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Parque Manuel Antonio, um jardim com vista para o Pacífico

Por Sousa Ribeiro

Criado em 1972, o Parque Nacional Manuel Antonio, na Costa Rica, acolhe 400 mil visitantes por ano e abriga um número respeitável de pássaros e de mamíferos, uma densa vegetação e praias de sonho, com areias douradas e águas azuis.

Não gosto de visitar um lugar, mesmo que seja um parque natural, com um guia turístico. E nada tenho contra eles, respeito a sua profissão, simplesmente entendo que retiram espontaneidade à minha incursão, que me abstraem do essencial, da serenidade que espero encontrar, mesmo que nada, sem a ajuda de alguém mais familiarizado com o espaço físico e com os sons, se depare à minha frente, nem um único animal, nem uma única ave, tantas árvores cujo nome desconheço e fazem de mim um ignorante.

É mesmo assim.

Mas, ainda fora do Parque Nacional Manuel Antonio, em cuja direcção caminhara desde a aldeia homónima na presunção de que estava tão próximo, passando pela playa Espadilla Norte, aquela que os mais intímos chamam a primeira praia, com as suas areias brancas, simpatizei desde logo com Manuel Cabalceta Méndez, a desfrutar de uma pausa entre as muitas aventuras que o ocupam, dia e noite, palmilhando os trilhos do parque criado já em 1972, a verdadeira jóia do litoral pacífico que abarca dois mil hectares de terra e 55 mil hectares de água.

A fila para aquisição dos ingressos estende-se por uns metros, o sol já deposita os seus raios com força, sinto que posso aguardar um tempo mais tranquilo, que o que me espera pode continuar a esperar-me, que a minha vida não mudará significativamente se ficar por ali escutando as histórias que Manuel Cabalceta Méndez tem para me contar e só depois, em silêncio, explorar então o parque. Aprecio particularmente o início da conversa – que é mais um monólogo.

- Hoje em dia, ser guia turístico representa muito mais do que saber dizer macaco em inglês ou em francês. É necessário conhecer a história do país a fundo, a história natural, política, religiosa, a arte, as tradições, a cultura, ser também um chef,  porque não raras vezes os turistas me pedem que lhes envie um email com a receita de um bom ceviche ou de um típico gallo pinto.

É, na Costa Rica e um pouco por toda a América Central, o meu pequeno-almoço preferido. Aprecio, às primeiras horas da manhã, aquele arroz com feijões, quase sempre com um ovo, que me abre uma nova luz sobre o dia, da mesma forma que, sem transpor a porta da entrada, Manuel Cabalceta Méndez me flanqueava o acesso, ainda que imaginário, ao parque Manuel Antonio, onde afluem cerca de 400 mil visitantes por ano, o que faz dele o segundo mais procurado pelos turistas na Costa Rica, logo depois do Parque Nacional Volcan Poás — um número exagerado que já levou os responsáveis a limitarem as entradas a 600 por dia durante a semana e a 800 aos fins-de-semana.

- A minha história como guia naturalista em Manuel Antonio tem uma relação directa com o surf. Desde os meus anos de surfista adolescente que comecei a levar outros surfistas um pouco por todo o país em busca das melhores ondas e dos lugares secretos. Assim foi passando o tempo e a quantidade de cenários impressionantes, onde a natureza reinava, produziu no meu cérebro uma mudança face ao que definira para o meu futuro — desta forma, inscrevi-me nos cursos requeridos para me tornar num guia naturalista, certificados pelo Instituto Costarricense de Turismo (ICT).

As palavras de Manuel Cabalceta Méndez martelam no meu cérebro quando, finalmente, os meus passos vão pisando o trilho que, ao fim de alguns metros, me conduz a uma cascata. Percorro o sendero La catarata, não mais de 900 metros, até apreciar a água a cair, não muita, porque a época das chuvas permanece distante e regresso, logo de seguida, ao caminho que todos pisam mal entram no perímetro do parque.  

Uma certa quietude, agora que todos estão mais para a frente, permite-me reflectir sobre o país dos ticos, onde se esconde 6% da biodiversidade mundial, esse território banhado pelas águas do Pacífico e do mar das Caraíbas, um paraíso constituído por bosques tropicais, lagos, vulcões e praias que abrigam espécies vegetais e animais extraordinárias — o Instituto Nacional da Biodiversidade calcula que haverá pelo menos um milhão neste autêntico jardim zoológico tropical claramente abençoado pela natureza.

Emissão zero

É difícil, durante a minha errância pelo país, ver lixo no chão, uma garrafa de plástico esquecida; fumar, mesmo ao ar livre, numa paragem de autocarro ou nas proximidades de um espaço público, é um assunto sério; a Costa Rica, quando penso nela, remete-me para um jardim enorme e bem cuidado, no qual a protecção do meio ambiente está garantida pelos seus cidadãos, uma tradição que remonta aos últimos anos da primeira metade do século passado, coincidindo com o fim da guerra civil que assolou o país. Ao mesmo tempo, as autoridades lançam constantes apelos à paz com a natureza e esperam alcançar, dentro de quatro anos, a emissão zero de carbono — essa foi uma das promessas, em 2007, do presidente Óscar Arias (Prémio Nobel da Paz em 1987) e o actual chefe de estado, Luis Guillermo Solis, também não abdica desse compromisso assumido pelo anterior líder.

Embrenho-me pelo parque Manuel Antonio mas sinto dificuldade em afastar-me da realidade do país, do facto de mais de 25% de uma área total ligeiramente superior a 50 mil km2 (e não mais de 4, 8 milhões de habitantes) ser declarado Reserva Nacional, o que corresponde a uma das mais elevadas percentagens mundiais. Por momentos penso naqueles que, erradamente, buscam na Costa Rica ruínas pré Colombo ou vestígios de cidades coloniais; o património do país é a força da natureza, uma Arca de Noé em todo o seu esplendor — não há, na América Central, outro país que proporcione tantos mimos, com tanto esmero, ao meio ambiente.

Sigo em frente, ao longo do trilho El Perezoso, e a presença de um preguiça, trepando vagarosamente pelo tronco esguio de uma árvore, faz desde logo justiça ao nome; depois desvio-me para o passadiço construído há dois anos, correndo quase paralelo ao trilho e muito mais tranquilo. Por entre a ramagem espessa, avisto um tucano com tonalidades azuis e amarelas — aviso aqueles que se aproximam, como quem desempenha o papel de guia, substituindo Manuel Cabalceta Méndez.

Aqui e acolá penso nele, nas suas palavras sábias.

- Claro que o turista que visita a Costa Rica vem com a intenção de fazer turismo natural, ecotours, actividades de aventura, espairecer. Se quer ver Cadillacs antigos e beber mojitos escolhe Cuba como destino. Há muitos animais, belos e interessantes, na Costa Rica mas mais de 90% dos meus clientes, ao longo das minhas caminhadas guiadas, espera ver um preguiça ou um macaco — são, sem dúvida, independentemente da idade dos turistas, os animais mais populares.

Lembro-me, por instantes, da fila para adquirir bilhetes, do sentimento de Disneyland que se propagou pela minha alma àquela hora da manhã, com todos os hotéis em redor, mais as lojas onde se vende de tudo um pouco, mais os parques lotados de carros e autocarros. Manuel Cabalceta Méndez percebe, sem grande dificuldade, onde quero chegar mas contorna a questão com delicadeza.

- Temos o turista sério e exigente, que sabe o que quer, o turista descontraído sem grande interesse científico, que apenas quer apreender um pouco da nossa cultura e das nossas tradições, e o turista que simplesmente não sabe em que país está, que nada sabe da geografia mundial ao ponto de me perguntar em que ilha estamos.

Rio-me.

- Podes rir-te à vontade. Não acreditas no que te estou a dizer?

Eu faço um esforço.

- Eu sei que é difícil acreditar mas sabes que já me perguntaram, mais do que uma vez, se à minha direita estava o mar das Caraíbas e à minha esquerda o Oceano Pacífico. Já me aconteceu com frequência quando estou a caminhar, com um grupo, sobre a ponte natural que se cria pela acumulação de sedimentos, areia, terra e conchas, que primeiro começa com um banco de areia e une a Punta Catedral com a massa continental do parque Manuel Antonio.

Varanda com vista

A Punta Catedral foi, em tempos, uma ilha mas está ligada ao continente por uma estreita faixa que separa duas praias, a Espadilla Sur e a Manuel Antonio. Bem perto destas, está um miradouro que as árvores, com as suas copas altas, pouco deixam ver, a não ser um pássaro ou outro, mais o céu azul — quando desço encontro um macaco que se esconde atrás de uma das vigas de cimento sobre as quais está construída a torre de observação e exibe-se por instantes, em frente a um telemóvel que o eterniza; logo depois, mostra-se indiferente ao interesse dos curiosos, enquanto outros, caminhando sobre o trilho que corre junto à praia, vão lutando em cima da areia que se levanta, motivando mais e mais fotografias.

As ondas do mar chegam arrebatadoras, não há nelas qualquer manifestação dócil, arrastam a areia na sua cavalgada e, para o outro lado, batem com força sobre os rochedos, lançando um lençol de espuma que sobe no ar; caminho, a maior parte das vezes entregue à minha solidão, e avisto ao longe a praia por onde passara, às primeiras horas da manhã, território de surfistas e de alguns casais que se estendiam nas suas camas dispostas sobre as areias, fitando pequenas ilhas recortando-se naquele mar infinitamente azul, aqui e acolá sobrevoadas por pássaros que riscavam o céu. O parque Manuel Antonio tem, na verdade, visitantes a mais, mas tem, da mesma forma, algumas das praias mais bonitas do mundo — difícil é, por vezes, compreender por que designam a Espadilla Sur como a segunda praia, a playa Manuel Antonio como a terceira, a playa Puerto Escondido (a de mais difícil acesso) como a quarta, finalmente, no meio de toda esta confusão, a Playita (mais procurada pela comunidade homossexual, que de há muitos anos a esta parte vê Manuel Antonio como destino de sonho mas também porque a homossexualidade foi descriminalizada na Costa Rica já na década de 1970) como a quinta. São cinco praias, o melhor mesmo é não as contar, como fazem alguns, começando pela Espadilla Sur, o que provoca desde logo um certo desassossego nos seus cérebros, que apenas deviam estar disponíveis para admirar a magnificência de um lugar pouco dado a números.

Quando deixo o trilho principal, hesitando na bifurcação, opto pelo que parte à minha direita, iniciando uma descida pouco íngreme que dentro em breve se abre para o mar, para águas onde não tardo a mergulhar antes de estender a minha toalha sobre areias douradas, testemunhando o clamor das vagas ou simplesmente observando aqueles que, na sua errância pausada, deixam marcas sobre a areia húmida, com um olhar sonhador que me faz adivinhar que provavelmente nunca estiveram em lugares tão bonitos como este que lhes serve de cenário.

Fico feliz por eles. E por mim, pela panorâmica que me é dada a contemplar.

Caminho um pouco mais, quase sempre em silêncio, mas expectante, atento, fitando as árvores que sobem no céu de um azul puro; cruzo-me com um ou outro casal, aqui e ali avisto um animal, detenho-me e incito-os a observarem, mesmo que a minha missão se revele por vezes difícil, até que acabo por seguir o meu trajecto que me leva, daí a pouco tempo, até uma espécie de varanda de onde avisto o mar em toda a sua beleza, ao mesmo tempo que, em baixo,  sob o penhasco que cai na vertical, escuto o rugido das águas, quebrando-se com impaciência contra as rochas, como música para os meus ouvidos que não escutam, daí a pouco, o lento rastejar de um lagarto que, em cima de uma pedra, ao sol, abre a sua boca como alguém que pretende, de uma só vez, abarcar toda a beleza do lugar, como se aquele fosse um momento único, sublime, incapaz de se repetir por muitos anos que a vida, como o mar que continuo a avistar, se perfile no horizonte.

Servindo-me de outro trilho, subindo uma vez ou outra, vendo o sol filtrando-se por entre os ramos das árvores, chego à praia onde os turistas se banham, onde outros se abrigam dos raios fortes do sol, onde alguns, ainda, se divertem observando os macacos que estão mais interessados no conteúdo dos seus sacos do que em serem fotografados ou apreciados nas suas acrobacias — afinal, o mundo é mesmo assim, cada um, consciente ou inconscientemente, faz aquilo que mais lhe interessa. 

Faço o caminho de regresso, quase não há turistas a esta hora, o parque parece-me mais belo do que nunca, entregue a si próprio, à sua beatitude; agora, porque o dia avança, não há animais, nenhum guia me poderia apontar um, talvez me pudesse indicar apenas o nome desta ou daquela árvore, fazer com que levantasse o olhar e lhe agradecesse.

É mesmo assim.

- Quando comecei a trabalhar a tempo inteiro como guia naturalista, a logística do desenvolvimento das actividades da natureza era menos exigente e não carecia de tanta destreza e agilidade como nos dias de hoje. Desempenhar as funções de guia mudou muito nos últimos anos. Graças à tecnologia digital e às plataformas das redes sociais, os turistas preferem levar uma fotografia ou um vídeo em vez de olharem, perdendo, assim, a verdadeira essência e a arte original de um parque, entre outros, privilegiado pela sua biodiversidade.

Volto a sentar-me no lugar onde estivera a escutar atentamente Manuel Calalceta Méndez antes de ele se despedir de mim e partir com um grupo.

- Pura vida.

 

Guia prático

Como ir

Para viajar entre Lisboa ou o Porto e São José da Costa Rica tem necessariamente de efectuar uma escala. A Iberia (www.iberia.com) constitui uma das melhores opções, com uma curta paragem em Madrid mas com tarifas que, para o mês de Abril, por exemplo, ultrapassam um pouco os 1200 euros. É possível obter preços mais em conta, com a Air France, mas o tempo (e talvez o dinheiro) que irá gastar não compensa a diferença, a juntar ao incoveniente de ter de mudar de avião em Paris, bem como na Cidade do México ou em Atlanta, nos Estados Unidos. Se decidir voar para a capital da Costa Rica, há pelo menos uma dúzia e meia de autocarros por dia que servem Manuel Antonio (um trajecto que se cumpre em três horas com um custo aproximado de dez euros) mas é importante adquirir (se viajar no percurso inverso) o bilhete com alguma antecedência no terminal de Quepos. Desde o aeroporto internacional Juan Santamaria há serviços regulares de autocarro, entre as 5h e as 22h (um euro e a duração depende do trânsito mas pode contar entre 20 minutos e uma hora) mas tenha em conta que a cidade dispõe de cinco terminais que servem, também de autocarro, os mais populares destinos do país — para chegar a Manuel Antonio, procure o Tracopa, na Calle 5, entre as avenidas 18 e 20, a sul de San José. 

Como alternativa, pode experimentar voar para a Cidade do Panamá (normalmente mais barato e com mais promoções do que São José da Costa Rica) e depois fazer o percurso de autocarro até chegar ao Parque Manuel Antonio, aproveitando para visitar outros lugares nos dois países.

Quando ir

Em Abril, o mês que marca a transição entre a estação seca e a época das chuvas, o clima ainda é favorável a uma visita à Costa Rica, com dias cheios de sol e muito calor. Caso prefira adiar a aventura, o melhor é esperar até Novembro, altura em que a precipitação deixa de se fazer sentir até Maio.

Onde dormir

É um resort mas também um espaço que, como em muitos outros lugares ao longo do país, respeita a natureza. O nome é sugestivo, Hotel Si Como No (www.sicomono.com), os quartos estão decorados com ricas mobílias, toques ousados de cores tropicais e varandas; conta ainda com duas piscinas (uma para crianças, outra apenas para adultos), mais dois jacuzzis, um spa e dois bons restaurantes. Com tantas facilidades, espere pagar entre 250 e 330 euros por um quarto duplo ou um pouco mais de 400 por uma suíte.

Um pouco mais barato, entre os 100 e os 170 euros, o Babaloo Inn (www.babalooninn.com) proporciona quartos com uma varanda privada com panorâmica sobre um jardim tropical e outros com uma vista soberba para o oceano, contendo estes últimos uma pequena cozinha e espaço suficiente para quatro pessoas (ideal para uma família). 

Para quem viaja com um orçamento reduzido, o melhor lugar em Manuel Antonio é o Backpackers (www.backpackersmanuelantonio.com), que oferece dormitórios com seis, oito e dez camas a preços económicos (a partir dos 15 euros e um pouco menos na época baixa) mas também uma dúzia de quartos privados, alguns com ar condicionado, outros com ventilador, todos eles com pequeno-almoço incluído e uma cozinha (há supermercados muito próximos e não necessita de caminhar mais de um minuto para apanhar um autocarro para o parque) que lhe permite preparar, caso deseje, as suas refeições.

Onde comer

A uns 200 metros do Backpackers, do outro lado da rua (caminhando para a direita, na direcção do Parque Manuel Antonio), tem uma das melhores opções, o restaurante El Angel, simples mas com comida bem confeccionada e sempre fresca (aberto entre as 8h e as 21h, de segunda a sábado).

Para um pouco mais de requinte, experimente o restaurante do Hotel Si Como No, o Claro que si, onde uma refeição custa entre 10 e 25 euros, aparentemente pretensioso mas sem alguma vez sacrificar a qualidade dos ingredientes que utiliza (muitos deles locais e orgânicos, um pouco na linha da gestão que caracteriza o hotel) nos pratos (típicos do Pacífico e das Caraíbas) que serve. Para beber um cocktail enquanto observa o pôr do sol, seguido de umas tapas, procure o segundo andar do Plaza Vista II, onde está instalado o Lush Tapas & Lounge, aberto até muito tarde de segunda a sábado. 

Informações

Os cidadãos portugueses apenas necessitam de um passaporte com uma validade de seis meses para visitar a Costa Rica.

A língua oficial é o espanhol mas não falta (nos lugares mais turísticos, como o Parque Manuel Antonio, por exemplo) quem fale fluentemente inglês.

A moeda é o colón – são precisos pouco mais de 600 para adquirir um euro. 

O parque Manuel Antonio está aberto entre as 7h e as 16h (encerra à segunda-feira) e a entrada custa 16 dólares (cerca de 15 euros).

 

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