A ideia de que as chagas que levamos no corpo são ou podem ser espelho do que vai na nossa mente deve ser tão antiga quanto a ideia contrária – a de que uma alma em bom estado se reflecte mais facilmente num corpo igualmente são.
Foi com essa dialéctica corpo-mente que me meti a caminho do Algarve, rumo ao hotel Epic Sana, para um reencontro que tinha tanto de inesperado como de desejado. Passam agora três anos desde a primeira visita a esta unidade de cinco estrelas na Falésia, em Olhos d’Água, colada a Albufeira. Na altura, submeti-me ao programa bootcamp que a direcção do hotel, liderada por Lourenço Ribeiro, pôs no mercado para um segmento de gente que, como eu, descansa melhor (o juízo) se estiver a mexer (o corpo).
Foi, como contei na altura na Fugas, uma dura semana de treinos bi-diários, com um regime alimentar adequado à intensidade e que não permitia grande margem de liberdade aos participantes. Pode encontrar a reportagem dessa experiência, que me levou a perder 4kg de massa gorda numa semana, na edição online da Fugas.
Percebendo isso, o hotel reorganizaria mais tarde a oferta sem abdicar das suas propostas de férias activas, num programa a que chamou Reshape, mais adaptável do que o bootcamp. Até que, em 2017, o Epic Sana vem acrescentar uma terceira proposta: o Retreat à la carte.
O programa é exactamente isso que o nome indica: um retiro, um tratamento, à medida de cada um. De um largo naipe de possibilidades, cada cliente escolherá três actividades físicas, e dois tratamentos do wellness center. Acontece que tenho andado a escutar o meu corpo, que não está na forma em que se encontrava durante ou no fim do bootcamp. Por isso, subverti completamente as regras e, com excepção do Pilates, abdiquei dos treinos físicos, deixando o suor para os sprints entre a mesa das refeições e o balcão do buffet…
Conhecendo o hotel e a sua filosofia anima sana in corpore sano, não esperava surpresas. Aliás, tendo em conta a qualidade geral, tanto das instalações como do serviço, desejava em segredo que não houvesse surpresas, uma vez que as primeiras memórias eram tão boas que já me dava por satisfeito se pudesse repeti-las (mas com menos suor).
Porém, logo no check in, surge a primeira surpresa: uma garden suit deluxe para três noites. Durante o bootcamp, ficara instalado de forma supimpa num dos quartos do edifício principal. Desta vez tocar-me-ia uma das habitações duplex geminadas que estão separadas do edifício principal, com vista de mar, piscina e árvores.
Cada habitação tem 73 metros quadrados em dois pisos virados para o mar e que só estão separadas do areal da falésia por um pequeno bosque de pinheiros. A paisagem é um regalo. Tanto sabe a descanso ao fim da tarde como a energia ao acordar. Da cama king size, vê-se o bosque, o reflexo do sol no mar, uma paisagem relaxante antes da primeira visita ao Sayana Wellness Center.
Foi assim que cheguei ao momento zero do meu menu, no qual constavam duas sessões diárias de massagens e uma aula de Pilates. É um trabalho difícil, mas alguém tem de o fazer. E com o suor que há três anos ali havia deixado, no ginásio, na piscina e na praia, bem como num ou noutro promontório em caminhada, a correr ou a pedalar, sentia-me merecedor de tal castigo.
Foi assim, ansiando punição, que de manhã me dirigi para a massagem de bambus. No início, alguns movimentos respiratórios profundos, na presença de uma essência mentolada saída da linha Arumatherapy Associates (Londres), usada pelo Epic. Seguiram-se cerca de 50 minutos de trabalho com as mãos e com duas pequenas canas de bambu que sabem a rolo da massa a passar pelas costas. A pressão não chega a ser profunda, mas quem andou a acumular tensões, contracturas e fibras deslocadas vai ficar pensar duas vezes da próxima vez que estiver a espancar a massa dos rissóis na bancada da cozinha.
Não me podia queixar. Até porque Vivian Gonçalves, 26 anos, terapeuta de saúde e bem-estar formada em Portimão não parava de me dar feed back enquanto desfazia em pó a minha convicção de que eu só tinha uma contractura – e antiga. “Uma das qualidades de um bom massagista é uma mão firme”, avisara. “Não é só festinhas.” Ainda bem, ripostei em silêncio, pelo que no final, saí até um pouco desconsolado. Em segredo, comecei a sentir saudades do sofrimento do bootcamp, ao qual se seguia sempre uma sensação melhor. Mas o corpo ainda me pedia para não pisar o acelerador. E por isso mantive-me fiel ao programa que concebera para mim.
Horas depois regressei para a massagem ayurvédica. Primeira diferença: ela é feita num colchão, ou tatami. Depois, já não há canas de bambus, toda a massagem é com as mãos (a espaços são usadas toalhas para alguns movimentos de cabeça suaves) e os cerca de 50 minutos incluem movimentos de alongamento.
Quem hoje em dias escolhe um programa destes sabe que estamos no domínio da experiência. Ela vale o que cada um está disposto a investir nela. No final, além do programa, há que incluir a conta do alojamento neste hotel Sana de cinco estrelas. Duas frases para quem não conhece o universo Sana, detido pelo grupo Azinor: tem 16 hotéis, maioritariamente no centro e sul de Portugal, mas também em Luanda e Berlim. Em 2019 espera acrescentar dois hotéis, um Evolution, conceito que já tem em Lisboa, e um Epic (a gama de topo), ambos em Casablanca.
O segundo dia reservava a segunda surpresa. Uma sessão de Mindfullness. um treino de meditação de tradições budistas, como explicou Renata Domingos, 29 anos, de Faro, alguém que deu a volta à vida quando percebeu que estava a ir por um caminho que não a completava. Num mundo cheio de profissionais em burn out, a ideia de travar e mudar de rumo parece quase uma excentricidade. Durante uma hora, aceitei a missão de cumprir o que prescreve esta técnica – “meditar com a intenção de prestar atenção ao momento presente, sem julgar”, segundo Renata. “No dia-a-dia, a mente ou vai para o futuro ou refugia-se no passado. Portanto, a nossa atenção já não está no que está a acontecer aqui e agora”, continua. Creio que foi esta frase que me levou a suspender a descrença.
Em boa hora o fiz. Porque a minha dorsal e as minhas lombares continuam um caco, mas a ideia de que vivemos pouco no presente ressoou de tal modo que estava disposto a sofrer horrores nas massagens que me faltavam, sobretudo na deep tissue, que é profunda e se assemelha muito à massagem desportiva. A verdade é que senti todos os “aquis” que dolorosamente tenho atado às costas pela vida fora, e também todos os “agoras” que doem quando alguém lhes passa por cima com os nódulos dos dedos. Mas nem o tratamento hidratante que se lhe seguiu, com esfoliante feito de café e amêndoa e lama do Mar Morto me massajaram tanto a alma e energizaram tanto o corpo quanto a pequenina nota que deixei para a última folha do bloco de apontamentos, que acabei por arrancar e colar no frigorífico: “Não te esqueças do agora.”