho Nacional e o Conselho dos Estados, onde se percebe o trabalho realizado por cada uma, e termina na Sala dos Passos Perdidos, que destoa das restantes pela ausência de qualquer pintura mural. A excepção fica por conta do tecto onde figuram as virtudes. Um facto premeditado para que, através das grandes janelas, os deputados e restante staff não percam de vista a verdadeira paisagem, os Alpes, o símbolo da eternidade.

Já que se fala em montanha, os picos mais altos da Suíça, como o Jungfraujoch (3454 m de altitude) estão nas imediações. Mais perto, porém, fica Gurten, para onde se recolhem de Verão os habitantes de Berna para usufruir de passeios pela natureza e de Inverno para se dedicarem aos desportos de neve. 

Rosas e ursos

Segundo uma lenda, Berna deve o seu nome à palavra urso (bär em alemão). O fundador da cidade, Berthold V duque de Zähringen, terá prometido que daria o nome da cidade ao primeiro animal que abatesse numa caçada. Não fica difícil adivinhar qual foi. Como na Suíça não fazem as coisas por menos, é possível ver uma família de ursos-pardos a brincar, nadar na piscina privativa, trepar um tronco ou comer tranquilamente em plena cidade e sem pagar bilhete.

O Bären Park ocupa uma área de 5000 m² junto ao Aare. Uma passadeira atravessa o parque a meio até junto do rio, proporcionando aos visitantes uma fantástica visão sobre a vida animal. Programe bem a sua viagem. Se for no Inverno, os animais estão a hibernar, se for na Primavera encontra-os cerca de 25 quilos mais magros. É o chamado sono de beleza.

Já que aqui está, suba a colina até chegar ao Jardim das Rosas (Rosengarten), de onde terá uma vasta e bonita vista da cidade. Se não subiu à torre da catedral tem aqui o seu momento de redenção. Uma curiosidade deste espaço de entrada grátis é que já foi um cemitério no século XVIII e seguinte.

Como tudo o que faz parte da natureza, este sítio proporciona ambientes sempre diferentes consoante a altura do ano. Na estação das flores é um espectáculo por si só passear por entre rosas de mais de duzentas espécies. Uma óptima escolha para descansar da caminhada, no colo dos bancos de jardim ou dos assentos do restaurante que aí se encontra.

O artista da cidade

Nova Iorque, Bilbau, Veneza e Abu Dhabi têm o Guggenheim. Berna tem o Centro Paul-Klee, dedicado à vida e obra deste artista nascido na Suíça (1879-1940). Desde 2005 que o centro, que na verdade está na periferia de Berna, conserva o maior acervo deste prolífico artista que se estima ter criado cerca de quatro mil obras entre pinturas, desenhos e aguarelas. Não as espere ver todas numa só visita porque aqui o critério é o da rotatividade. De movimento fala também o tema central da exposição permanente que revela o fascínio do artista por transpor para os diversos suportes em que trabalhou a “acção”.

A construção ondulante em aço e vidro salta à vista. O edifício de arquitectura arrojada tem o traço do italiano Renzo Piano. Além de exposições de arte, o espaço funciona ainda como plataforma para outras actividades relacionadas com a música, teatro, dança e literatura. Possui ainda um museu infantil Creaviva, um lugar de estímulo da criatividade entre os mais novos. O lema é “aprenda fazendo e experimentando”.

Entre arte, arquitectura, ciência e paisagem, Berna, a discreta, serve-nos um roteiro completo, de onde voltamos com a sensação de nos ter saído melhor do que a encomenda.
 

GUIA PRÁTICO

Como ir

Não existem voos directos de Lisboa para Berna, por isso, se preferir viajar de avião tanto poderá escolher o aeroporto de Basileia (1h20 de carro, 55 minutos de comboio) como o de Zurique (1h40 de carro, 55 minutos de comboio). A easyJet tem voos directos para Basileia e a TAP e a Suiss para Zurique.

Desde a primeira noite em Berna receberá um ticket válido durante toda a estadia que lhe permite viajar gratuitamente nos transportes públicos do centro da cidade, bem como desde o aeroporto. A confirmação da reserva do hotel pode ser usada como o comprovativo para o transfer do aeroporto até ao hotel.

Onde dormir

Hotel Schweizerhof Bern & THE SPA
Bahnhofplatz, 11
http://en.schweizerhof-bern.ch/homepage/

Hotel Belle Epoque
Gerechtigkeitsgasse, 18
http://www.belle-epoque.ch/hotel-bern/en/

Informações

A Suíça não é membro da União Europeia mas através do acordo de Schengen os portugueses conseguem entrar no país apenas com o Cartão do Cidadão.

Moeda: franco suíço (CHF); um franco corresponde a cerca de 0,90€.
Fuso horário: uma hora a mais que em Portugal
Língua: alemão suíço (e francês)
Turismo: encontra um posto de turismo junto à estação de comboios (Bahnhofplatz 10ª
info@bern.com).

Sabia que…

Conhecidos internacionalmente, os famosos Toblerone e queijo Emmental são fabricados na região de Berna. Todavia, mas mais do que um símbolo da capital, são antes dois emblemas do país.

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