Sentia que precisava de pôr os pés bem assentes na terra e de parar de sonhar. Mas o avião prosseguia a sua rota, tranquila, e as pequenas ilhas, rodeadas de areia dourada e de água de um azul-turquesa, todo aquele cenário tornava-me ainda mais sonhador, como se Boracay, como muitos destes pedaços de terra que agora avisto através da moldura da janela do Airbus, me aguardasse tal e qual como Michaela Davenport a descrevera num final de tarde em que me levou pela rua da sua memória, talvez uma avenida seja mais apropriada, uma avenida com mais de 25 anos.
- As praias estavam quase sempre desertas ao longo do ano e havia uma única estrada, bordejando o mar, e um único polícia que era responsável por colocar um pouco de ordem no trânsito quase inexistente, que varria a estrada e conduzia os poucos turistas ao hotel quando a noite já ia avançada. Os locais cozinhavam para nós, levavam a comida ao lugar onde estivéssemos alojados, da mesma forma que nos convidavam sempre que se reuniam em família para celebrar um momento especial.
Enquanto o avião dá uma pequena volta, contornando a ilha de Panay antes de se fazer à pista do aeroporto de Kalibo, recordo o entusiasmo com que a austríaca, com um brilho permanente nos olhos esverdeados, me falara de Boracay, da fragrância desse passado do qual nunca se despojara.
- Também nos compravam bebidas nas pequenas lojas de comércio, porque cobravam mais aos turistas do que aos residentes. Não havia supermercado, apenas algumas casas em cimento, cabanas adoráveis e pequenos hotéis. Mal os bares fechavam, turistas e locais juntavam-se na praia, alguns com os seus instrumentos musicais - tocava-se, cantava-se e cozinhava-se.
O avião aterra com delicadeza sob um céu com escassas nuvens e as recordações de Michaela Davenport são como ondas, ora se afastam, ora regressam.
- Não era fácil chegar a Boracay nessa altura. Nós, o meu marido, o meu filho e eu, chegámos de barco. À nossa espera, logo que a velha bangka roçou a areia, tínhamos um coco que nos era oferecido como gesto de boas-vindas. E, à noite, matavam e preparavam um leitão e toda a aldeia se juntava na praia para comer.
Michaela Davenport emocionara-se naquele momento.
- A ilha tinha uma pequena pista de aterragem onde as crianças, misturadas com os animais, se entretinham com as suas brincadeiras. Sempre que ouviam as badaladas de um sino, o que era raro, afastavam-se numa correria – anunciava-se a chegada de uma avioneta.
Quando me recorto contra a porta do avião, preparando-me para descer as escadas, recebo não um coco mas uma violenta bofetada de calor. Para lá do controlo alfandegário, já no exterior, homens e mulheres estão sentados atrás de mesas, como num palco e sob um toldo que os protege do sol inclemente, organizando os transfers dos muitos turistas que acabam de chegar. Eu sento-me do outro lado da estrada, numa pequena esplanada de um supermercado, a ver aquela inquietação antes de me decidir a percorrer os quilómetros que me separam de Caticlan.
- O tempo não pára, dissera-me Michaela Davenport, como se fosse a primeira a anunciar uma verdade absoluta.
Ares de aldeia
No terminal, o formigueiro humano aumenta consideravelmente mas, por entre o aparente caos, tudo está bem organizado. Em poucos minutos estou sentado num pequeno barco que não tarda a rasgar as águas e a atracar, daí a instantes, no cais de Cagban, banhado por um sol que doura tudo à sua volta, numa atmosfera colorida que adquire maior expressão graças a uma moldura composta por águas cristalinas e a uma densa vegetação.
Um triciclo conduz-me pela estrada e trepa com dificuldade uma suave encosta, de um lado e do outro casas pequenas, lojas de comércio, um constante vaivém de pessoas e veículos motorizados, a vida em toda a sua efervescência a marcar o ritmo da ilha e a despertar todos os meus sentidos. O motorista, desconhecendo a localização do hotel que lhe indicara, pergunta aqui e ali, embrenha-se por uma rua estreita, os prédios muito juntinhos, como se receassem o frio, os cheiros fortes a comida sobem no ar mas logo são substituídos pela brisa silenciosa que chega do mar – e que mar, que areia, que cenário, ébrio de beleza, se planta à minha frente, agora que o sol se prepara para ser engolido e desenha silhuetas de corpos e de barcos contra o céu crepuscular e as águas que se semelham a uma longa folha de ouro estendendo-se até à linha do horizonte.
- Quer alugar um barco para visitar as ilhas?
A pergunta, feita naquela manhã, haveria de repetir-se por muitos dias, mas agora o barqueiro, quase sempre de olhos postos no jornal, sabendo das minhas intenções, colocava-a apenas como pretexto para iniciar mais uma conversa, enquanto até nós chegava o suave murmúrio das ondas e as vozes que se escutavam mas cujas palavras não se distinguiam.
Boracay tem hoje, mais de dois decénios depois de Michaela Davenport por ela se ter apaixonado, um grande número de turistas (um milhão e meio por ano), especialmente chineses e sul-coreanos, mas a ilha, mantendo todos os seus encantos naturais, começa a dar ares de aldeia ao fim de uma semana, quando Ralph Nandiego, montado na sua motorizada e regressando do mercado a caminho do seu pequeno restaurante, buzina e acena efusivamente ou quando, no espaço de pouco tempo, os meus passos se cruzam, pela terceira vez e em lugares distintos, com Masatomo Toyoshima, um japonês de Kobe seduzido pelo vento forte que varre a praia de Bulabog e que lhe permite, a ele e a algumas centenas mais, praticar windsurf e kiteboard.
Para a maior parte dos turistas, Boracay resume-se a uma extensão de areias finas e águas de um azul-turquesa – a White Beach – que vai quase de um extremo ao outro da ilha, um trajecto que se percorre facilmente em pouco mais de 30 minutos ao longo de um caminho de terra batida decorado com palmeiras que se debruçam sobre as praias, um número inusitado de bares, restaurantes e hotéis e as suas esplanadas que, à noite, tanto atraem viajantes que se entregam à comida como se nem um dia mais lhes restasse no horizonte da vida e outros que, à luz ténue de uma vela, tornam o jantar num momento romântico, sob todas as estrelas do mundo, apenas com o marulho das ondas invadindo essa privacidade tão íntima.
Essa faixa, a quase todo o comprimento, recebe nomes tão pouco exóticos como station one, station two e station three. É nesta última que me instalo e é nessa que o mundo corre mais devagar, uma realidade que observo logo na primeira noite, quando as trevas se impõem e exacerbam os silêncios ou quando, como na manhã seguinte, desperto com o canto madrugador de um galo ou o silvo dos pássaros anunciando-me mais um dia.
Uma manhã com os ati
A praia, onde é proibido fumar, deixa-se abraçar pela serenidade tão apaziguadora das ondas dóceis, de um céu luzidio, de barquinhos coloridos; dali à estrada principal, o coração da ilha que nunca pára de pulsar, com o trânsito por vezes demasiado congestionado, são breves minutos e desta até ao outro lado, para norte, não são muitos mais, ao longo de caminhos em que a identidade dos locais se revela, traçando retratos de uma existência que pouco ou nada mudou nos últimos anos – nas suas casas modestas a roupa está a secar, os porcos andam por ali, um ou outro está já no espeto, pronto para ser assado, e torna-se impossível contar o número de galos, tão populares não só em Boracay como em todo o país, de tal forma está enraizada a cultura das lutas e das apostas.
Embora já um pouco hostil à natureza, face ao número de construções que mancham a paisagem, Bulabog, mergulhada numa luz sem piedade, atrai de imediato, com o seu caleidoscópio de cores que se recortam sob um céu com algumas nuvens. Homens e mulheres andam para cá e para lá, ao longo da praia, sulcando as águas e deixando-se conduzir pelo vento que sopra com força e transforma Bulabog, fortemente abalada, em 2008, pelo tufão Fengshen, numa verdadeira meca do windsurf e do kiteboard. Sentado numa esplanada sobre as areias, assisto a estes movimentos, alguns deles mais acrobáticos do que outros, dependendo do grau de experiência de cada um – há quem voe sobre as águas, há quem se passeie simplesmente, sem tempo para contar as quedas, inevitáveis durante o processo de aprendizagem, uns e outros contribuem para o espectáculo e para prenderem as atenções de quem se limita a lançar olhares.
Bulabog acolhe muito menos turistas do que a parte sul da ilha mas não muito longe, numa estrada movimentada, um outro lugar, cheio de história e de histórias, vive praticamente órfão da presença deles. Mal flanqueio o portão de ferro, avisto um ícone da Virgem com o seu manto azul sobre uma base de cimento pintado de verde e ladeada por vasos de plantas. Uma mulher, de joelhos e de olhos cerrados, reza acompanhada de uma criança mais interessada nas bandeirinhas presas em cordas que dão cor à pequena aldeia envolta num halo de fumo. À direita, no rés-do-chão de uma casa, duas das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo estão sentadas atrás de secretárias e levantam a cabeça mal me recorto na moldura da porta, recebendo-me de forma acolhedora e manifestando interesse em falar do trabalho que desenvolvem, ao mesmo tempo que me concedem liberdade para andar por ali, para fotografar, para tentar dialogar com os nativos. No total, são 200 os ati que vivem nesta comunidade de Boracay e, entre eles, quatro dezenas de crianças que, no início, revelam timidez mas que não tardam em mostrar-se simpáticas e em posar para a câmara. É domingo, não há escola, limitam-se a errar sem destino, alguns nus, brincando com as suas pistolas de plástico, outros lançando a bola para o aro colocado numa tabela de basquetebol improvisada, outros ainda estão apenas deitados em bancos de madeira, numa indolência que se eterniza.
Julgando-me um intruso, Lourdes Tamboon aborda-me e depois por ali fica, à conversa. Ela é a professora da comunidade - a escola está situada a curta distância mas fora da aldeia.
- Alguns simplesmente não querem frequentar a escola ou desistem ao fim de algum tempo, talvez porque são pouco estimulados pelos pais.
Sentado num banco de madeira, um homem, colonizado pelo álcool, cabeceia um sono a meio da manhã. A indolência dos mais pequenos estende-se, pelo menos em alguns casos, aos adultos, mas esta é uma realidade que pode ser analisada segundo duas vertentes: por um lado, os negritos, como os espanhóis designaram este grupo étnico (devido à cor da pele, de um castanho escurecido) que habita o arquipélago há milhares de anos e que são geneticamente comparados aos aeta de Luzon, aos batak de Palawan, aos agta de Sierra Madres ou aos mamanwa de mindanao, são vítimas de discriminação e encontram sérias dificuldades no acesso ao mercado de trabalho – há excepções, mas a maior parte apenas consegue um emprego na indústria do turismo (que em Boracay gera milhões e milhões de pesos) com a ajuda das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo; por outro, como beneficiam de alguns apoios governamentais (as casas onde habitam, na aldeia, foram construídas pelos militares), sentem-se pouco motivados e não raramente as mulheres e os seus filhos mais pequenos são vistos nas ruas de Boracay, estendidos nos passeios a mendigar uma esmola aos turistas, aos mesmos que agora ocupam um espaço que lhes pertencia e onde, definitivamente, sentem dificuldade em integrar-se.
Tudo o vento levou
Quando a manhã está prestes a esgotar-se, deixo a aldeia mas comigo carrego a memória de muitos sorrisos das crianças e é nessas expressões dóceis que vou pensando enquanto o triciclo me transporta até um dos extremos da ilha, pouco vocacionado para o turismo em certos períodos da época seca devido à fama de ser assolado por ventos fortes.
Ao fim de uma descida íngreme, o mar surge, em todo o seu esplendor, há apenas uma barraquinha de bebidas, areia despida de gente e sobre a qual repousa um barco, coqueiros e ilhotas povoando águas de um azul que magnetiza o olhar. Caminho para a esquerda e, abrigada numa rocha, vejo uma casa modesta, construída com pedaços de madeira e chapas de zinco, ao lado de uma espécie de gruta onde, ao centro, está alinhada uma mesa de madeira. Entre uma e outra, está uma bancada rudimentar que expõe alguns aperitivos e bebidas e, como fundo, uma menina que, mergulhada naquele silencioso remanso, dorme um sono profundo, com a cabeça deitada numa almofada.
Não corre uma brisa. Ocasionalmente, um turista ou outro caminha junto à linha do mar que acaricia a areia. Do interior da casa, sai um homem calvo, rosto tisnado, uns olhos negros, em tronco nu. É Tilo Casidsid, o avô da pequena Geneva, que desperta quando ouve as nossas vozes.
- Fica aqui connosco, quando chega da escola, até que os pais a venham buscar, mais ao fim da tarde.
Peço uma cerveja, regresso à toalha e, a meio da tarde, despeço-me de Tilo Casidsid, com a promessa de voltar, dentro de três dias, à praia de Ilig-Iligan. Sinto que Tilo Casidsid acredita em mim mas não consigo obter uma expressão sorridente de Geneva.
- É muito tímida, justifica-se o avô.
Caminho uns quilómetros, ora subindo, ora descendo, por todo o lado escuto o canto dos galos, atravesso Puka, a aldeia onde não tardará a nascer um resort, observo os motoristas de triciclos de olhos postos na televisão, num abrigo de madeira, pequenas lojas de comércio e outras onde se vende artesanato, até que desaguo na praia. E, uma vez mais, que praia!, uma enorme extensão de areia, mais barcos coloridos, o mar azul, com vagas serenas, tão impregnada de sossego. Viro à direita, pouco preenchido de turistas, e estendo-me ao sol, a ler, até que me chega, vindo de não muito longe, o cheiro a peixe grelhado – e deixo-me conduzir pelo odor, para descobrir um grupo de filipinos abrigado numa saliência das rochas e que aproveita o domingo, dia de descanso, para desfrutar daquele momento que é acompanhado de música e de muita cerveja. Fico com a sensação de que alguém, a curta distância, pronunciou o meu nome. Viro-me, um braço levanta-se para me acenar e no rosto perscruto um sorriso.
- Outra vez?
Era Masatomo Toyoshima, o japonês de Kobe, desiludido com os ventos fracos (e os preços) que sopravam em Bulabog e que, sacudido por um frémito de energia, decidira percorrer, a pé, os quase dez quilómetros que separam o centro de Boracay da praia de Puka. Agora, quando a tarde está prestes a escoar-se, caminho até ao outro lado e dali fico a observar o sol a derramar fogo à sua volta, atravesso de novo a aldeia, grato com os sorrisos das crianças que me pedem que lhes tire uma fotografia, e com o convite para que me junte, sob o alpendre de uma casa, a uma família que me estende um copo de cerveja neste final de domingo.
Uma camioneta pára, salto para a caixa aberta, percorro a parte mais elevada da ilha, os locais riem-se e acenam-me, estranhando aquela forma tão invulgar para um turista se passear por Boracay. Chego ao mercado, onde me detenho quase todas as noites, sou saudado pelas jovens vendedoras de legumes, pelas outras que trabalham no supermercado, pelos jovens e menos jovens que erguem grandes lagostas mesmo à frente dos olhos das turistas e lhes provocam risinhos assustados. Sento-me na mesa do costume, a ver o mundo a desfilar, porque o mundo vem até ao mercado – russos, espanhóis, ucranianos, suíços, alemães, italianos, argentinos, sauditas, chineses, sul-coreanos. Cristopher Alfaro fica por ali, ao meu lado, com o menu nas mãos, perguntando-me como foi o meu dia, falando sobre as transformações que Boracay conheceu nas últimas décadas.
- Lembro-me bem do dia em que cheguei à ilha, nunca tinha visto um lugar tão bonito como Boracay em toda a minha vida. Por vezes sentia saudades dos tempos em que jogava futebol com os meus amigos nas quintas de cana-de-açúcar, em Manila, mas sentia-me cada vez mais atraído por Boracay.
Cristopher Alfaro vai atender um outro cliente e regressa daí a uns minutos.
- É verdade, a ilha mudou muito, mais carros, mais construções, mais turistas. Coisas boas e más foram acontecendo ao longo dos últimos anos. Mas, para mim, Boracay continua a ser um lugar maravilhoso para relaxar e para desfrutar, que enche de felicidade todos os visitantes e satisfaz as necessidades e os desejos de todos. Há quem fique feliz por se deitar nas areias da White Beach um ou dois dias, no meio de centenas de turistas; tu estás aqui há mais de duas semanas e continuas a descobrir lugares solitários e que nem eu conheço.
Quando Cristopher Alfaro se dirige para a cozinha, volto a abarcar aquela atmosfera frenética que me rodeia, o mercado fervilhando de vida. Ao fundo, vejo despontar uma figura conhecida que, sem me ver, caminha na minha direcção: Masatomo Toyoshima.
Como prometido, três dias depois estou de novo em Ilig-Iligan. Tilo Casidsid, o avô de Geneva, recebe-me efusivamente e apresenta-me a sua mulher, que se chama Aidie e recebe o mesmo apelido. Ela deixa-nos à conversa e afasta-se para preparar um adobo, um prato típico, Tilo Casidsid agarra na sua rede de pesca e dirige-se para a água; quando volta, pega na sua viola e começa a tocar e a cantar. Não há vento em Ilig-Iligan. E não há turistas, apenas um grupo de meninos que me cumprimenta e passeia ao longo da praia antes de se dispersar por entre a vegetação profusa que esconde uma única casa pintada de azul.
- Sou feliz aqui, não sinto falta de nada, talvez um pouco mais de negócio apenas. Mesmo a minha neta gosta de ficar nesta casa que eu construí com as minhas mãos - e por vezes dorme aqui connosco.
Tilo Casidsid convida-me a sentar na gruta decorada com conchas que tombam sobre as paredes, escutando não o som que sai das cordas da sua viola mas o mar. Uma hora depois, Aidie deposita à minha frente um delicioso adobo e pergunta-me se tenho curiosidade em assistir, uns dias depois, a uma luta de galos, em Puka. Percebe a razão que me leva a declinar o convite mas não se revê no meu argumento da violência.
- Os galos morrem e são cozinhados. A galinha que tem à sua frente, também a acabei de matar.
Os dias correm devagar e mais um estava prestes a evaporar-se. O homem do triciclo que me levava de volta ao hotel mostrava-se invulgarmente bem-disposto mas por vezes assumia uma expressão séria.
- Nasci em Boracay, não há lugar mais bonito no mundo. Tenho quatro filhos da minha mulher, que também é de Boracay. E mais dois da minha mulher que vive em Manila. Mas a de Boracay é a original.
Em qualquer momento, em quase três semanas, a analogia era inevitável.
- O tempo não pára.
Michaela Davenport repetira aquela expressão duas ou três vezes como se, ao levar aquelas palavras aos lábios, recuperasse esse passado cada vez mais remoto.
- Por vezes, íamos a pé até à praia de Diniwid, onde as crianças brincavam com os seus animais.
No último dia em Boracay, fui um pouco mais para lá de Diniwid, até Balinghai, onde cheguei depois de atravessar uma aldeia e de descer umas escadas que terminavam na praia. Não havia mais do que um bar primitivo, uma geleira onde repousavam algumas bebidas; de quando em vez chegava um barco mas logo se afastava daquele silêncio e daquelas águas cor de esmeralda.
Na areia brincavam quatro ou cinco crianças.
GUIA PRÁTICO
Como ir
Entre Lisboa e as Filipinas não há qualquer ligação aérea directa, pelo que, para chegar a Boracay (que não tem aeroporto), terá forçosamente de fazer pelo menos duas escalas. Lufthansa, KLM, British Airways, Qatar Airways e Emirates, entre outras, operam voos com destino a Manila, de onde é possível voar para Kalibo, a capital da província de Aklan situada no noroeste da ilha Panay e principal eixo de transporte para a vizinha Boracay.
A melhor alternativa passa, eventualmente, por recorrer aos serviços da Turkish Airlines, companhia aérea que, por norma, oferece tarifas mais conta entre Lisboa e Kuala Lumpur e, desde a capital da Malásia, com a Air Asia, que voa diariamente para Kalibo (a duração do voo é de quatro horas e um bilhete de ida e volta, comprado com alguma antecedência, custa cerca de 100 euros). Se preferir esta opção, tenha em conta que a AirAsia opera a partir de outro terminal (modernizado há pouco tempo), vulgarmente designado por KLIA 2 e ligado ao KLIA 1 (de onde partem e chegam a maior parte dos voos internacionais, excepção feita à low-cost malaia) por comboio e autocarro.
Uma vez em Kalibo, vários operadores turísticos viabilizam o transfer para Boracay (incluindo a travessia de barco, que não excede os 15 minutos) mas também pode fazê-lo por sua conta, devendo pagar, antes de entrar no ferry, as taxas de ambiente, do terminal e do barco (pouco mais de 200 pesos por pessoa).
Dentro de pouco tempo será também possível voar para Caticlan, outra cidade da ilha Panay e mais próxima de Boracay. As obras no aeroporto, com capacidade para receber qualquer tipo de avião, devem estar concluídas no início do próximo ano e há mesmo planos para a construção de uma ponte com uma extensão de quase dois quilómetros e um orçamento superior a cem milhões de euros para ligar Caticlan a Boracay, diminuindo o tempo da travessia e, ao mesmo tempo, descongestionando esta última na temporada de maior afluência de turistas.
Quando ir
Boracay, com duas estações do ano distintas, pode ser visitada em qualquer altura mas é importante ter em conta que, entre Junho e finais de Outubro, ocorre a época das chuvas e muitos restaurantes e hotéis encerram as suas portas. A pequena ilha beneficia de um clima tropical, com temperaturas estáveis e elevados índices de humidade. Os meses mais quentes são, por norma, Abril e Maio, com os termómetros a atingirem – e por vezes a superarem – os 40 graus, mas entre Novembro e Março (e mesmo no período em que se regista maior precipitação) rondam os 30 graus (as manhãs e as noites são um pouco mais frescas).
Onde comer
O Subo (www.suboboracay.com), na Calle Remedios (próximo da esquadra de polícia, na station three), é um dos melhores restaurantes da ilha, com um ambiente requintado (ideal para um jantar), uma gastronomia que cativa o olhar e o estômago e um serviço eficiente. Aberto diariamente para almoços e jantares (convém efectuar reserva), é liderado por Sunny de Ocampo (que terá nascido numa cozinha em Manila), um chef com larga experiência em restaurantes e hotéis em diferentes países do mundo e que adopta os lemas “cozinha sem fronteiras” e “felicidade é partilhar comida” para atrair uma clientela cada vez mais fiel às suas concepções – se desejar, pode participar num curso de culinária sob a supervisão de Sunny de Ocampo.
Bem próximo, numa atmosfera mais ruidosa, é imperdível uma experiência no D'Talipapa, um mercado abundante em marisco e peixe (também há carne), onde é possível comprar (regatear é importante e faz parte do ritual mas, mesmo assim, devido à enorme afluência de turistas, espere pagar mais do que em outros mercados) antes de recorrer a um dos restaurantes em redor que, mediante o peso e por uma pequena quantia, se encarregam de lhe preparar a refeição, num ambiente descontraído e informal – o Friendship Cuisine, numa esquina, aberto desde as primeiras horas da manhã e até bem tarde, é o meu preferido, com comida bem confeccionada e um atendimento que se destaca pela simpatia e pela qualidade. Altamente recomendáveis são também o Puka Grande, um restaurante na praia de Puka que prepara um dos melhores adobos (um estufado de frango ou de carne de porco) em toda a ilha, e o Marly's Place (bons sumos naturais e ricos pequenos-almoços) na área ocupada pelo Marly's Place Cottages (ver onde dormir).
Onde dormir
À excepção dos dias que coincidem com a celebração do novo ano chinês, não é muito difícil encontrar um quarto disponível em Boracay. Nessa altura, os preços quase duplicam em relação à época baixa e sofrem um aumento considerável face às tarifas praticadas entre 1 de Novembro e 15 de Junho. Se visitar a ilha neste último período, há alojamento para todos os orçamentos e se viajar com pouco dinheiro um dos melhores lugares, com um ambiente familiar, é o Marly's Place Cottages, há mais de 30 anos a funcionar em Abulong, na station three. Por um quarto normal (há outros para famílias e outros um pouco mais luxuosos) espere pagar 20 euros, incluindo pequeno-almoço. Não muito distante, a uns 10/15 minutos a pé, encontra um dos espaços mais agradáveis na tranquila station three, o Melinda's Garden, sem vista para o mar mas num ambiente sereno, com habitações em madeira e bambu por entre um jardim bem cuidado, com acesso à Internet, com café gratuito e, tal como no Merly's Place Cottages, com uma atmosfera familiar. Neste caso, convém reservar com antecedência – as tarifas, entre 15 de Dezembro e finais de Maio, são de 2500 pesos por quarto com ar condicionado e 1800 com ventoinha (1500 e 1000, respectivamente, entre Junho e 14 de Dezembro).
Informações
Os cidadãos portugueses necessitam de um passaporte com uma validade de pelo menos três meses para visitarem o país.
A moeda é o peso filipino e um euro equivale a aproximadamente 54 pesos. É possível trocar dinheiro nos bancos, em casas de câmbio e em hotéis – a diferença não é significativa.
As Filipinas, com um vasto território composto por mais de sete mil ilhas, têm mais de centena e meia de dialectos mas a língua oficial do país é o filipino, até ao início da década de 60 do século passado mais conhecido por Tagalog. Em Boracay, bem como em muitos outros lugares do arquipélago, não terá problemas em encontrar quem fale inglês (mais de 90% da população é capaz de o fazer).