Fugas - Viagens

  • Miguel Andrade
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A jóia da coroa e da cozinha sobre os carris do Douro

Ouviam-se comparações divididas entre os planos cinematográficos saídos do imaginário do americano Wes Anderson e o famoso comboio de longas distâncias, este bem real e a que chamaram o Expresso do Oriente.

Percorrendo a plataforma da estação via-se dentro do comboio um piano, um restaurante (com muitos copos de vidro que, por sorte ou mestria dos alunos da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, chegaram intactos ao fim de nove horas de solavancos), e uma apertada cozinha improvisada no vagão onde antes eram transportadas bagagens, correio e animais vivos.

É dentro deste compartimento que três chefs premiados com estrelas Michelin foram desafiados a cozinhar, por dia, 64 refeições gourmet sem recurso a fumo, gases ou fogo.

A última semana estaria reservada para dois chefs portugueses, cada um com uma estrela Michelin, estando um mais a Norte, Pedro Lemos, e o outro, João Rodrigues, o chef do Feitoria, em Lisboa.

Aquando da primeira viagem, o desafio tinha sido aceite por um jovem, mas experiente, dinamarquês. Era ele Esben Bang, o cozinheiro mais jovem de sempre a conquistar três estrelas do guia Michelin.

Mas o “acto de coragem” em aceitar o convite, como lhe chama a brincar o dinamizador do evento, não chegou a ir para a frente porque dias antes, e ao fim de três meses a preparar um menu especialmente para esta viagem, o chef partiu uma perna e não chegou a deixar a capital norueguesa, onde tem o seu restaurante Maaemo.

Para o campo de batalha mandou o seu braço direito, o irlandês Halaigh Whelan-McManus, que com 28 anos teve a ousadia de pegar “nos fantásticos ingredientes portugueses”, dar-lhes um “elegante twist” e transformá-los em pratos da cozinha escandinava.

A fórmula destas receitas tem três pontos e já valeu ao restaurante Maaemo, por coincidência, três estrelas: ser sazonal, local e simples. Com muitas, muitas flores comestíveis à mistura.

O primeiro amuse-bouche, apresentado como “um miminho do chef”, chegou pouco tempo depois do primeiro copo de vinho (confessamos, eram 11h da manhã), e muito antes de se começar a ver o rio.

Os passageiros aproveitavam assim para admirar o interior clássico das carruagens, os confortáveis bancos, a cor verde menta, os avisos antigos de segurança (desde logo se sabe que as portas abrem em movimento caso alguém se encoste), as maçanetas, as casas de banho e as janelas que só são abertas por um técnico especializado (e só quando não há túneis).

Na tacinha de vidro saltavam imediatamente à vista as pétalas de cor laranja que pareciam repousar no akvavit, um destilado nórdico onde nadavam também pickles de cebola e ruibarbo.

A boca já estava adocicada e a vista, passadas as primeiras estações urbanas, começava também agora a ser mimada. À hora de maior calor, o sol entrava pelas janelas reflectido pelo Douro, onde, aliás, parecia que os carris estavam suspensos de tão próximos do rio estarem.

Os copos continuavam a encher-se de vinho branco, tinto e rosé (Porto na sobremesa), todos de quintas do Douro que, diziam os entendidos, harmonizavam na perfeição com a experiência gastronómica (o chef nem os provou, lamentou mais tarde quando a azáfama da copa acalmou).

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