Seguimos caminho apontando direcção a oeste, para onde a urbe foi crescendo, mas também com os olhos virados para o oceano que traria mais mundos ao pequeno país. Sempre a pedalar (ou quase: há passagens de estrada que para os menos aptos será melhor fazer com a bicicleta pela mão), vamos acompanhando o curso do rio, até o horizonte se abrir, junto à magnânima Praça do Comércio, desenhada pelo arquitecto Eugénio dos Santos, já depois de o terramoto ter arruinado a residência que, em 1511, o rei D. Manuel I achou que seria a mais digna a um monarca. O forte abalo não levou só pedras. Também acabaria por arrastar consigo pedaços gigantescos de história, como a Biblioteca Real, instalada na época no torreão poente do Paço da Ribeira e que, estima-se, reunia um riquíssimo espólio, graças sobretudo à dedicação de D. João V, mas também uma série de documentos históricos relativos à exploração dos mares.
Gingar e ganhar balanço
Ainda hoje não é difícil imaginar o impacto que a enorme praça, reerguida após o terramoto, teria nos que chegavam a Lisboa. Mesmo durante os longos anos em que serviu de parque de estacionamento, e apesar de ter servido de palco a momentos menos felizes, como o atentado que, a 1 de Fevereiro de 1908, vitimou o rei D. Carlos e o seu filho, o príncipe Luís Filipe. Actualmente, a recuperação da zona começa a dar frutos e, mais do que continuar a testemunhar a grandiosidade com que governos consecutivos quiseram impressionar estrangeiros, transformou-se num enorme espaço de lazer.
A intervenção nesta área também serviu para pôr a descoberto pedaços de história. É o caso do espaço da Ribeira das Naus, onde operou uma fábrica naval e da qual se pode observar a doca seca. Impressionante é imaginar que Lisboa acabava aqui, onde os nossos pés assentam, mesmo juntinho à estrutura em pedra que revela um impressionante estado de conservação. Nesse tempo, o trajecto que se segue seria como caminhar sobre as águas.
Mesmo à beira-rio, não há como não esquecer um pouco toda a história e aproveitar a brisa que vai amaciando o cansaço que as pernas denunciam. Por aqui, todo o cuidado é pouco. E nem é com os carros; é mesmo com os peões que teimam em caminhar pelos trilhos destinados às bicicletas. Poder-se-ia dar uso à pequena campainha, mas nesta paisagem ruídos não são bem-vindos. Por isso, o melhor é aprender a gingar e estar sempre preparado para parar e voltar a ganhar balanço. Até porque, ao longo do Tejo, há mais histórias à nossa espera. Algumas que preferíamos não relembrar, como o tempo em que todas as imundícies eram despejadas no farto caudal. Fora as vezes em que não caíam pelo caminho, como relembra o nosso guia.
Ao longo do trajecto, percebe-se que toda esta área está em pleno processo de renascimento. Há restaurantes e bares, locais de cultura e lazer. Mas, consegue-se perceber, ainda haverá mais daqui a uns tempos, com as várias movimentações que se observam e adivinham.
O tour terminará junto ao Padrão dos Descobrimentos (o da manhã; o de tarde inicia-se precisamente neste ponto, percorrendo o caminho inverso ao nosso), erguido pela primeira vez em 1940, integrado na Exposição do Mundo Português, e mais tarde, em 1960, reconstruído em betão e cantaria de pedra rosal, por ocasião da comemoração dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique. Mas, antes, logo à chegada a Belém, é preciso parar por um momento. Quer para recuperar fôlego, quer para imaginar como seria esta zona antes da dita Exposição do Mundo Português.