Fugas - Viagens

  • Miguel Andrade
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A jóia da coroa e da cozinha sobre os carris do Douro

O prato seguinte continuava preenchido por alimentos biológicos no seu estado quase natural, com espargos, puré de ervilhas e flor de sabugueiro que antecedem o prato de peixe. Aqui, a escolha caiu em filetes de cavala com maçã e alho selvagem, com o topo novamente preenchido por um jardim de flores que o sous chef garantiu terem cada uma um sabor diferente, ora doce, ora amargo, picante e até uma que jurava que sabia a ostra (acreditamos, mas não a encontramos).

O comboio partia agora da Régua e em todas as mesas, quase em segredo, ainda se reclamava de fome quando chegou um prato mais conhecido com lombo de pombo e cogumelos selvagens. Ainda assim, e passada meia viagem, Cláudia Jorge, arquitecta com 32 anos, diz que o preço (500 €) é “elevado para o menu disponível”. Tanto ela como o marido dizem ser “conhecedores destas experiências gastronómicas” e já tinham tentado reservar lugares na primeira edição, no ano passado, mas já não foram a tempo. Desta vez conseguiram e depois de conhecerem o Douro de barco e carro faltava o comboio, a “principal atracção da viagem”, diz José Santos. No fim, a sorrir para a companheira, confessou que o valor pago “valeu a pena”.

O sol ainda escaldava quando saímos do comboio em Foz de Côa em direcção a um solário quase embutido nos socalcos do Douro. Era a Quinta do Vesúvio, da família Symington, no Douro Superior, já muito próxima de Espanha, uma das poucas que não está aberta ao público.

A propriedade espalha-se por “sete montes e trinta e um vales”, um total de 320 hectares, e mesmo que nunca tenha ouvido falar neste nome conhece decerto a primeira dona, a Ferreirinha, que foi também quem baptizou a quinta com o mesmo nome do monte italiano que avistou durante a sua lua-de-mel em Nápoles. Estava tão apaixonada que lhe chamou Vesúvio, para nunca mais se esquecer daquele momento, contou um dos administradores do grupo Symington, Joe Álvares Ribeiro.

A pausa serviu para o comboio inverter a marcha e os passageiros aproveitarem o fresco que, numa das partes mais secas do país, apenas foi possível sentir na adega.

Foi aí que decorreu a prova de vinhos, e mais acima, num terraço, também uma prova de charutos antes de se ouvir novamente o Comboio Presidencial a aproximar-se, agora em direcção ao Porto. O sol estava agora quase a tocar no Douro e a viagem seguia mais melancólica, agora com a sobremesa, um coulis de morangos no topo de um creme de pasteleiro fumado com carvão, a fazer de lanche.

Do Pinhão chegariam por fim travessas com os fumados da Qualifer, em que não faltavam as tirinhas de cabeça de xara do Alto Alentejo e pão da Gleba e da Régua entraram literalmente pelas janelas os rebuçados caramelizados de mel. O à-vontade das senhoras de cesto na mão que entraram pelo cpmboio adentro serviu de aviso: cuidado, este comboio continua a fazer, no fim de contas, uma viagem muito portuguesa.

Depois de uma primeira edição o ano passado que pôs o Vila Joya sobre carris, o comboio voltou agora por dez dias que Gonçalo Castel-Branco gostaria que aumentassem para o dobro na altura do Outono, durante as vindimas com o Douro a ganhar “novas cores e cheiros diferentes”. No entanto, quem decidirá isto é o comboio, que a cada viagem terá de ser avaliado para ver se é possível realizar a próxima.

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