Histórias novas constroem-se à volta dos corsos — “Uns atrevidos, sem medo”, diz Dulcineia — e de outras formas de usufruir de um lar de natureza quase intacta.
É o que faz o chef Rui Cerveira ao pousar a toalha no chão à sombra de um sabugueiro, na margem de uma fina linha de água. Engraçado como o que coloca em cima da toalha de piquenique vem dali tão perto. As flores de sabugueiro fritas, os mirtilos, o porco preto, o gaspacho, os queijos — o da serra e o de mistura. Poderia fazer chá das flores amarelas de carqueja e das mais brancas de camomila colhidas há pouco.
A serra da Malcata é a despensa “das aromáticas” deste chef do restaurante Casa da Esquila, na freguesia do Casteleiro, Sabugal. É onde colhe a erva-doce (funcho) e rosmaninho, e as plantas silvestres que já tantos querem levar para o prato, como o meruje, para saladas, e as urtigas, em pratos de sopa. Os fetos são o seu maior fascínio e a serra oferece-lhos de bandeja.
E lá continua a serra da Malcata. Parda. À espera.
Cegonhas na igreja
Fosse a cidade vista de cima e as cinco quinas do Castelo do Sabugal seriam a maior evidência. É preciso atravessar a ponte para entrar na cidade propriamente dita e iniciar o percurso até ao castelo muralhado pelos elementos naturais. Elevado num pequeno planalto da serra, o castelo beija a margem do rio Côa e a aldeia desenrola-se a partir daí. É sobre este castelo que reza a lenda do milagre das rosas que fez Santa a Rainha Isabel.
As casas do largo são uma mistura de xisto e granito, não fosse toda esta terra uma amálgama de influências, de trejeitos portugueses e espanhóis, de pedras escuras e sarapintadas. Assim é também o chão, o cruzeiro, o castelo: um postal completo. Junto a estas casas antigas do Largo do Castelo inaugurou-se em Março um novo vizinho, a Casa da Memória Judaica da Raia Sabugalense. Este museu socorre-se das memórias para contar a presença judaica no concelho, um ponto integrado na Rede de Judiarias de Portugal.
O concelho do Sabugal é local de paragem da grande rota do Vale do Côa. Mesmo que o rio nem sempre se veja, a proximidade ao Côa é denunciada pelas aves que nidificam nas suas escarpas. O silêncio no centro histórico, numa tarde de sexta-feira, nem as cegonhas o ousam quebrar, pousadas no cimo da torre sineira e da porta da cidade.
São 18h30 e, ao tocar do sino, as vozes tornam-se mais altas para se fazerem ouvir num dos cafés do centro. O badalar acaba e a calmaria volta. O vagar, o silêncio.
Estar na raia colocou em tempos a cidade numa posição estratégica de defesa — por isso existem cinco castelos no concelho do Sabugal. Hoje, estar na fronteira é uma oportunidade a outro nível. Afinal, a cidade tem 12 mil habitantes, tendência para os continuar a perder, e “a melhor chance para alavancar os territórios fronteiriços é pô-los a olhar uns para os outros”. António dos Santos Robalo, presidente da câmara, vê na fronteira espanhola uma grande oportunidade. O turismo como linguagem comum.
O problema, diz o autarca, é a resistência à mudança: “Faltam percursos na serra. Falta normalizar a oferta da restauração.” Nota um aumento no investimento no alojamento turístico, mas isso, por si só, não alavanca o território.