Sentia que precisava de pôr os pés bem assentes na terra e de parar de sonhar. Mas o avião prosseguia a sua rota, tranquila, e as pequenas ilhas, rodeadas de areia dourada e de água de um azul-turquesa, todo aquele cenário tornava-me ainda mais sonhador, como se Boracay, como muitos destes pedaços de terra que agora avisto através da moldura da janela do Airbus, me aguardasse tal e qual como Michaela Davenport a descrevera num final de tarde em que me levou pela rua da sua memória, talvez uma avenida seja mais apropriada, uma avenida com mais de 25 anos.
- As praias estavam quase sempre desertas ao longo do ano e havia uma única estrada, bordejando o mar, e um único polícia que era responsável por colocar um pouco de ordem no trânsito quase inexistente, que varria a estrada e conduzia os poucos turistas ao hotel quando a noite já ia avançada. Os locais cozinhavam para nós, levavam a comida ao lugar onde estivéssemos alojados, da mesma forma que nos convidavam sempre que se reuniam em família para celebrar um momento especial.
Enquanto o avião dá uma pequena volta, contornando a ilha de Panay antes de se fazer à pista do aeroporto de Kalibo, recordo o entusiasmo com que a austríaca, com um brilho permanente nos olhos esverdeados, me falara de Boracay, da fragrância desse passado do qual nunca se despojara.
- Também nos compravam bebidas nas pequenas lojas de comércio, porque cobravam mais aos turistas do que aos residentes. Não havia supermercado, apenas algumas casas em cimento, cabanas adoráveis e pequenos hotéis. Mal os bares fechavam, turistas e locais juntavam-se na praia, alguns com os seus instrumentos musicais - tocava-se, cantava-se e cozinhava-se.
O avião aterra com delicadeza sob um céu com escassas nuvens e as recordações de Michaela Davenport são como ondas, ora se afastam, ora regressam.
- Não era fácil chegar a Boracay nessa altura. Nós, o meu marido, o meu filho e eu, chegámos de barco. À nossa espera, logo que a velha bangka roçou a areia, tínhamos um coco que nos era oferecido como gesto de boas-vindas. E, à noite, matavam e preparavam um leitão e toda a aldeia se juntava na praia para comer.
Michaela Davenport emocionara-se naquele momento.
- A ilha tinha uma pequena pista de aterragem onde as crianças, misturadas com os animais, se entretinham com as suas brincadeiras. Sempre que ouviam as badaladas de um sino, o que era raro, afastavam-se numa correria – anunciava-se a chegada de uma avioneta.
Quando me recorto contra a porta do avião, preparando-me para descer as escadas, recebo não um coco mas uma violenta bofetada de calor. Para lá do controlo alfandegário, já no exterior, homens e mulheres estão sentados atrás de mesas, como num palco e sob um toldo que os protege do sol inclemente, organizando os transfers dos muitos turistas que acabam de chegar. Eu sento-me do outro lado da estrada, numa pequena esplanada de um supermercado, a ver aquela inquietação antes de me decidir a percorrer os quilómetros que me separam de Caticlan.
- O tempo não pára, dissera-me Michaela Davenport, como se fosse a primeira a anunciar uma verdade absoluta.