Carlos Bernardo vai e vem de Abrantes praticamente todos os meses. Diz que a sua profissão natural é ser “sonhador”, mas na prática viaja. Bastante. Em 2013 criou o blogue O Meu Escritório é Lá fora e é aí que vai mostrando e contando os locais por onde passa e as histórias com que se cruza.
Mas Carlos, 32 anos, é daqueles viajantes para quem o verbo “Ir” só faz sentido se for coordenado com o “Voltar” e este, por sua vez, só pode terminar em Abrantes. Voltar a Abrantes. “Pelo que faço, eu poderia viver em qualquer parte do mundo. Mas acabei de comprar uma casa em Abrantes, acabei de casar. Gosto de ir, mas gosto muito de voltar”, diz. E porquê? “Não é um sítio que se visite, se veja uma paisagem monumental e se faça ‘uau’. Mas é um sítio para se viver, para se sentir”, explica. É só dar algum tempo à cidade centenária e percebe-se que Carlos é bem capaz de ter razão.
Chega-se sob um calor insuportável. A temperatura ronda os 40 graus, não desce dos 27 quando já é quase meia-noite e, basicamente, deixa-nos incapacitados para dar dois passos nos sobes e desces das ruas do centro histórico. Mas Abrantes parece saber que é assim, e dá uma ajuda a quem quer percorrê-la, abrindo-se em diversas praças que Carlos Bernardo descreve como “pequenas ilhas, onde as ruas desaguam”. Elas e nós, que nos sentamos sempre que podemos, desde que haja uma sombra.
As praças, bem tratadas e com diversas obras de arte, são pausas apetecíveis, e onde também é possível observar quem passa. Se nos guiássemos apenas por números (não pode ser, eles são preciosos mas também nos enganam), poderíamos pensar que essa observação momentânea nos iria revelar sobretudo idosos, a passar por lojas antigas e sem novidade, numa cidade perdida no centro de Portugal e, sem o tal “uau” de que falava Carlos, com pouco para oferecer.
Os dados do Instituto Nacional de Estatísticas relativos ao ano de 2015 dizem que, em Abrantes, por cada 100 jovens existiam 228 idosos. E, por isso, antes de lá chegarmos, antes de entrarmos na Drogaria Nova e nos depararmos com o sorriso largo e o cabelo vermelho forte da Joana Borda d’Água, estávamos prontos para acolher uma cidade modorrenta, meio-adormecida sob o sol.
A imagem pré-concebida passa depressa. Há velhos a percorrer as ruas, é claro. A igreja de S. Vicente, monumento nacional com o interior a pedir restauro, vai-se enchendo de mulheres com alguma idade. Mas desça-se às praças e olhe-se em volta. Olhe, por exemplo, para a Gelataria Lis, que reabriu num novo local, depois de um casal com negócios ligados à farmácia e à óptica, a ter comprado aos velhos donos, que não tinham quem quisesse aprender os segredos de como fazer os gelados artesanais e estavam quase resignados a ver o negócio de uma vida fechar.
Veja A Merceneta, uma mercearia nova mas à moda antiga, que está de portas abertas no centro da cidade. Espreite a A Tasca, onde Luís Fortunato inventou uma nova vida, enquanto oferecia um novo ponto de encontro para quem quer petiscar alguma coisa ou ficar sentado à conversa. E — voltemos à Joana —, entre na Drogaria Nova, com um rosto bem diferente daquele que tinha quando o avô da jovem arquitecta a abriu, em 1943.
Joana deu a volta à drogaria do avô em 2013. Para trás ficava o curso de Arquitectura em Coimbra e uma experiência na sua área de formação que a deixou desapontada. À sua frente estava Abrantes e o regresso a casa. “Na altura não foi pacífico. Não queria vir para Abrantes. Tinha a mentalidade um bocadinho parva de ‘nas cidades grandes é que é bom’. Abrantes é interior, é horrível, no interior não há nada… Mas foi aqui que consegui encontrar trabalho e eu já tinha percebido que havia muito para fazer e que eu podia fazer diferente. Aqui merece. É a minha terra”, conta. A qualidade de vida que encontrou no regresso a casa acabou por vencer as suas resistências. “Às vezes nem pensamos muito nisso. Demoro 10 minutos a chegar à loja. Já vivi no centro histórico e vinha a pé, o que é maravilhoso. Adorava voltar. Neste momento, perder uma hora do meu dia no trânsito é impensável”, diz.
A Drogaria Nova tem a Joana e o senhor Jorge, antigo funcionário da casa. Ela levou para ali os produtos portugueses, num conceito inspirado na loja de Catarina Portas, A Vida Portuguesa. Ele ensinou-lhe o que eram e para que serviam os velhos produtos tradicionais da drogaria, que ainda lá estão. Hoje, os dois já se movimentam à vontade entre benzina, bicarbonato de sódio, doces em bisnaga ou andorinhas de Rafael Bordalo Pinheiro. A drogaria não deixou de o ser, mas cresceu para “loja de prendas”, e é só mais um exemplo das surpresas que Abrantes tem para oferecer.
Ao fundo da Rua Alexandre Herculano, que também termina numa pracinha, a Drogaria Nova é um ponto de partida tão bom como qualquer outro para percorrer o centro histórico de Abrantes. E agora podíamos oferecer-lhe uma lista de edifícios antigos e as suas respectivas localizações, mas não vale a pena. Joana diz que o melhor do centro histórico da cidade “são a pessoas”. Vá lá à procura delas e aproveite o que, para quem vai de visita, parece ser mesmo o melhor: o conjunto.
Percorra praças e ruas estreitas, as mais planas e também as inclinadas, que descem até ao Tejo lá ao fundo, com um piso mais fácil ou ainda feito de pedra antiga e irregular. Erga a cabeça para os verdadeiros palacetes ou mansões antigos com que se vai cruzar por todo o lado. Deixe os olhos repousar nas fachadas brancas debruadas a amarelo, e pelos arbustos de hydrangeas azuis e violetas que adornam as bermas. Entre nas igrejas, observe o pórtico renascentista da Igreja da Misericórdia, e imagine como ficará o Convento de S. Domingos, com os seus claustros do século XVI, na zona alta da cidade, quando terminarem as obras de restauro que o hão-de transformar num museu.
E, é claro, vá ao castelo. Não se pode ir a Abrantes e não ir ao castelo. Nem se pode perceber Abrantes se não se for ao castelo do século XII. O local é mais um daqueles que Joana Borda d’Água vê hoje com outros olhos. “Há uns anos não se dava tanto valor ao castelo. Vínhamos aqui no tempo da escola, mas é um castelo militar, uma antiga fortaleza, e eu não achava piada nenhuma. A minha mãe é professora de História, foi-me falando da sua importância, dos seus tesouros, e hoje já olho para ele de outra forma. Percebo a sua importância estratégica tremenda. A cidade tem vários miradouros, que nem sempre estão bem aproveitados, mas do castelo, vê-se tudo”, diz.
É verdade. Vêem-se quilómetros de paisagem a toda a volta. O Tejo lá em baixo – e, como diz Carlos, “o rio é a principal razão para estarmos [Abrantes] aqui” – e os campos e povoações em redor. Dentro das muralhas há uma enorme extensão de relva e uma torre de menagem onde é possível subir, para ver ainda um pouco mais alto. E há, no interior das muralhas, a Igreja de Santa Maria do Castelo, monumento nacional e “um verdadeiro tesouro”, como não se cansa de repetir Joana.
A igreja, que é também o Museu D. Lopo de Almeida, de acesso gratuito, tem azulejaria hispano-árabe e, sob esta, frescos do século XV, numa dupla riqueza de elementos que continua a ser trabalhada – as pinturas espreitam sob buracos abertos na azulejaria que reveste o altar, como quem pergunta se deve ser vista na sua plenitude ou continuar assim, a partilhar a importância com os azulejos que as cobrem.
Nas paredes laterais há belíssimos túmulos góticos e renascentistas que constituem o Panteão da família Almeida, de que se destaca D. Francisco de Almeida, 1.º vice-rei da Índia. E não se surpreenda com os vestígios romanos que vai encontrar também lá dentro, incluindo uma estátua em mármore, a que falta a cabeça, e que foi encontrada enterrada por baixo da igreja. É que os vestígios de que os romanos estiveram instalados por estas bandas, sobretudo nas margens do Tejo, lá em baixo, são mais do que muitos, como perceberá neste espaço.
E por falar nas margens do Tejo, é lá que Joana nos leva a seguir, até junto dos mourões e das obras do Aquapolis que abriram caminho para desfrutar de outra perspectiva da cidade – de baixo para cima, numa superfície plana, com o rio em primeiro plano. Mas não é aqui que terminamos a visita. Numa reviravolta que já parece típica da cidade, que afinal não é só antiga nem só cheia de velhos, Joana leva-nos até ao Mercado Municipal de Abrantes, inaugurado em 2015, um projecto do gabinete de arquitectura ARX Portugal, de José e Nuno Mateus.
Os olhos da arquitecta iluminam-se enquanto observa a estrutura branca encaixada na muralha e percorre o interior do mercado, com os seus vários patamares, varandas e pontos de vista. “É super-polémico. Acho que as pessoas gostam do edifício, mas odeiam que seja o mercado porque têm uma enorme estima pelo antigo mercado. E como é um espaço com diferentes pisos, custa-lhes um bocadinho”, explica. O velho mercado, plano, num piso só, está “em stand-by” à espera de um futuro, mas Joana delicia-se com o novo espaço e Carlos está mesmo a pensar instalar lá o seu escritório. Ela recorda que foi demolida parte da muralha para que se construísse a escadaria que liga as diferentes cotas por onde se estende o edifício e percebe a polémica desta opção, mas defende-a. “É mesmo uma obra de arte. Enquanto arquitecta, gosto sempre de preservar ao máximo, mas aqui a opção tomada teve razão de ser. Já não se justificava um mercado à moda antiga”, diz, antes de nos mostrar um pormenor que a delicia.
Lá em cima, no último piso do mercado, um pequeno “olho redondo” abre-se sobre a paisagem, numa referência aos miradouros de Abrantes, que Joana tanto queria ver aproveitados de outra forma. Ela espera que esse dia chegue. Que as coisas vão mudando, como se vê no centro histórico, em que as casas degradadas já rivalizam com as que foram ou estão a ser reabilitadas. E em que as pequenas ruas centrais de comércio não sofrem de espaços vazios, mas de velhos e novos negócios que se entrelaçam para mostrar que Abrantes tem algo mais para oferecer do que pareceria à primeira vista. E ainda nem saímos do centro da cidade. Mas o Carlos vai tratar disso.
Praias e miradouros
“Eu ligo muito pouco a fronteiras geográficas”, diz o bloguer assim que entra no carro e nos informa que o primeiro sítio onde nos quer levar não é em Abrantes. Não é bem em Abrantes. É ali nos limites da fronteira do concelho com Vila de Rei, num dos braços do Tejo e da barragem de Castelo de Bode – também ela uma zona de fronteira. Mas quem vai a Abrantes bem pode dar um salto aos concelhos vizinhos, pelo menos para ir disfrutar por um bocadinho que seja da praia fluvial de Penedo Furado.
Há locais que não precisam de apresentações grandiosas e este é um deles. O rio ali é baixo, com águas límpidas e frescas. As árvores em redor projectam sombras bem-vindas e as poucas pessoas que lá estão parecem ter descoberto um pedaço de paraíso a que se agarram com unhas e dentes sem o revelar a ninguém. Carlos Bernardo diz que um dos aspectos de que me mais gosta neste local é o de nunca ter demasiadas pessoas, sobretudo quando as férias ainda não chegaram. Isso e a proximidade. A tranquilidade. A caminhada curta (desde que não estejam quase 40 graus, note, porque aí tudo parece demasiado longe) até às pequenas cascatas uns metros mais à frente, onde se formam bolsas de água que dois rapazes e uma menina aproveitam.
A água, diz, costuma ser fria, mas neste dia de temperaturas tórridas, está perfeita. E é com inveja mal disfarçada que deixamos as poucas pessoas que lá estão, mergulhada até ao peito, enquanto temos que continuar caminho. De volta ao concelho de Abrantes, cuja diversidade Carlos não se cansa de elogiar. “O maior potencial do concelho é a sua diversidade. Entre os extremos Norte e Sul tem 40 quilómetros em linha recta e três áreas completamente distintas. A Norte é pinhal, completamente Beira Interior; o centro é Tejo, lezíria, oliveira, vinha e o castelo; e o Sul tem claras referências a dois territórios marcantes, o Alentejo e o Ribatejo”, diz.
Ele sabe do que fala porque tem percorrido de bicicleta cada recanto da terra que é dele e é com essa experiência que nos guia até aquele que diz ser um dos seus lugares favoritos. Um miradouro que, afirma: “Tem das vistas mais bonitas da região e arrisco dizer que 99% das pessoas de Abrantes não o conhece”. Também é verdade que parece não se ter feito muito para facilitar o acesso a este local, onde se chega por um caminho de terra e os últimos metros têm que ser feitos a pé. Mas, sentados no muro que ladeia o monumento triplo, com a albufeira da barragem de Castelo de Bode e a aldeia da Matagosa à nossa frente, e o silêncio apenas cortado pelo ruído dos motores dos aviões que andam a combater os incêndios e se vão abastecer naquela zona, percebe-se o que Carlos quer dizer. A vista é lindíssima (quase apetece fazer “uau”, afinal) e o sentido de calma pleno. “Já cá tomei muitas decisões importantes”, ri-se o bloguer, formado em Engenharia Civil, e que diz ser visto em Abrantes como uma mistura de “astronauta com rock star”.
Virando as costas à paisagem, bastam poucos minutos para ver o monumento construído por um particular e que representa uma tripla homenagem: à mulher portuguesa, aos aviadores e aos navegadores. E pode sorrir com a referência “Centro de Portugal”, porque se é verdade que o marco geodésico que assinala essa centralidade não está ali, mas em Vila de Rei, também é verdade que esse concelho está mesmo ali ao lado e nem o ponto de latitude zero, no Equador, é consensual.
Antes do dia terminar, Carlos Bernardo tem mais dois sítios para nos mostrar – mais uma praia e mais um miradouro. Não há repetição. Estes pouco têm que ver com os primeiros. A vista do miradouro da aldeia de Fontes dá-nos novas perspectivas da albufeira de Castelo de Bode – e, já agora, Carlos garante que as festas da aldeia, em Agosto, são “as melhores do concelho” – e a praia fluvial da Aldeia do Mato está a milhas de distância da do Penedo Furado.
Na Aldeia do Mato, a praia de bandeira azul é ampla e o rio largo. Há uma piscina no meio do rio e dezenas de pessoas esquecem-se do calor, fora ou dentro dos seus limites, mas sempre dentro de água. Aqui falta o silêncio e a sombra do Penedo Furado. Mas há mais espaço, mais lugares para estacionar e onde estender uma toalha. Aqui pode-se mergulhar, porque o rio é profundo, enquanto no Penedo Furado a água não cobre uma pessoa de estatura média. Carlos Bernardo garante que há muito mais para ver – 40 quilómetros da Grande Rota do Zêzere passam pelo concelho, diz, a título de exemplo – mas, por agora, ficamos por aqui. Para um local onde não há nada para ver ou fazer, Abrantes ocupa, afinal, muito tempo.
Às voltas com o azeite e o vinho
Abrantes, já aqui o dissemos, é muito mais do que o castelo (e nem sequer falamos do quartel militar, como já devem ter reparado, nem da ocupação da cidade durante as Invasões Francesas, vejam lá). É também terra de vinho e azeite e se é destes produtos que anda à procura, há espaços de portas abertas para o receber. No Tramagal, o Casal da Coelheira tem vindo a recolher prémios pela qualidade dos seus vinhos, em que o tinto Mythos é a estrela, apesar de a fama ter chegado, e 2010, com a distinção do melhor rosé do mundo, em Bruxelas. As vinhas, que se estendem até ao Tejo, na quinta com 270 hectares, beneficiam da humidade conferida pela proximidade do rio, e do contraste com as altas temperaturas do ar durante o Verão.
Sara Santos, 29 anos, é uma das seis funcionárias a tempo inteiro desta empresa familiar, e que vai já na terceira geração, com um conceito muito diferente do que tinha há umas dezenas de anos. “Era uma adega muito local, muito voltada para as pessoas da vila, que vinham nos seus burros encher os garrafões de vinho. Havia fardos de palha para alimentar os animais e arcadas para eles ficarem à sombra”, diz.
Hoje já ninguém traz os garrafões, mas a loja o Casal da Coelheira tem para venda as 10 variedades de vinhos produzidos pela casa. E quem chega para uma visita (por marcação) pode ainda espreitar a adega e o que Sara diz ser designado, entre as pessoas da casa, como a “sala das vaidades”. Um espaço em que as paredes estão revestidas de diplomas e prémios dos mais variados concursos.
De regresso ao centro de Abrantes, são poucos quilómetros até Alfarrerede e a Quinta do Bom Sucesso, da Casa Anadia, onde a estrela é o azeite. A propriedade também está aberta para visitas, com marcação prévia, e aqui é-lhe dada a oportunidade de passear entre os olivais e percorrer a mini-aldeia que se esconde no seu interior, e que é habitada pelos funcionários da propriedade da família de Miguel Pais do Amaral.
No topo há o que chamam de o “castelo”, e que é a habitação da família, quando está de visita. Não se pode entrar no edifício, mas terá a oportunidade de percorrer os jardins bem cuidados deste espaço, ainda que o local com mais potencial e mais interessante seja o velho lagar, cheio das máquinas em que antigamente se produzia o azeite, antes das exigências de segurança e higiene dos últimos anos terem obrigado à deslocação da produção para outro local. Ali podia existir um museu e quem lá trabalha diz que sim, que talvez isso ainda vinha a acontecer. Na Quinta do Bom Sucesso também há uma minúscula loja e, não se deixe enganar – aquelas garrafas que parecem de champanhe são mesmo de azeite. É verdade.
“Lá vêm os artistas que fazem coisas engraçadas”
Uma semana por ano, desde há cinco anos, a população de Abrantes cresce em cerca de cem pessoas. Não são muitas, mas têm ajudado a mudar a cidade e a retirá-la do esquecimento. São os participantes do Creative Camp do Canal 180, que este ano se instala na cidade entre 2 e 9 de Julho.
Luís Fernandes, do Canal 180, descreve o acontecimento anual como “um evento multidisciplinar nas media artes”, mas em Abrantes as pessoas olham para ele de forma um bocadinho diferente. Os mais velhos, diz, Joana Borda d’Água a rir-se, demoraram a assimilar quem eram aquelas pessoas de diferentes países que invadiam a cidade, levando intervenções artísticas para a sua porta. “Agora, já dizem, cá vêm os malucos, os artistas que fazem coisas engraçadas. Já acham mais piada”. Carlos Bernardo não tem dúvida em classificar o Creative Camp como algo “super-interessante”, a que só pede “um pouco mais de envolvimento da comunidade”.
Além de mexerem com a economia local, durante aquela semana, e de contarem entre as suas actividades com um festival que chama mais pessoas à cidade, o Creative Camp tem promovido diversas intervenções nas ruas de Abrantes. Várias são de carácter efémero, mas outras vão ficando, como a marca perene de que algo passou por ali.
No ano passado, por exemplo, o colectivo espanhol Boa Mistura fez uma série de pinturas com palavras coloridas em vários espaços do centro – incluindo nos claustros do Convento de S. Domingos – mas o que hoje fica, sobretudo, como memória da sua passagem por Abrantes é a empena de flores coloridas num dos prédios da Praça Barão da Batalha. Noutra parede de um prédio do centro histórico está uma pintura feita há dois anos pelo britânico INSA que, explica Luís Fernandes, não pode ser contemplada em toda a sua dimensão apenas olhando para aquela fachada. Na verdade, aquele é o resultado final de várias pinturas feitas pelo artista que não publicita o rosto, e cuja evolução resulta num gif., que só pode ser percepcionado online.
Pelo centro também há ainda vestígios das minúsculas figuras que Isaac Cordal instalou em candeeiros e fios de electricidade, mas, admite Joana Borda d’Água, “a maior parte delas desapareceu, foi roubada”. E o que já não pode mesmo ver, mas que foi das intervenções mais divulgadas, é a pintura Quando as Crianças Dormem que os franceses Ella & Pitr fizeram no relvado do castelo. As crianças gigantes e coloridas só puderam ser desenhadas com recurso a um drone e só podiam ser vistas totalmente também a partir de cima. Hoje não há vestígios físicos dessa obra de há três anos, e Luís Fernandes diz que está muito bem assim. “A peça era feita com tinta de água, às primeiras chuvas saiu. Mas nós não queremos ser um festival de arte urbana. As nossas intervenções têm que te um lado mais media, mais tecnologia”, diz.
Este ano, as três vertentes do Creative Camp – além do festival, há a academia e a fábrica, espaços de partilha de experiências e de concretização de projectos – vai ter obras mais focadas no que persiste e não tanto ligadas ao efémero, admite Luís Fernandes. Estão previstas intervenções em algumas praças e projectos que vão ao encontro do que pedia Carlos – de maior ligação ao território e à comunidade. Os participantes vão chegar de todo o mundo, do Canadá ao Chile, passando por vários países europeus, o que deixa Luís Fernandes com um sorriso. “Eu não conhecia Abrantes e o que me transmite é a ideia de um diamante em bruto, com algumas coisas para explorar e uma enorme abertura, que nos permitiu intervir onde queríamos. É muito engraçado pensar que muitos dos que vêm ao Creative Camp estão a chegar a Portugal pela primeira vez, e o contacto que têm é com Abrantes. Para eles, é um fascínio. É um local com um património histórico muito valioso, que recebe bem e onde é possível ter um bom conflito com o lado mais envelhecido do nosso país”. Atenção, Abrantes, eles estão a chegar. Outra vez.