“Está a ver aquela mesa ali ao fundo, só de dois lugares? É ali que se senta sempre o senhor dos sapatos quando vem aqui comer.” O senhor dos sapatos é Christian Louboutin, o designer francês que comprou uma casa em Melides para passar alguns meses do ano. A Quinta do Lourenço é apenas um dos restaurantes desta aldeia onde Louboutin gosta de comer. Maria Luísa Lourenço, proprietária, não sabe qual será o prato preferido do designer — “na cozinha não me dou conta disso” —, mas sabe que ele vem sempre acompanhado por outro homem e que a ida ao seu restaurante é uma das poucas saídas que faz quando está na sua casa em Melides.
É numa estrada de terra, onde o mar está tão próximo que se ouve o bater das ondas, que se situa a casa de Louboutin. Com vista sobre a lagoa, com pinheiros a fazer de muro para quem ali passa, é o sossego envolvente que mais salta à vista. Na estrada da Vigia há mais casas construídas, mas estrategicamente posicionadas para ninguém se impor na vida de ninguém e, acima de tudo, para ninguém estragar a paz de ninguém. A condessa Noemi Marone Cinzano, empresária ligada ao vinho, tem casa na mesma estrada e até já comprou terrenos do outro lado da sua herdade, onde plantou vários hectares de vinhas.
Comprar um terreno — com ou sem casa incluída — não é uma tarefa difícil em Melides. Sobretudo se se tiver dinheiro para gastar. Porque num mundo cada vez mais turbulento um cantinho sossegado em Portugal pode chegar a custar mais de quatro milhões de euros. Por isso, são várias as imobiliárias que prosperam com o recente interesse da classe alta estrangeira por Melides. Na pequena aldeia alentejana, os cartazes com nomes de agências e números de telemóvel em baixo já fazem parte da paisagem.
A oferta serve quase todas as carteiras: uma das operadoras, que trabalha com clientes de todo o mundo, “oferece” nove propriedades por valores que oscilam entre os 240 mil e os quatro milhões de euros. E quem procura estas casas? Franceses, acima de todos, o que não será alheio ao facto conhecido de Louboutin — que possui igualmente uma casa no bairro lisboeta de Alfama — ter lá residência e de não perder uma oportunidade para declarar a sua “rendição” a Portugal. Numa entrevista à revista Visão, em Agosto de 2016, o designer explicou o seu encanto pelas terras alentejanas: “Adoro os locais que permanecem autênticos e onde me sinto desenraizado. A parte que me interessa do Alentejo é uma parte onde não há franceses, que não me apetece nada encontrar em Paris, quanto mais no Alentejo! Não gosto de encontrar pessoas quando estou de férias, gosto de ter experiências.” E não é o único a gostar de não se cruzar com ninguém. António Candeias, nascido e criado em Melides, confirma a obsessão pela discrição: “Mesmo no Verão, quando há bastantes focos de animação na aldeia, os turistas da classe alta não saem de casa. Podemos vê-los de manhã a comprar um jornal ou o pão, mas pouco mais. São pessoas simpáticas, mas preservam bastante a sua intimidade.”
Com 1658 habitantes, Melides quer continuar a ser só uma pacata aldeia alentejana. Pelo menos, é o que assumem alguns habitantes nas conversas descontraídas de rua. Isabel Santos, outra local, quer que a sua praia continue a ser só sua, que o largo da igreja continue a ser só seu, que o sossego da aldeia perdure. “Claro que é importante ter turistas e novas pessoas a viver cá, isso traz-nos mais trabalho, mas não quero que isto se torne o Algarve”, afirma. Nos meses de Verão, a população de Melides chega a triplicar e os habitantes mais pacatos resmungam quando já não encontram o lugar de sempre para o seu automóvel.
Boa mesa
A confusão de que os habitantes da terra falam são as festas durante todo o Verão para animar os locais e não só. Há música, há dança, há tasquinhas de petiscos, tudo o que uma boa noite pede. Os empresários da restauração agradecem: há que aproveitar os meses quentes para amealhar para o resto do ano.
Perto da igreja situa-se O Fadista. Com 25 anos de existência, é gerido por marido e mulher e alberga para uma boa refeição muitos dos que passam pela aldeia. Vítor Almeida, o proprietário, nota que são cada vez mais os que ali param para provarem as saladas de polvo, o ensopado de enguias ou o arroz de lingueirão que Ana, sua mulher, prepara na cozinha. “Tudo o que cozinhamos é feito com amor e as pessoas sentem isso.”
Um pouco mais acima, na rua principal, há O Melidense. O “senhor Carlos” prefere não desvendar o que de bom se come no seu espaço, mas as críticas escritas a caneta pelas paredes do restaurante são reveladoras: ali não se pode perder um bom prato de açorda ou de chocos fritos. No campo das sobremesas, o arroz doce parece ser o maior must.
Uns quilómetros mais à frente, o Tia Rosa já está habituado à confusão que turistas ou novos habitantes trazem à pacatez da aldeia. O seu afamado pato no forno com arroz de miúdos leva pessoas de todo o país a parar neste espaço à beira da estrada.
Se em Melides há muito por onde se escolher na altura em que a fome aperta, não há muito por onde optar no que toca a actividades que não passem só por ficar horas intermináveis a apanhar banhos de sol na praia. Frederico Lamas e o irmão Luís viram nisso uma oportunidade de negócio. E assim surgiu a empresa Passeios a Cavalo Melides. Com preços a partir dos 25€, pode ter-se aulas de equitação, passear-se a cavalo na montanha ou na praia. O extenso areal e as poucas pessoas na areia permitem esses passeios ao estilo do que celebrizou Bo Derek, no filme 10. Diferença importante: aqui usa-se roupa. Por mais uns euros, também pode ser feita uma degustação de três vinhos regionais.
Para além disto, pouco mais há para fazer — o que não é propriamente uma má notícia. Afinal, não são muitos os locais em Portugal que têm praia e total tranquilidade. António Candeias, que durante vários anos trabalhou no concelho de Oeiras, nunca deixou de viver em Melides. Tem casa na serra e sabe-lhe bem o sossego. E nem o interesse massivo que o local está a suscitar o preocupa: “Aqui a densidade de construção é mínima. Na nossa costa não se constrói mais do que já está construído em Vilamoura, por exemplo.” Sobre a pergunta inicial — “O que é que Melides tem? —, António não hesita: “Tem turismo de silêncio, tem praias onde até em Agosto se pode estar sozinho, uma gastronomia muito boa e pessoas que recebem muito bem.”
Maravilhas de Portugal
Melides está a concorrer para as 7 Maravilhas de Portugal na categoria “Aldeias Ribeirinhas”. Num documento exposto no largo da aldeia, António Figueira Mendes, presidente da Câmara de Grândola, justifica a ambição: “Este concurso constitui uma importante oportunidade de mostrarmos e afirmarmos as nossas potencialidades através da candidatura de quatro aldeias do nosso concelho representativas das características ímpares que distinguem o nosso território: a frente atlântica com 45 quilómetros de praias acessíveis, a riqueza natural da nossa serra, a afabilidade das nossas gentes e o património gastronómico, histórico e cultural de grande relevo.”