Fugas - Viagens

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    Zurique Michael Buholzer/Reuters
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    Viena Heinz-Peter Bader/Reuters

Os novos desafios das melhores amigas do mundo

Por Sousa Ribeiro

Zurique é líder, Praga é uma surpresa, Seul e Singapura são as únicas que se intrometem no reinado europeu das cidades sustentáveis, de acordo com o relatório recentemente divulgado por uma consultora holandesa. A propósito do Dia Mundial das Cidades, apanhámos boleia para esta viagem pelo top dez.

People, planet e profit. Pessoas, planeta e rendimento são estes os três pilares em que se baseia o estudo da Arcadis, uma empresa de consultadoria holandesa, para estabelecer o ranking das cidades sustentáveis e cujos resultados foram publicados no mês passado, conferindo o primeiro lugar à cidade suíça de Zurique, enquanto Lisboa se posiciona ligeiramente a meio (46.º lugar) numa lista de cem urbes. Para a Arcadis, o resultado final alicerça-se nas componentes social, ambiental e económica, sustentadas em fontes como o Banco Mundial, a Organização Mundial de Saúde, o índice das cidades verdes elaborado pela Siemens ou a Skytrax, também uma empresa de consultadoria, com sede no Reino Unido, que analisa o mercado de aviação com o objectivo de eleger a melhor companhia aérea, o melhor serviço a bordo, o melhor aeroporto, entre outros aspectos.

A poucos dias de se celebrar o Dia Mundial das Cidades (31 de Outubro), a Fugas viaja pelas dez que lideram o estudo da Arcadis, não à procura dos seus monumentos, das suas principais atracções, mas em busca do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelos seus políticos para proporcionar melhor qualidade vida aos seus habitantes e a todos aqueles que nelas trabalham no dia-a-dia.

Percebe-se que há um longo caminho a percorrer, especialmente no continente africano — mas não só; Manila, Nova Deli, Nairobi, Cairo e Calcutá ocupam, por esta ordem, os últimos lugares da tabela da Arcadis.

Zurique

O grande coração financeiro da Suíça e um dos que mais pulsa no mundo — assim se poderia definir, em menos de duas linhas, uma cidade que, sendo a mais importante do país, vive discretamente rodeada por um quadro de sonho. Aquela que é considerada a porta de entrada nos Alpes suíços cativa ao primeiro instante, enquadrada pelas montanhas e pelo aprazível lago com os seus 40 quilómetros de largura, cenário de recreio e de tranquilidade; em Zurique nasce também o rio Limmat, que rasga a cidade e beija as margens onde se ergue o centro histórico. Perante este quadro, conjugando factores importantes para tornar mais feliz o dia-a-dia dos cidadãos, não admira que a urbe cosmopolita figure no topo mundial das cidades sustentáveis e que continue a atrair turistas e homens de negócios como noutros tempos seduziu figuras como Thomas Mann, James Joyce, Richard Wagner, Bertolt Brecht, Le Corbusier, Lenine e tantos outros, como os artistas que, exilados da I Guerra Mundial, criaram o dadaísmo, no número um da Spielgasse, no mítico Cabaret Voltaire.

Duas cidades suíças garantem um lugar entre as três que mais se mostram amigas da natureza e do ambiente — Genebra ocupa o terceiro posto —, mas Zurique surge logo em 5.º no índice do rendimento, pelo que, sem surpresa, face aos resultados, se afigura como uma das mais apetecíveis no mundo não só para investir, como também para trabalhar e viver. Na verdade, a reputação de cidade saudável, renomada mundialmente pelas suas instituições financeiras e preocupada com o meio ambiente não é de hoje, mas, recusando-se a viver nesse passado, Zurique enfrenta com dinamismo novos desafios, entre eles o de se tornar, em 2050 (cumprindo um objectivo do qual foram pioneiros e que é uma das metas definidas para um desenvolvimento sustentável do milénio) numa sociedade que não consome mais do que 2000 watts de energia per capita. Já há dois anos, por exemplo, foi inaugurado, na cidade, o complexo habitacional Kalkbreite, uma cooperativa de moradores em que todos se comprometem a viver segundo um modelo ecológico, abdicando de carro próprio (uma garagem no subsolo tem capacidade para 300 bicicletas) e limitando o seu espaço a pouco mais de 30 metros quadrados (a média, na Suíça, aproxima-se dos 50), o que implica a partilha de cozinha e de lavandaria, por exemplo.

A rede de transportes públicos de Zurique é, por outro lado, não raras vezes apresentada como um modelo de sustentabilidade para outras cidades, com uma coordenação perfeita entre eléctricos, comboios e autocarros, tornando a mobilidade simples e eficiente e atraindo negócio e pessoas a uma urbe com grande qualidade de vida e que também se evidencia pelo seu grau de excelência em áreas como a saúde, a educação, bem como pelas oportunidades de emprego que proporciona.

Singapura

A cidade que também é uma ilha e um país ocupa o primeiro lugar (logo secundada por Hong Kong) do subíndice económico, impondo-se, cada vez mais, como verdadeiro tigre asiático numa classificação que, ao contrário das outras duas, engloba menos representantes europeias entre as dez em destaque, em virtude da intromissão de Nova Iorque e Dubai (Londres, Zurique, Edimburgo, Praga, Paris e Estocolmo são as restantes de uma lista em que Lisboa surge apenas na 61.ª posição).

Nos seis padrões analisados pelo estudo da Arcadis no índice do rendimento, como infra-estruturas de transporte, desenvolvimento económico, conectividade, emprego, turismo e facilidade de fazer negócio, Singapura assegura a sua presença em qualquer uma delas entre as dez mais pujantes, liderando mesmo, a nível mundial, o último item e rivalizando com Macau na área do turismo. Mas a prosperidade que tem marcado, nos últimos anos, a vida do gigante económico não encontra paralelo nos outros dois indicadores, social e ambiental, uma realidade que não é exclusiva de Singapura mas de quase todas as urbes que se destacam pela facilidade de gerar dinheiro (no índice pessoas, o pequeno estado não vai além do 48.º lugar, enquanto Hong Kong é 81.º entre uma centena).  

Os mais nostálgicos, aqueles que conservam uma memória de um lugar mais sereno, encontram o seu refúgio na vizinha Pulau Ubin, uma ilha que, estando próxima, parece situar-se, pela sua atmosfera plena de quietude, a milhares de quilómetros de distância de uma cidade que enfrenta graves problemas na área da habitação (segunda maior densidade populacional do mundo, logo depois do Mónaco). Em 70 anos, Singapura viu aumentar o número de habitantes de 700 mil para cinco milhões, prevendo-se que ultrapasse os seis milhões até 2030. À falta de espaço, há que juntar ainda o envelhecimento da população, impondo-se a criação de infra-estruturas de carácter social, uma carência com forte impacto na má classificação obtida por Singapura no índice que avalia o grau de satisfação das pessoas — agravada com o excessivo número de horas de trabalho, a desigualdade nos rendimentos e a acessibilidade.

Para contrariar esta tendência, as autoridades têm já definido um ambicioso projecto que pretende tornar verdes pelo menos 80% dos edifícios, bem como uma estratégia para um melhor aproveitamento da água, denominado close the loop (o acordo para o fornecimento de água com a Malásia terminará em 2061). Por outro lado, um outro conjunto de iniciativas sustentáveis estão em curso para que Singapura evolua e se mantenha competitiva: o governo já disponibilizou uma verba significativa para ser investida nos próximos dez anos de forma a melhorar a mobilidade e a conectividade dentro da cidade, estando previstas duas novas linhas de metro, extensão das quatro já existentes, um novo terminal e uma nova pista no aeroporto de Changi (considerado o melhor do mundo nos últimos anos), um comboio de alta velocidade entre a Malásia e Singapura e a recolocação do porto  de contentores. 

E, num país onde os “desportos” preferidos são comida e compras, a arte começa também a ganhar o seu lugar. Singapura não quer ser apenas a cidade dos centros comerciais — deseja expressar-se através da criatividade.

Estocolmo

Primeira capital verde europeia, em 2010, Estocolmo tem uma longa tradição na preservação da qualidade ambiental, com uma série de projectos que remontam à segunda metade do século passado — em 1972 foi palco da conferência mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, de grande importância para consciencializar a população a controlar o uso de recursos naturais. Terceira no ranking da Arcadis, a cidade que parece flutuar sobre ilhas ocupa o segundo lugar entre as que se mostram mais sensíveis aos problemas ecológicos e essa preocupação, embora visível um pouco por todo o lado, ganha maior expressão quando se erra por Hammarby Sjöstad, um bairro que é visto como a montra verde da capital, nada de extraordinário na sua aparência, mas erguido de uma forma séria, bem ao estilo da própria mentalidade sueca.

No início, Hammarby Sjöstad não era mais do que um terreno baldio industrial ocupado por ferro velho mas destinado, nos últimos anos do século passado, a abrigar a aldeia olímpica para os jogos de 2004, cuja candidatura foi derrotada pela grega. Mesmo assim, os políticos locais não cruzaram os braços e aprovaram a construção de um espaço que privilegiasse o bem-estar dos seus habitantes e que, ao mesmo tempo, reflectisse a preocupação face aos problemas relacionados com a evolução do planeta, uma decisão consciente e reveladora da capacidade de antecipação das autoridades, já que poucas cidades se focavam, no final da década de 1990, nas mudanças climáticas e nos aspectos ecológicos.

Delegações de outros países europeus e mesmo asiáticos já visitaram Hammarby Sjöstad, uma referência em matéria de bairros ecológicos, mas apenas um exemplo entre dezenas de programas definidos pelos governantes para aperfeiçoar a qualidade de vida de uma população de pouco mais de 800 mil habitantes (e quase todos dispõem de um espaço verde a menos de 300 metros do local de residência). Há já alguns anos que foi colocado à disposição destes um sistema de aluguer de carros verdes com o intuito de reduzir a utilização de veículos próprios e de emissão de gases com efeito de estufa, com a particularidade de se tratar de uma frota em que mais de três quartos funciona a biogás, a etanol ou a gasolina 95 octanas.

A pedagogia desempenha, em Estocolmo e em todo o país, um papel importante e não é de estranhar que a natureza comece a ser respeitada desde a idade maternal (com chuva, com neve ou com vento, os parques têm sempre grupos de crianças a brincarem) para garantir um futuro no qual já vive uma cidade que, pelo menos num dia de sol, vendo homens e mulheres pedalando nas suas bicicletas, muitos deles a caminho do emprego, crianças de bonitos sorrisos com a bandeira do país na mão e jovens lendo um livro deitados na relva, parece abarcar toda a felicidade do mundo.

E a ambição de a tornar cada vez mais agradável não tem limites — em 2050 espera-se que pare de recorrer, definitivamente, à energia fóssil.

Viena

Qualidade de vida, capacidade de inovação no campo da protecção ambiental e mitigação climática — são estes os três parâmetros que mais contribuem para colocar a capital austríaca num dos lugares de destaque do ranking. Mas Viena é muito mais, é arte, é cultura, uma cidade cosmpolita, com uma população jovem, capaz de misturar como poucas, ao longo das suas margens que namoram o Danúbio, nostalgia e vanguardismo. Tudo isso, mais os seus ricos monumentos, os seus cafés que parecem viver eternamente no passado, a sua forte ligação a famosos compositores, fazem com que atraia milhões de turistas todos os anos. Romântica e contemporânea, Viena, outrora vestida com as suas cores cinzentas, traja nos dias de hoje de verde, carregando aos ombros a responsabilidade de ter sido eleita, não há muito tempo e por três vezes consecutivas, como a cidade mais agradável do mundo para viver, segundo um estudo da Mercer apoiado em critérios como a cultura, a economia, as condições ambientais e, entre outras, a qualidade da alimentação — e este ano, em que a empresa internacional de consultadoria analisou, pela primeira vez, a segurança pessoal (o Luxemburgo é líder), além de todas as outras variantes, Viena continua no primeiro lugar (Zurique surge em segundo), um galardão que já conquistou sete vezes num total de 18 relatórios (é anual) que estudam diferentes aspectos na vida de mais de 200 cidades. Mas a Mercer não é a única a reconhecer as muitas qualidades da antiga capital dos Habsburgos, também Boyd Cohen, um estratega urbano e climático americano, a coloca habitualmente nos primeiros lugares da sua tabela dedicada às cidades inteligentes (e Viena, até para surpresa do próprio, foi a vencedora em 2011). Para continuar a merecer a confiança desta e de outras empresas de consultadoria, Viena tem em marcha diferentes planos, talvez o mais importante de todos aquele que irá alterar drasticamente a imagem de Aspern, em Donaustadt, vulgarmente designado como 22.º distrito.

O projecto imobiliário, denominado Urban Lakeside Aspern, no eixo Bratislava-Viena (a menos de 30 quilómetros da capital eslovaca e a 15 do aeroporto da cidade austríaca), irá ocupar uma área de 240 hectares e terá concluída já no próximo ano a sua primeira etapa, com a construção de 8500 vivendas com capacidade para 20 mil pessoas, prevendo-se que em 2028 sejam inauguradas a nova estação ferroviária, uma nova linha de metro e espaços comerciais (admite-se a criação de 20 mil novos postos de trabalho em diferentes sectores como serviços, comércio, indústria, ciência e investigação e educação). Mas o aspecto mais relevante do projecto será a adaptação aos novos conceitos de eficiência energética, decorrendo neste momento estudos (com a colaboração da Associação Viena-Cidade Inteligente) para que a construção obedeça a critérios de mobilidade sustentável, de desenvolvimento urbano de qualidade e de optimização dos recursos energéticos.

Não muito longe, no centro, Viena continuará a ser a mesma cidade charmosa, atraente para os turistas, por vezes melancólica mas sempre a exacerbar a arte de bem viver.

Londres

As consequências do Brexit são imprevisíveis mas, pelo menos para já, Londres continua a ser um dos centros financeiros a nível planetário, conforme atesta a sua performance no subíndice dedicado ao lucro. Londres contraria, com efeito, a tendência de outras urbes inglesas, como Manchester, Birmingham ou Leeds, todas elas com baixos rendimentos per capita, taxas elevadas de desemprego e dificuldade para criar profissões de alta produtividade. Se é verdade que a capital do Reino Unido permanece como a mais forte entre as cidades europeias no ranking, não é menos evidente que a sua classificação entre as cidades sustentáveis reflecte um conjunto de problemas que podem colocar em causa, pelo menos a médio prazo, a sua competitividade. O seu poder económico, aliado à sua  capacidade para se impor a nível cultural, fazem de Londres uma das urbes mais desejadas, tanto por homens de negócios como por turistas, mas o 9.º lugar no indicador ambiente prova que há ainda muito para fazer nessa área, a despeito de beneficiar do facto de ter mais de três mil parques (o Hyde Park é maior do que o Mónaco) e espaços verdes — e mais verdes são os táxis pretos (mais de 20 mil e responsáveis por 20% da poluição do ar na cidade), cuja frota deverá converter-se definitivamente ao hidrogénio já em 2020.

Os problemas estendem-se à componente social (Londres ocupa um modesto 37.º lugar no ranking) e derivam de carências na área da mobilidade e da habitação, bem como da desiguldade registada em termos de rendimento (o estudo da Arcadis revela que 28% vive abaixo do limiar da pobreza) e na forte densidade populacional (espera-se que chegue aos 10 milhões de habitantes em 2030).

O poderio económico da grande metrópole pode não chegar para a manter entre os primeiros lugares das cidades sustentáveis.

Frankfurt

Quando ouvimos alguém mencionar o nome desta cidade alemã, a ideia que nos chega rapidamente ao cérebro está relacionada, na maior parte das vezes, com uma escala no aeroporto, a caminho de qualquer outro lugar do mundo. Terceiro maior da Europa, conta (em termos totais) com mais de 80 mil empregados e estabeleceu no ano passado novos recordes de passageiros (mais de 61 milhões e 217 500 num único dia, a 2 de Agosto).

Há quem lhe chame Bankfurt.

Se não for associada ao aeroporto, o mais é certo que fervilhe no cérebro outra ligação, mais materialista e resultante do facto de a capital da região de Hesse ser um centro financeiro por excelência, de produzir uma boa parte da riqueza da Alemanha, de ser a sede da mais importante bolsa de valores do país, do Bundesbank e no Banco Central Europeu (BCE), abrigando um conjunto de arranha-céus e uma atmosfera de modernidade que a todos parece satisfazer.

Prejudicada por esta visão, Frankfurt não desperta tanto interesse junto dos turistas como outras cidades germânicas mas a sua paisagem urbana futurista, assente num forte poder económico, esconde uma outra, mais conservadora, repleta de museus interessantes, que é palco da maior feira do livro do mundo e  manifesta o mais profundo respeito pela natureza. Em 1999, as autoridade baniram o uso de madeira tropical, as novas construções têm de obedecer aos novos conceitos ecológicos e o PVC também está na lista das proibições. Não satisfeita, no seu percurso para se tornar uma cidade sustentável, Frankfurt, candidata derrotada a capital verde da Europa em 2014, investiu fortemente no tratamento do lixo, no processamento e na reciclagem (diminuindo igualmente os custos com os transportes) e lançou campanhas ambientais que produziram um efeito positivo na redução do consumo de água e de electricidade. Em simultâneo, tem em curso uma campanha, denominada Frankfurt e-mobility 2025, que estimula a utilização de carros movidos a electricidade, com uma aposta também forte em infra-estruturas que permitam o carregamento e que pretende abranger, em 2025, a rede de transportes públicos, concretizando o lema travel chains.

Seul

A capital da Coreia do Sul, com mais de dez milhões de habitantes, lidera o sub-ranking das cidades que possibilitam melhor qualidade de vida às pessoas (entre as dez primeiras, sete são europeias, Roterdão, Hamburgo, Viena, Berlim, Praga, Amesterdão e Munique, por esta ordem, gozando da companhia de Mascate, capital de Omã, e de Montreal, no Canadá, em 9. e 10.º lugar, respectivamente), graças a um conjunto de medidas adoptadas pelas autoridades e que prometem ter continuidade até 2030.

A saúde e a educação são os indicadores que mais contribuem para a liderança de Seul, uma cidade que conta com um plano ambicioso focado em cinco prioridades: uma cidade centralizada numa vivência sem descriminação, uma cidade global e dinâmica com um forte mercado de trabalho, uma cidade cultural e histórica vibrante, uma cidade animada e segura e, finalmente, uma cidade orientada para a comunidade, com habitação estável e transporte fácil.

Arreigada à sua cultura milenária, Seul sente-se por vezes dividida entre a tradição e a modernidade, um contraste admirável que se materializa quando uma procissão ou um desfile, celebrando a história do país, tem como pano de fundo arranha-céus de vidro e metal, como a imponente torre de Jongno, erguida em 1999 para abrigar a bolsa de valores da capital sul-coreana.

Mas a cidade, embora respeitando esse passado, não dorme à sombra dele — o programa definido pelas autoridades prevê também acções para fortalecer a identidade de Seul, a competitividade a uma escala global, o desenvolvimento e a inovação de forma a garantir um ambiente mais saudável à população, a exemplo do que aconteceu em Cheonggyecheon, um canal que, face ao crescimento económico da cidade, rapidamente se tornou num esgoto no último quarto do século passado, quando sobre ele foram construídas auto-estradas que no início eram vistas como símbolo de industrialização e, mais tarde, conscientemente, como arquétipo da degradação urbana.

Os pilares mantêm-se, para que a memória não se apague, mas a auto-estrada elevada foi destruída em 2003 e grande parte do betão reutilizado para a construção de um parque com uma extensão de quase seis quilómetros, ocupando uma área total de 400 hectares por onde se passeiam milhares de habitantes aos fins de semana, olhando os peixes que voltaram às águas do riacho e escutando o silvo alegre dos pássaros.

Um museu, inaugurado em 2005, traça a história do Cheonggyecheon, um painel com mais de 5000 azulejos retrata uma procissão do rei e, se olhar para o lado oposto, descendo as escadas depois de errar pela Cheonggye Plaza, seguramente que sentirá prazer em escutar o marulho da água da cascata onde é a fonte do rio e que marca o início de um projecto de revitalização de uma área até há pouco tempo com elevados índices de poluição.

Seul, mais do que nunca preocupada com o grau de satisfação dos seus habitantes, é uma cidade cada vez mais ecológica. E quase uma centena em meia de projectos, em 13 bairros, estão em curso. Para a tornar ainda mais sustentável.

Hamburgo

Alegre, activa, jovem — três adjectivos que, de forma geral, caracterizam Hamburgo, capital verde da Europa em 2011 mas desde há muitos anos a esta parte a desenvolver um trabalho notável para melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes de acordo com um modelo mais ecológico.

Quem a conheceu, como eu a conheci, há mais de 30 anos, tem sérias dúvidas de estar exactamente na mesma cidade nos dias de hoje. Desde tempos imemoriais uma janela aberta para o mundo, beneficiando do peso do comércio marítimo, Hamburgo, como Veneza ou Amesterdão, é moldada pela água, vivendo virada para os três rios (Elbe, Alster e Bille) e insinuando-se ao longo de uma rede de estreitos canais — sem esquecer os lagos Binnenalster e Aussenalster.

Sem grande motivo para admiração, muito desse labor colocado para tornar mais agradável a vida da população tem a água como cenário privilegiado. No novo bairro de HafenCity, numa área que se estende por quase 160 hectares (poderá gerar entre 40 a 45 mil novos empregos), sofreu Hamburgo uma das suas maiores transformações, combinando em perfeita harmonia trabalho, lazer, cultura e turismo — mas, ao contrário de outras urbes, sem ignorar, em todo o processo de desenvolvimento inovador, uma ideia de sustentabilidade que se expressa nas construções (em algumas zonas nasceram edifícios para atenuar o impacto produzido pelo ruído face à proximidade de auto-estradas), nos acessos, nos espaços públicos ao ar livre e em tantos outros detalhes.

Hamburgo, com 1,7 milhões de habitantes, é um apelo constante a caminhadas, à descoberta desta modernidade mas também do seu rico passado marítimo, dessa cidade de armazéns que os locais conhecem como Speicherstadt, prédios magnificentes que se debruçam sobre as águas, reflectindo-se nelas e reflectindo um poderio económico que não hipoteca a qualidade de vida das suas gentes, a despeito de algum conservadorismo da classe alta, mais focada em recolher benefícios comerciais.

Hamburgo é também uma cidade de parques e jardins (os espaços verdes constituem 8% da área de terreno), de lugares serenos (o Alster Park e o Altona Volkspark ocupam, juntos, mais de 370 hectares), com uma eficiente rede de transportes públicos (serão poucos os que vivem a mais de 400 metros de uma estação de metro) e, em simultâneo, uma das urbes mais amigas das bicicletas em todo o país, especialmente depois de 2008 (dois anos antes, os trilhos, com uma extensão de 1700 quilómetros, estavam em muito mau estado), ano em que foi aprovada pelo senado uma nova estratégia para incrementar a utilização deste transporte. Com a criação do sistema StadtRAD Hamburg, logo em 2009, permitindo a utilização de bicicletas que estão à disposição dos locais e dos turistas em mais de uma centena de estações, calcula-se que, em conjunto (muitas delas são alugadas várias vezes ao longo do dia), percorram mais de um milhão de quilómetros por ano.

Praga

Não deixará de constituir uma surpresa, pelo menos para alguns, a presença da capital da República Checa entre as dez primeiras do estudo. Mas Praga, também bem cotada no último relatório da Mercer, tem desenvolvido um esforço notável para corresponder às exigências da população, conseguindo um não menos surpreendente 6.º lugar no indicador social, à frente de Amesterdão e Estocolmo — Lisboa surge apenas em 29.º — e o 7.º no subíndice do rendimento, uma notoriedade que se deve, essencialmente, ao elevado número de turistas que a visitam anualmente, atraídos pelo romantismo que emana da ponte Carlos ou pelos insondáveis mistérios que envolvem a vida de Kafka, esse mito literário que tanto alimenta a “capital mágica da velha Europa”, como lhe chamou André Breton.

Só em 2015, ano em que bateu todos os recordes (mais de seis milhões de visitantes), Praga registou um total de 16 milhões de dormidas, cimentando a importância da indústria do turismo na estabilidade económica do país. Apostando em fortes campanhas de marketing, Praga tem dado outros pequenos passos para atrair turistas (também checos), como o programa Prague in Motion, possibilitando a quem a visita actividades de lazer ao ar livre, como passeios a pé, de bicicleta ou percursos em canoa — ou o Prague Green Map: City for sustainable life (um guia interactivo que dedica uma especial atenção às diferentes opções de mobilidade sustentável), desenvolvido por voluntários em 2010 e contando com o apoio de uma fundação e do ministério do Ambiente. De forma gradual, Praga, apenas 29.ª no índice ambiental, investe em novos conceitos, mais ecológicos, seduzindo as pessoas e até algumas empresas, como é o caso da Nano Energies, pioneira (já em 2008) na República Checa no fornecimento de energia verde; ao mesmo tempo, a capital organiza todos os anos, em Setembro, o Sustainable Fashion Day, lançando um alerta para a necessidade de tornar a indústria da moda mais sustentável.

Munique

Se o Sul da Alemanha não deixa de ser industrializado e superpovoado, Munique, capital da Baviera, é uma cidade onde o ritmo de vida decorre de uma forma mais pausada, com uma atmosfera mais relaxante e onde um sorriso parece ser mais fácil de obter do que na maior parte das cidades germânicas. Para muitos apenas associada aos três “B”, de BMW, beer e Bayern, Munique já há alguns anos que trilha os caminhos da sustentabilidade, apontando como meta (difícil mas não impossível) de se tornar, já em 2025, numa urbe que apenas consome energia limpa, um propósito que, a concretizar-se, colocaria a cidade na liderança mundial da sustentabilidade (a meta traçada pela União Europeia para 2020 não vai além dos 20%).

Pequenos mas importantes passos estão a ser dados pela edilidade, desde logo no jardim zoológico, onde o estrume dos elefantes é aproveitado para produzir combustível sustentável — mas também através de outras iniciativas, como a que foi materializada, já há mais de três anos, pela Stadwerke München (SWM), com um projecto de uma central hídrica no rio Isar que produz energia suficiente para abastecer quatro mil casas por ano. Um número claramente deficitário para uma população que supera ligeiramente um milhão de habitantes (é a terceira cidade em termos de população, logo a seguir a Berlim e Hamburgo) mas reveladora de uma vontade que ganha expressão com outros desafios (a empresa necessita de produzir mais de sete mil milhões de quilowatts por hora para atingir o objectivo) que representam  investimentos na ordem dos nove mil milhões de euros.

Desta forma, a SWM apostou também em outros projectos em diferentes lugares da Europa, como uma central térmica solar na Andaluzia, em Espanha, assim como em parques eólicos na costa do Mar do Norte, instalações a partir das quais a energia é fornecida através da rede europeia integrada. Ao mesmo tempo, as empresas, temendo o futuro e estimuladas pela possibilidade de terem custos mais baixos, são convidadas a abandonar a antiga e tradicional forma de produzir energia, optando por energias limpas.

É o caso, por exemplo, da famosa cervejaria Hofbräuhaus, na Pltaz, com uma história de séculos (fabrica cerveja desde 1589) e onde se sentaram, em tempos de antanho, figuras como Mozart ou Lenine e de onde também saíram os barris de cerveja que impediram que o fogo destruísse totalmente a Casa da Ópera. No mesmo edifício, mas no terceiro andar, discursou pela primeira vez, em Fevereiro de 1920, um agitador político nessa altura ainda desconhecido — Adolf Hitler.

E pela Hofbräuhaus passam diariamente perto de dez mil apreciadores de cerveja, locais e turistas. Uns e outros, desde que não exagerem, percebem facilmente à saída que a cidade está de olhos postos num novo horizonte. No interior, as kellerine carregam as mass e as jarras de litros sobem no ar. Talvez brindem ao futuro. A um futuro mais verde.

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