Fugas - Viagens

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O Natal cheira a amêndoas torradas e vinho quente

Por Andreia Marques Pereira

Visitar a Alemanha durante o Advento é uma experiência mágica. Cidades, vilas e aldeias, todas têm o seu mercado, ponto de encontro privilegiado de famílias e amigos, que nem atentados como o de Berlim conseguirão apagar do espírito alemão. Barracas carregadas de artesanato, decorações natalícias, especialidades gastronómicas e bebidas quentes, salsichas assadas e canecas de Glu¨whein em muitas mãos. Nós fomos de Heidelberg a Ru¨desheim a pretexto destes mercados — mas vimos muito além.

Heidelberg

É a universidade que traz Heidelberg na boca do mundo: afinal, não só é a mais antiga da Alemanha como por lá passaram alguns dos pensadores mais influentes do ocidente. E é a universidade, de elite, que marca o ritmo da cidade, com os seus 30 mil estudantes, à beira do rio Necker. Na Alemanha, porém, Heidelberg é (também) conhecida como uma cidade romântica. Algo que nas semanas que antecipam o Natal é absorvido (e amplificado) pelo mercado de Natal, sobretudo depois que a noite cai, como é usual nestas paragens onde o Advento transforma cidades, vilas e aldeias em terras encantadas de luz e cheiros que se entranham e espantam o frio.

Em Heidelberg, o mercado de Natal são seis mercados que se sucedem nas praças que se abrem ao longo da Hauptstrasse, que, com os seus 1,6 quilómetros, é a mais longa rua pedonal do país. Na verdade, é semipedonal, e nas fachadas que transitam entre a renascença e o barroco alinham-se lojas, desde as mais tradicionais às grandes cadeias, passando por restaurantes e bares, tudo complementado por bancas de pretzels e artistas de rua. E, durante o Advento, por algumas barraquinhas de madeira que “escapam” às praças e trazem o Natal à rua principal, profusamente iluminada e com algumas montras repletas de decorações tipicamente germânicas.

É ainda durante a tarde que fazemos a primeira incursão numa das praças — ao lado a universidade, do outro lado a biblioteca universitária. As barracas de madeira já estão abertas, o carrossel (de dimensões modestas) já rodopia, a comida já se faz e come e as canecas de cerâmica com as várias bebidas de Natal (a mais tradicional é o Glühwein, vinho quente, mas a oferta vai muito para além deste) já aquecem as mãos e os espíritos. As decorações típicas, as velas, os brinquedos de madeira, os globos de neve, a roupa, os gorros e chapéus, as bolachas de gengibre, os cajus e amêndoas caramelizados — tudo se exibe entre alguns curiosos. Mas as multidões surgem quando chega a noite.

Por isso, hora de visitar a antiga Studentenkarzer (“cadeia dos estudantes”), herdeira do tempo em que a universidade tinha a sua própria jurisprudência. Mas não se tema pelos estudantes de Heidelberg: era uma espécie de troféu de guerra passar algum tempo na prisão estudantil. E vale a pena visitá-la, no último andar do edifício, onde as celas e os espaços comuns estão cobertos de inscrições e desenhos que mostram como o tempo ali passado (entre quatro dias a quatro semanas, com ida às aulas pelo meio — e com direito a visitas e presentes, de comida, vinho e charutos a mulheres) — era quase umas férias.

O castelo que coroa o centro histórico onde estamos espera-nos. Subimos de funicular e lá chegados é fácil perceber por que é que o castelo de Heidelberg, durante cinco séculos residência dos príncipes-eleitores do Palatinado, condensa uma parte do espírito do romantismo alemão. A noite já caiu completamente e a vista da cidade é desenhada pelas luzes, brilhantes nos rectângulos dos mercados de Natal, e pela sombra dos pináculos de igrejas e mosteiros que pontuam o horizonte, onde o rio é uma massa escura. Começamos por um dos lados arruinados, torres que dão para nada, paredes cujo interior são jardins. A parte central alberga uma árvore de Natal gigante e os grupos de turistas aglomeram-se neste pátio: de um lado paredes maciças coroadas de torres, do outro apenas parede e janelas ocas; em frente a parte que ainda se mantém de pé, estilo historicista.

O tempo é curto e entramos apenas para ver a maior barrica do mundo: tem capacidade para quase 220 mil litros e era aqui que se depositava o imposto que os produtores pagavam, 10% do que produziam. Ou seja, aqui entrava vinho tinto, branco, “até avinagrado porque a batota era comum”: o resultado não tinha mais de 5% de álcool e era “repugnante”. Melhor, porém, do que a água, insalubre, e “deixava as pessoas felizes”. E em ocasiões especiais acrescentava-se-lhe mel, pétalas de rosa, especiarias — “foi o antepassado do Glühwein”. Ainda temos tempo para ir ao terraço diante da parte intacta do castelo — a guia assegura que é a melhor vista da cidade. Preferimos olhar para a fachada intacta e para a restante arruinada, “destruída pelos franceses”, não se cansa de sublinhar a guia: sentimo-nos num palco — de uma ópera alemã.

Michelstadt im Odenwald

Saindo de Heidelberg, tomamos a estrada mais cénica: durante um tempo junto ao rio, depois por vales e florestas. Circulamos entre os estados federais de Baden-Württemberg (“o segundo maior e talvez o mais rico do país”, segundo o guia), onde se situa Heidelberg, e Hesse, de onde não saíremos até ao regresso. Passamos antigas fortalezas (esta é conhecido como a estrada dos castelos), abadias, mosteiros, aldeias, aquedutos de tijolo vermelho no meio do nada, aqui e ali chaminés de fábricas até ao próximo destino, Michelstadt im Odenwald, no sul de Hesse. Quando entramos no coração de Michelstadt, medieval-medieval, parece que entramos em território de conto de fadas. Que mais tarde se transformará num conto de Natal. Mas, já o referimos, a noite é a melhor altura para esta transformação e nós chegamos com o dia ainda em pleno (e cinzento como todos os que apanhamos nesta viagem).

E este não é um patinho feio durante o dia. Esta pequena cidade (16 mil habitantes) no coração de Odenwald é um íman para turistas: pela planta e arquitectura medieval, embora alguns edifícios, diz-nos o guia, tenham sido reconstruídos. “É o epítome do Romantismo alemão.” Na altura do Natal, as multidões são anda maiores — este não é dos maiores mercados de Natal da Alemanha, mas um dos mais populares, afinal, está tudo concentrado no centro histórico, o que faz com que caminhemos por ruas, praças, becos, pátios que fazem dele uma aldeia de Natal. Com uma característica muito local: as figuras de madeira em tamanho gigante — desde os famosos nut crackers, os soldados omnipresentes em qualquer mercado nas bancas de brinquedos ou decorações, a “coros” ou os reis magos — feitas pelos estudantes de uma escola de marcenaria.

É na praça do mercado que tudo começa — diante da antiga Rathaus (câmara municipal) que é um dos ex-líbris da cidade, do país, com a sua arquitectura em enxaimel. Aliás, toda a praça, que se desenvolve em torno de uma fonte coroada pelo arcanjo São Miguel, mantém este estilo arquitectónico, excepto no seu edifício maior, um palácio do século XVIII, rosa claro. A árvore de Natal ergue-se entre este e a Rathaus, de 1484, e, então, entremos nela. O rés-do-chão é aberto, chão de pedra, grossas traves de madeira a suportar os andares superiores, porque aqui se realizavam os julgamentos durante a Idade Média — eram sempre em locais públicos e o conde, que era o juiz, evitava assim os caprichos climatéricos. No primeiro andar, naquela que era a maior sala da cidade, realizavam-se as reuniões importantes e festividades e bailes; posteriormente, aqui funcionou uma igreja, escola, hospital. “Foi o primeiro edifício multifuncional da cidade”, brinca o guia — hoje ainda é um pouco assim, desde casamentos (vêm casais de todo o país) a exposições e concertos, este continua a ser um edifício vivo. Nos dois andares superiores, encaixados no telhado incrivelmente inclinado, armazenavam-se os impostos da cidade, pagos em géneros — 10% de tudo o que se produzia. Havia ainda um imposto que lembra uma recente polémica em Portugal: os habitantes de Michelstadt tinham de pagar um imposto da “luz do dia”. Quanto maiores fossem as janelas das casas, mais imposto tinha de ser pago, uma vez que mais mais luz natural tinham, por isso (e também porque o vidro na Idade Média era um luxo) as janelas das casas medievais eram tão pequenas.

O mais antigo edifício da cidade é uma torre, “dos ladrões”, que faz parte das muralhas — tinham 700 metros, as que sobrevivem são parede de casas — e data de 650. Começou por ser local de refúgio e depois passou a prisão. Escapou à destruição da cidade no século XIV, numa altura em que foi disputada por vários poderes — nem o castelo sobreviveu, embora a reconstrução dos séculos XIV, XV e XVI tenha mantido a sua planta, mas com casas. É no antigo pátio do castelo, agora repleto de bancas de madeira, e com uma “pirâmide de Natal” enorme — uma estrutura de madeira, como um carrossel, com vários níveis, cada um representando motivos cristãos ou seculares relacionados com a vida nas montanhas (a sua origem é precisamente essa, só depois foi adaptada para o Natal) e com uma hélice no cimo — que encontramos Werner, a vender objectos de madeira (como colheres de pau e outros utensílios de cozinha) e cortiça (mochilas, carteiras, porta-moedas...), o que não é tão comum nos mercados de Natal alemães.

Mas Werner vive no Algarve há 28 anos e vem à Alemanha durante três semanas no Natal, para os mercados, e um mês no Verão, “para fazer alguns festivais de música”, conta-nos. É aqui que, às 18h em ponto, uma banda começa a tocar músicas de Natal, em frente à adega histórica onde todo o artesanato e jóias são locais, mas, entretanto, já visitámos a sinagoga, pequena, que é também um museu. Foi-o apenas, aliás, durante muitas décadas. Datada de 1791, foi saqueada na infame “Noite de Cristal”. “Só não foi incendiada porque os habitantes recearam que o fogo se alastrasse ao resto da cidade”, conta o guia. Os judeus locais foram deportados e não mais voltaram. Em 1978, um rabi de visita propôs a criação de um museu, o que foi concretizado, com objectos do quotidiano, religiosos e documentos sobre a vida dos judeus locais. Entretanto, o museu voltou a ser local de culto, uma vez que alguns judeus regressaram vindos das antigas repúblicas soviéticas — 17 é a comunidade.

E quem diria que numa pequena cidade íamos encontrar um antigo campeão mundial de pastelaria? Bernd Siefert limitou-se a seguir o negócio de família — na restauração há 800 anos — e depois de ter trabalhado em Paris e Zurique, por exemplo, regressou às origens e agora tem uma pastelaria, Konditorei Siefert Confiserie, de onde se enviam chocolates, bolos, bolachas e pastelaria para todo o mundo. Os christstollen nach Dresden, uma especialidade de Natal criada há 650 anos em Dresden, não param de sair, assim como variações: rosmain stollen e potato stollen (os stollen são bolos secos com frutos secos cobertos por açúcar em pó).

E se o Glühwein está por todo o lado, aqui opte-se por um Heisse Oma (“avó quente”) ou Heisser Opa (“avô quente”): o primeiro é cacau com amaretto e chantilly, o segundo leva rum em vez do amaretto. Não há frio que resista. Mas se é frio que se pretende, não faltam champanhe e ostras...

Erbach im Odenwald

Não há cheiros a bebidas ou comidas quentes em Erbach im Odenwald, cidade “rival” de Michelstadt e igualmente pródiga em arquitectura de enxaimel. Isto porque a visitamos de manhã e o mercado de Natal é apenas uma série de barracas fechadas. O Natal é o pretexto, mas a visita é cultural — e rápida. A primeira paragem é na Odenwa¨lder Kunstto¨pferei, a mais antiga olaria da região na mesma família desde 1609. “Mas provavelmente já trabalhávamos o barro antes”, diz Bernd Do¨nig, o mestre e proprietário. Trabalha com o filho e a mulher e mais uma funcionária, que pinta as peças. Mas até chegarem a ela, há 13 etapas a cumprir na manufactura de todos os artigos, que vão desde as peças utilitárias às meramente decorativas. Não temos oportunidade de ver o processo, “esta é altura de venda, não de produção”, explicam-nos — apenas a última etapa em que Frau Heckmann pinta as flores tradicionais em cores que ainda estão suaves, nada parecidas com a intensidade colorida das peças finais, depois de terem sido esmaltadas. Trabalha à janela e fá-lo apenas há seis anos: antes pintava apenas em papel, mas quando a senhora que trabalhava aqui antes se reformou decidiu tentar. “Aprendi tudo com ela”, conta, enquanto pinta sem qualquer esquema as canecas. Esta é uma das poucas olarias tradicionais que sobrevivem, quando nos tempos antigos havia em todas as aldeias, porque a grés e o barro eram abundantes. Agora, a matéria-prima vem de fora e a concorrência é tremenda: por exemplo, não vendem nos mercados de Natal porque aí as peças são feitas por máquinas e os preços demasiado baratos.

No Castelo Erbach já não há poder condal desde 1806, mas o último governante deixou uma marca indelével na cidade. Franz I foi um ávido viajante, um coleccionador de arte e escultor de marfim e esse legado é hoje o grande motivo de atracção da cidade. Começamos pelo castelo, que tomou a forma actual, residencial, no século XVIII. Está dividido em várias áreas expositivas e se a entrada não faz parte delas não deixa de ser impressionante pela quantidade de galhadas que cobrem completamente as paredes. “Não são troféus de caça”, avisam-nos, “são o resultado da queda natural que todos os cervídeos experienciam a cada ano”. Quem as encontrasse tinha de entregá-los aos condes. Porém, iremos ver a galeria dos veados, usado para cerimónias: as cabeças aí expostas são produto de caçadas. Mas voltemos ao rés-do-chão, onde o hall dos cavaleiros é um mostruário de armaduras (incluindo de cavalos) e armas medievais num salão que foi dos primeiros exemplares neogóticos na Alemanha.

No primeiro andar encontramos três salas romanas, testemunho das viagens do conde a Itália, onde adquiriu a maioria das peças, algumas tendo-se reveladas falsas, como um busto de Júlio César. “A antiguidade era moda na altura”, lembra o guia. Havia muitas colecções privadas, mas esta é a única na Alemanha que se mantém intacta. Bustos e estátuas de imperadores romanos como Adriano, Trajano, Cláudio e até Alexandre, o Grande, um dos três bustos que existem representando-o na sua juventude, enchem as salas. De Roma seguimos para o quotidiano dos nobres no século XIX. Sucedem-se umas às outras, todas viradas para a praça do mercado, desde a sala de jantar até aos quartos mais reservados à família, com decorações que vão de porcelanas chinesas e japonesas a vasos gregos (cópias feitas em Nápoles).

É noutro edifício do complexo do castelo que descobrimos o Museu Alemão do Marfim: num exterior clássico, um interior moderno. Antes, vemos uma das artistas residentes a trabalhar o marfim (a cidade tornou-se um dos centros de aprendizagem para o esculpir) — já não de elefante, mas sim de mamute ou vegetal. O marfim chegou aqui porque o conde Franz I queria trazer prosperidade às suas terras e deu o exemplo, aprendendo a trabalhá-lo. Desde 1966, todas as peças estão em exposição, num percurso negro onde apenas elas se iluminam. São cerca de 200 vindas um pouco de todo o mundo e abrangendo vários séculos, desde a Idade Média — com especial destaque para os artesãos da região de Odenwald nos séculos XIX e XX.

Wiesbaden

A capital do estado de Hesse é uma cidade termal. Esta não é uma questão de somenos, pois molda-a na arquitectura e no urbanismo — os parques são uma constante, corredores verdes que a atravessam e rodeiam. Depois, também não é uma cidade termal qualquer: no final do século XIX e no início do século XX era o ponto de encontro da realeza e aristocracia europeias, de milionários norte-americanos, que, claro, investiram em residências sumptuosas para desfrutar não só das 26 fontes termais (27 se contarmos uma fria) mas da vida social intensa. E é assim que Wiesbaden chega aos dias de hoje, passada a decadência pós-I Guerra Mundial e a sobrevivência durante II Guerra Mundial, porque o exército americano aqui tinha uma base que permaneceu depois (foi aqui que Elvis Presley conheceu a mulher, filha de um comandante). Continua a ser cidade termal — e o turismo de saúde é um grande negócio (que o digam as princesas sauditas que são presença constante na cidade) — mas quem quiser beber a água “que cura” de Wiesbaden pode simplesmente ir à Kochbrunnenplatz, onde está a mais famosa nascente, de cloreto de sódio, da cidade. A água sai de uma rocha já amarela, castanha e verde, a 66 graus, mas junto a ela há um pequeno pavilhão com bebedouros onde se pode prová-la (ela que depois alimenta uma série de spas e hotéis das redondezas, incluindo o mais antigo da Alemanha); o cheiro aqui é intenso, a sulfatos, e a água é salgada.

Nós chegamos no Natal para nos deixarmos envolver pelos mercados que aqui se organizam. E são dois: um em torno do ringue de gelo que se monta anualmente na Marktplatz — e com ele vêm as barracas de madeira, com terraço, onde as bebidas quentes são rainhas e senhoras; outro, o “verdadeiro”, no centro histórico, onde se pode encontrar tudo o que preenche o nosso imaginário natalício.

Já lá iremos. Wiesbaden desenvolveu-se sobretudo a partir de 1750, apesar de os romanos já conhecerem as propriedades das suas águas, boas para reumatismo, artroses, doenças respiratórias. O seu centro é, por isso, atravessado por boulevards, como Wilhemstraße (conhecido popularmente como “rue”), onde se alinham edifícios neoclássicos, como o palácio branco construído no século XIX para o herdeiro do Ducado de Nassau, que nunca aqui viveu porque a mulher, uma grã-duquesa russa, morreu ao dar à luz; e esse é o pretexto para uma visita à igreja russa, no cimo de uma colina, com as suas espirais douradas a pairar sobre a cidade — foi construída como monumento funerário para a grã-duquesa. A família real russa era, aliás, uma das mais assíduas em Wiesbaden, assim como outros nomes sonantes do país, Dostoievsky, por exemplo.

O escritor russo era presença habitual no casino da cidade (que inspirou O Jogador) e é em direcção a este que caminhamos pela Wilhemstraße. Fica no chamado Kureck (“canto do spa”), parte do Kurhaus (“casa do spa”) e para lá chegarmos atravessamos o Kurpark (“parque do spa”), onde o ringue de gelo está instalado, ao lado de um lago. Há música no ar (nada natalícia) e perto do ringue o ambiente é quase de discoteca ao ar livre com a fachada do Hessian Stadt Theatre como cenário. Paragem para Glühwein e uma curta caminhada leva-nos até ao Kurhaus, edifício monumental (reformulado no início do século XX pelo Kaiser Guilherme II) em estilo neoclássico e fachada Belle Époque, no topo de um jardim-alameda ladeado de edifícios com colunatas — o conjunto é impressionante.

É no coração do centro histórico de Wiesbaden que se instala o mercado de Natal, na Schlosspaltz, entre a antiga residência oficial dos duques, a antiga e a nova Rathaus, e em redor da Marktkirche. São 133 barracas onde a variedade é a maior que encontramos, embora, claro, tudo gire em torno do mesmo, desde as decorações natalícias às cerâmicas, dos brinquedos e utensílios de madeira aos de vidro, dos produtos de lã e figuras de feno às de feltro, do chocolate às bolachas de gengibre, dos vinhos aos queijos, atoalhados bordados e velas. Junto à pirâmide de Natal fica a “zona da alimentação” com sopas, salsichas, churrascos, Dinnete (tipo pizza, sem queijo) e até especialidades austríacas, como as Kaiserschmarren, uma espécie de panquecas — não faltam, claro, bebidas quentes. Mesmo junto à igreja do mercado, o espaço para crianças, um carrossel histórico hipnotiza todos.

Rüdesheim am Rhein

Não precisamos de nos afastar muito de Wiesbaden para começarmos a ver vinhas em leves ondulações do terreno — estamos em Rheingau, o distrito do Reno, também conhecido como a “Riviera alemã”, pela proximidade com o rio Reno e o clima ameno. Um clima propício para os vinhos, especialmente o Rheingauer Riesling. É também território de castelos, fortalezas e mosteiros medievais — é num destes a primeira paragem. O mosteiro de Eberbach pode não dizer muito à maioria, mas se dissermos que aqui foram filmadas as cenas interiores do filme O Nome da Rosa talvez ajude (Sean Connery chegou mesmo a ter aulas com o coro gregoriano daqui).

Fundado em 1136, fica isolado numa floresta e sempre produziu vinho, tornando-se um dos maiores produtores na Alemanha — este é agora o ponto central da sua promoção. No entanto, o mosteiro vale bem uma visita além do vinho (e da gastronomia): o claustro, românico e gótico, a sala do capítulo, gótica com pinturas restauradas (onde, no filme, se discute a questão do riso), a igreja românica de três naves e transepto (onde agora se realizam concertos), o dormitório, 70 metros de comprimento; o refeitório faz parte da renovação do século XVIII e foi reformado pelo duque de Nassau para aqui receber convidados — os tectos em estuque, as paredes apaineladas são um contraste brutal com o ascetismo do resto do mosteiro. A adega medieval, escura sob pesadas abóbadas, com pipas pequenas, por detrás de grades, não pode ser visitada, mas a dos séculos XVIII e XIX alberga enormes cascos por onde podemos caminhar.

Em terra de vinho, a paragem seguinte é no Schloss Johannisberg, originalmente também um mosteiro, onde se faz vinho há 900 anos e onde se “descobriu” o vinho late harvest. Tudo por acaso, ou melhor, por um atraso — uma característica tão pouco alemã. Mas como a permissão para se dar início às vindimas tinha de ser dada pelo proprietário, que vivia a 150 quilómetros, em 1775 o emissário atrasou-se, tendo chegado dez dias depois do início previsto dos trabalhos. Quando se pensava que o vinho iria ser péssimo, descobriu-se que era o contrário. Com 14 hectares de vinhas, Schloss Johannisberg possui a distinção de ter a designação de vinhedo único, sem ter de colocar a proveniência no rótulo, um dos poucos produtores na Alemanha a consegui-lo.

Em território vinhateiro não surpreende que o nosso último mercado de Natal seja numa cidade de vinho, Ru¨desheim, em pleno Vale do Alto Médio Reno que é Património Mundial da UNESCO desde 2002 — e aqui, ou melhor, na outra margem do rio, em Bingen, começa o chamado “desfiladeiro do Reno”, o seu trecho mais visitado, graças à sucessão de castelos. Chegamos a Ru¨desheim de teleférico, vindos do alto, depois de termos visto o monumento Niederwalddenkmal, conhecido por Germania, a figura central no topo de um gigantesco pedestal (38 metros, maciços, no total), construído para celebrar a unificação da Alemanha, ou seja, a criação do império alemão, logo após o final da guerra franco-prussiana. Desenvolvendo-se em vários patamares, é um miradouro imperdível sobre o Vale do Reno, que corre abaixo, logo ao lado de Ru¨desheim. Até lá, a encosta cobre-se de vinhas, por trás é floresta de carvalhos e faias, jardins desenvolvem-se aqui em cima.

O teleférico deixa-nos mesmo no centro de Ru¨desheim, que já está cheio de gente — as luzes acesas e as barracas a preencher todos os espaços livres nas ruas estreitas. A principal, que parte daqui, Drosselgasse, é o coração da cidade velha. Descemo-la com as barracas de madeira (a primeira com os célebres küsse, algo como uma bomboca artesanal e com recheios muito variados) quase a esconderem restaurantes, bares e tabernas que tornam este o ponto mais animado da cidade durante todo o ano. A decoração natalícia (na verdade, mais de Inverno — ou seja, mais laica) é intensa e inclui bonecos de neve e renas em telhados e no final não resistimos a um pequeno desvio para o que, saberemos depois, é uma das mais emblemáticas casas da cidade, Klunkhardshof, dois andares em enxaimel, madeira pintada em cor vermelha e parede traseira constituída pela antiga fortificação da cidade — aqui está uma pirâmide de Natal, um carrossel e uma série de outras diversões para crianças.

Viramos em direcção ao Reno e enquanto passa um barco turístico (os cruzeiros são incontornáveis nesta região), avistamos luzes féericas na outra margem, no meio da floresta: castelo?, igreja? continuamos sem saber, mas é mais um toque de conto de fadas por estas paragens. Nesta rua paralela ao rio, o mercado é mais caótico, ocupando apenas os passeios e deixando pouco espaço para caminhar — às vezes somos levados pela multidão e mal vimos a barraca de doces de “duendes”. Por isso, voltamos costas ao Reno e seguimos para o centro histórico numa rua “gastronómica” — até porcos no espeto vemos, além das muitas salsichas, de vários tipos. O vinho quente tomamo-lo de frente para um presépio de tamanho razoável; mais tarde provaremos uma especialidade local, o café Rüdesheimer: primeiro entra o brandy Asbach Uralt e três cubos de açúcar, depois de flambeados estes junta-se o café, cobre-se com chantilly e raspas de chocolate.

GUIA PRÁTICO

Como ir

A porta de entrada para esta região é Frankfurt. Daí até Heidelberg fomos de comboio, com estação no próprio aeroporto, e transferência em Mannheim — a viagem dura cerca de 40 minutos. Para se deslocar entre as cidades, se não quiser alugar carro, há um sistema integrado de camionetas e comboios regionais — o bilhete é o mesmo, pode usá-lo ainda que use os dois meios de transporte na mesma viagem. De Wiesbaden ao aeroporto de Frankfurt o comboio leva mais ou menos 30 minutos.

Onde comer

Porco, cordeiro, pato, veado, schnitzel (panado à moda vienesa) na carne; salmão e truta no peixe — estes são os pratos mais comuns nos restaurantes onde fomos. As salsichas, claro, são omnipresentes nos menus. E a sopas também — mas atenção: parece que quanto mais verduras têm, mais líquidas são; recomenda-se a de beringela, se encontrar. Quase todos os restaurantes (excepto o do mosteiro) são típicos, o que se reflecte na decoração com abundância de madeira, e muito acolhedores.

Wirtshaus Zum Seppl
Hauptstrasse 213
Heidelberg
www.heidelberger-kulturbrauerei.de

Restaurant Zum Gru¨nen Baum
Große Gasse 17
Michelstadt
www.gruenerbaum-michelstadt.com

Michel’s Restaurant im Gasthaus Zum Hirsch
Bahnstrasse 2
Erbach im Odenwald
www.michels-restaurant.de

Der Andechser im Ratskeller
Schloßplatz 6
Wiesbaden
www.derandechser-wiesbaden.de

Gastronomiebetriebe im Kloster Eberbach
65346 Eltville im Rheingau
http:/kloster-eberbach.de/

Breuers Ru¨desheimer Schloss
Drosselgasse
Ru¨desheim
www.ruedesheimer-schloss.de

Onde dormir

Hip Hotel
Hotel em que cada quarto é uma cidade: nós ficamos em Amesterdão e dormimos entre os mestres da pintura flamenga — houve quem ficasse em Bali, com areia no quarto.
Hauptstraße, 115
Heidelberg
www.hip-hotel.de

Hotel Zentlinde
Hotel numa pequena povoação, longe de tudo — mas com um spa, que inclui piscina aberta até às 22h.
Hu¨ttenthaler Straße 37
Mossautal - Gu¨ttersbach
www.zentlinde.de

Dorint Pallas Wiesbaden
Hotel moderno, confortável e central, procurado para negócios.
Auguste-Viktoria-Straße 15
Wiesbaden
www.dorint.com

A Fugas viajou a convite do Turismo da Alemanha

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